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Homem simples e comum: procuro ser gentil com as pessoas, amigo dos meus amigos e bondoso com a minha família. Sou apaixonado por filmes, internet, livros, futebol e música. Estou tentando sempre equilibrar corpo e mente, manter-me informado das notícias a nível mundial, ministrar aulas de geografia em paralelo às pesquisas acadêmicas que desenvolvo e, no meio de tudo isso, tento achar tempo para o lazer e o namoro. Profissionalmente,sou geógrafo e professor de Geografia no Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Instituto Federal do Maranhão (IFMA ­ Campus Avançado Porto Franco) e Doutorando em Geografia Humana na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Membro do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA) e do Núcleo de Estudos do Pensamento Socialista Pesquisa do Sindicalismo (NEPS), ambos da UFMA. Participo da Rede Justiça nos Trilhos.

terça-feira, 31 de janeiro de 2017

O zumbi de Alcântara


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Por Marcelo Zero
No Brasil, há mortos-vivos. Quando você pensa que eles já se foram, acabam retornando do mundo dos mortos para nos assustar. 
Um deles é o famigerado Acordo de Alcântara.
Em abril de 2000, os EUA e o Brasil (sob gestão tucana) assinaram acordo bilateral com o objetivo, em tese singelo, de permitir que empresas norte-americanas pudessem usar a nossa Base de Alcântara para lançar os seus satélites.
Conforme informações do governo da época, tal uso poderia gerar recursos de monta (cerca de US$ 30 milhões ao ano, numa avaliação muito otimista) para reativar a base que ainda está subutilizada. Para as empresas norte-americanas, este uso seria proveitoso, em razão do fato de que o Centro de Lançamentos de Alcântara está bastante próximo da linha do Equador, o que diminui significativamente os custos dos lançamentos.
Até aí, tudo bem. Nada demais em permitir que empresas de quaisquer países usem comercialmente nossa base de lançamentos, desde que paguem o preço justo e respeitem nossa soberania.
Entretanto, nas discussões ocorridas no Congresso e no âmbito da sociedade civil à época, constatou-se que o governo dos EUA havia imposto condições draconianas e atentatórias à soberania nacional para permitir que as suas empresas usassem a Base de Alcântara. A oposição, liderada pelo PT e com o apoio até dos partidos da situação, conseguiu impedir a aprovação do acordo na Câmara.
Politicamente morto, o acordo ficou enterrado na CCJ daquela Casa. O julgávamos extinto. Mas, agora, acaba de ser ressuscitado, em surdina e nas penumbras, pelo governo antinacional do golpe, que, abanando o rabo de vira-lata, quer renegociá-lo com Washington.
Pois bem, o Acordo de Alcântara intitula-se “Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América sobre Salvaguardas Tecnológicas Relacionadas à Participação dos Estados Unidos da América nos Lançamentos a partir do Centro de Lançamento de Alcântara, celebrado em Brasília, em 18 de abril de 2000.”
Desse modo, o Acordo de Alcântara tem apenas um objetivo manifesto: proteger tecnologia sensível de origem norte-americana (satélites, foguetes, etc.) de apropriação indevida.
Porém, o acordo firmado com o Brasil tem dois tipos de cláusulas: salvaguardas tecnológicas e salvaguardas políticasEstas últimas não têm qualquer relação com o objetivo manifesto do acordo e não constam de qualquer outro acordo de salvaguardas tecnológicas firmados entre os EUA e outros países.
São elas:
I. proibição de usar o dinheiro dos lançamentos no desenvolvimento do veículo lançador-VLS (Artigo III, parágrafo E, do Acordo de Alcântara);
Esta salvaguarda, ao proibir o uso dos recursos do aluguel da Base de Alcântara no programa brasileiro do VLS (Veículo Lançador de Satélites), interfere indevidamente num programa de enorme importância para o desenvolvimento espacial brasileiro. Com efeito, um veículo lançador de satélites próprio permitiria ao Brasil entrar, de forma autônoma, no lucrativo e estratégico mercado da colocação em órbita de satélites de comunicação. Ademais, tal cláusula é claramente atentatória à soberania nacional, uma vez que nenhum país estrangeiro pode ter potestade, no que tange ao uso que o Brasil faria do dinheiro provindo do aluguel de sua própria base.
II. proibição de cooperar com países que não sejam membros do MTCR (Artigo III, parágrafo B, do Acordo de Alcântara);
Tal salvaguarda, ao proibir que o Brasil coopere com países que não sejam membros do (Missile Technology Regime Control-MTCR), impõe restrições descabidas à cooperação tecnológica nacional e confere a um país estrangeiro, os EUA, no caso, o poder de limitar o arbítrio da República Federativa do Brasil quanto à maneira de usar a sua base nacional e desenvolver seu programa aeroespacial. Saliente-se que o MTCR é um regime criado basicamente pelo EUA para impedir que países possam desenvolver a tecnologia de veículos lançadores de satélites, que também podem ser usados, com adaptações, como mísseis militares.
É necessário colocar em relevo também que a China, assim como vários outros países, não pertence ao MTCR, por considerá-lo injusto, irracional e pouco eficiente, além de ser um instrumento que tende a perpetuar as desigualdades tecnológicas entre as nações. Pois bem, o Brasil desenvolve, em conjunto com a China, em função de acordo bilateral firmado em julho de 1988, um importantíssimo programa de cooperação na área espacial: o desenvolvimento e lançamento dos Satélites Sino-Brasileiros de Recursos Terrestres (CBERS). É evidente que, caso esse dispositivo seja aprovado, os satélites sino-brasileiros não poderiam ser lançados da base de Alcântara.
III. possibilidade de veto político unilateral de lançamentos (Artigo III, parágrafo A, do Acordo de Alcântara),
No que se refere a esta salvaguarda relacionada ao veto político unilateral de lançamentos, ela também não tem, evidentemente, nenhuma relação com o resguardo de tecnologia norte-americana. Pelo que está previsto no Acordo, os Estados Unidos poderão proibir que o Brasil possa, utilizando base instalada em território nacional e veículos de lançamento de sua propriedade (ou de propriedade de terceiros países), lançar satélites para nações desafetas dos EUA. O absurdo de tal cláusula salta aos olhos.
IV. obrigatoriedade de assinar novos acordos de salvaguardas com outros países, de modo a obstaculizar a cooperação tecnológica (Artigo III, parágrafo F, do Acordo de Alcântara).
Tal salvaguarda política, ao impor que o Brasil assine acordos de salvaguardas com outros países que venham a se utilizar da nossa Base, nos mesmos moldes do Acordo de Alcântararepresenta também sério obstáculo à cooperação tecnológica. Ademais, trata-se, conforme nossa concepção, de verdadeira aberração jurídica que contraria os mais elementares princípios do direito internacional. Nações soberanas não podem ser coagidas a celebrar atos internacionais entre si em função de um acordo bilateral firmado por uma delas com outro país, e muito menos serem obrigadas a inscrever nesses atos o mesmo conteúdo do acordo. Na realidade, essa cláusula tem um endereço certo: os acordos de cooperação nos usos pacíficos do espaço exterior firmados pelo País com a Rússia, a Ucrânia, a China e a Itália, além de outros. O temor do governo norte-americano é que esses países, em decorrência das atividades de cooperação ensejadas pelos acordos, repassem ao país ou facilitem o desenvolvimento de tecnologia de veículos lançadores de satélites para o Brasil.
No caso dos outros acordos de salvaguardas tecnológicas firmados pelos EUA com a Rússia, China, Cazaquistão e Ucrânia essas cláusulas políticas não estão presentes, porque tais países já dispõem da tecnologia do veículo lançador de satélites, além de saberem defender melhor a sua soberania.
Assim sendo, o Acordo de Alcântara é um ponto fora da curva, no que se refere aos acordos de salvaguardas tecnológicas firmados pelo EUA, uma vez que contém salvaguardas puramente políticas que não possuem nenhuma relação com a proteção de tecnologia norte-americana.
Contudo, mesmo as salvaguardas tecnológicas propriamente ditas, admissíveis num acordo dessa natureza, foram redigidas de forma imprópria e atentatória à soberania nacional.
Entre outras, destacamos as seguintes:
a) Os EUA terão o direito de ter a disposição e controlar “áreas restritas” dentro da Base de Alcântara.
Tais áreas serão controladas vinte e quatro horas por dia exclusivamente pelos EUA. Brasileiros lá não poderão entrar. O governo dos EUA poderá também, conforme o Acordo, instalar aparelhagem eletrônica para melhor controlar tais áreas e nelas realizar inspeções sem aviso prévio ao governo brasileiro. Até mesmo os crachás para se adentrar tais áreas serão emitidos unicamente pelo governo dos EUA ou por seus representantes autorizados. Assim, caso aprovado o Acordo, se os senhores José Serra e Michel Temer quiserem circular livremente pela Base de Alcântara, terão de portar crachás emitidos por autoridades norte-americanas.
b) O Brasil não poderá revistar o material que os EUA fizerem ingressar na Base.
Com efeito, o Acordo prevê que os “containers” lacrados que virão dos EUA não poderão ser abertos enquanto estiverem em território brasileiro. Tais “containers” só poderão ser abertos nas “áreas restritas”, exclusivamente por pessoal norte-americano. Ou seja: a alfândega brasileira ou quaisquer outras autoridades brasileiras não poderão ter nenhum acesso às cargas que ingressarão em Alcântara.  Embora se alegue que esta cláusula é vital para se “proteger a tecnologia norte-americana”, ela encerra grande perigo: o Brasil não teria nenhum controle sobre o que os EUA lançariam de Alcântara.  Assim, se quiserem, os EUA poderiam lançar satélites de uso militar a partir da nossa base. Comenta-se, inclusive, que Alcântara poderia se converter numa das bases para um novo escudo antimíssil. As repercussões geopolíticas, principalmente no âmbito dos BRICS, seriam assustadoras e desastrosas.
c) Os escombros de lançamentos fracassados não poderão ser estudados ou fotografados de nenhuma forma.
De fato, o Acordo proíbe que o governo brasileiro estude ou fotografe escombros que tenham caído sem seu próprio território. Saliente-se que tal cláusula contraria tratado internacional sobre o assunto. De fato, esse dispositivo não se coaduna com os princípios do direito internacional aplicáveis ao caso, consubstanciados no “Acordo sobre o Salvamento de Astronautas e Restituição de Astronautas e de Objetos Lançados ao Espaço Cósmico”, datado de 22 de abril de 1968.
Tal acordo prevê o direito de custódia para o país em cujo território caiam os escombros, o que é negado pelo presente ato internacional, na medida em que determina a imediata restituição dos destroços.
Na época em que o Acordo estava sendo discutido na Câmara, comentou-se muito sobre a maneira descabida e desrespeitosa como foram redigidas as salvaguardas tecnológicas. Porém, comentou-se pouco sobre o gigantesco atentado à soberania nacional expresso nas absurdas salvaguardas políticas do Acordo de Alcântara.
Essas cláusulas políticas manifestam o grande objetivo do Acordo para o governo norte-americano: colocar o programa espacial brasileiro na órbita estratégica dos EUA e impedir o desenvolvimento do Veículo Lançador de Satélites por parte do Brasil.
Observe-se que, com o veículo lançador, o Brasil poderia dominar todo ciclo da tecnologia espacial e ser um player importante no mercado de lançamentos de satélites. Afinal, temos uma base de localização privilegiada, que permite lançamentos comparativamente baratos, e um acordo com a China para o desenvolvimento conjunto de satélites. Só nos falta o veículo lançador para que o nosso grande potencial nessa área crítica da tecnologia possa se concretizar.
Só que Washington não quer. Aliás, isso foi dito com todas as letras no início das negociações do Acordo de Alcântara. Os ianques disseram, na caradura, que “permitiriam” o uso da Base de Alcântara para lançamentos de satélites, desde que o Brasil extinguisse o programa do VLS e concordasse com todas as cláusulas políticas que seriam inseridas no texto.
O Executivo da época engoliu a bofetada e a ordem do Império. O Congresso, não.
Mas, agora, os neovira-latas, bons cristãos que são, querem dar a outra face.
Não se enganem: o acordo voltará de Washington tal como saiu em abril de 2000. O zumbi de Alcântara terá o mesmo corpo, o mesmo texto, o mesmo odor pútrido. Afinal, os EUA sabem defender os seus interesses.
Quem não sabe ou não quer defender os interesses de seu país é o governo neovira-lata do golpe. Com essa “renegociação”, o governo usurpador e antinacional assume que, no campo aeroespacial, assim como em outras áreas estratégicas, o Brasil será mero exportador de commodities. No caso, uma commodity geográfica. Supriremos os EUA com uma localização geográfica privilegiada. E nada mais. Nada de veículo lançador próprio. Nada de satélites competitivos.
Dizem por aí que os zumbis se alimentam dos cérebros dos vivos.  É provável.
Imagem: Em terras irregulares, o centro de Alcântara começou a ser construído em 1982, a poucos quilômetros de Baracatatiua. Vinte e duas comunidades de quilombolas foram deslocadas de suas terras no litoral de Alcântara para sete agrovilas. Na foto, o quilombola Inocêncio Torres, o Bacurau – Reprodução da Revista Época

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Povo Ka’apor enfrenta madeireiros, Funai e criminalizações em defesa da TI Alto Turiaçu


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Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi
Entre 2013 e 2016, a Guarda Florestal organizada pelos Ka’apor fechou 14 ramais madeireiros no interior da Terra Indígena Alto Turiaçu (MA). O impacto gerado nos ganhos ilegais dos patrões da madeira trouxe consequências ao povo. Em abril de 2015, o indígena Eusébio Ka’apor foi assassinado com dois tiros nas costas; em dezembro do mesmo ano, cerca de 60 madeireiros invadiram a aldeia Turizinho. Na ação, a adolescente Iraúna Ka’apor acabou sequestrada pelos madeireiros – e segue desaparecida apesar das denúncias feitas à Polícia Federal.
Para este ano, o Conselho de Gestão do povo não espera algo diferente. “Estamos fazendo esse trabalho sozinhos. A Funai, que deveria nos ajudar, só tem atrapalhado”, explica Itahu Ka’apor. Divisão interna e criminalização de apoiadores do povo são algumas das intervenções dos agentes do órgão indigenista denunciadas pelos indígenas. No último mês de dezembro, quatro indigenistas foram proibidos judicialmente de entrar na Terra Indígena Alto Turiaçu.
“São pessoas que nos apoiam e respondem por isso. O Conselho de Gestão não foi consultado sobre essa decisão. A Funai tinha era que impedir a entrada dos madeireiros, não de quem nos ajuda a construir um projeto de vida diferenciado, com autonomia”, enfatiza Itahu. Para o Conselho, por trás do impedimento judicial está o interesse dos madeireiros. Entendendo a decisão como desproposital, o juiz José Carlos do Vale Madeira da 3 Vara Federal de São Luís a tornou sem efeito.
Nesta quinta-feira, 26, os integrantes do Conselho foram a São Luís denunciar o episódio em conversas com órgãos estaduais e federais, incluindo demandas com o Programa Nacional de Defensores de Direitos Humanos. “A Funai tem dito que estamos divididos. Não estamos. Das 17 aldeias, 14 apoiam o Conselho de Gestão. As outras três caíram na conversa de que o povo tem de ter cacique e a Funai nomeou um. Quem nos divide é a Funai, que não respeita a forma de organizar do povo”, diz.  
A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) segue a mesma linha da Funai. No final de novembro, os Ka’apor ocuparam por três dias o Pólo Base de Saúde em Zé do Doca. “Entre 2015 e 2016, 40 Ka’apor morreram por desassistência. Nossas aldeias tem muitos problemas de saúde. Pacientes estão se encaminhando por conta aos hospitais, onde sofrem discriminação. Queremos outros profissionais, um melhor atendimento. Por isso o protesto. Não dá pra ver quieto parente morrendo”, pondera Gilmar Ka’apor.
Como resposta, os Ka’apor foram atacados pelos órgãos federais e o episódio serviu para a ação de banimento judicial dos quatro indigenistas da Terra Indígena Alto Turiaçu. “Era por conta da nossa saúde indígena e aproveitaram para tentar enfraquecer o Conselho de Gestão e o nosso projeto de vida autônomo. É esse projeto que tem protegido a terra dos madeireiros e nos feito avaliar de forma crítica as políticas públicas pro povo indígena”, pontua Itahu.
Os caminhos da madeira
Há alguns anos, os Ka’apor mudaram as perspectivas de organização do povo. Acabaram com o regime de caciques e criaram o Conselho de Gestão Ka’apor, além de conselhos locais para cada uma das 17 aldeias. “O principal objetivo era fortalecer o nosso jeito de ser, tomar decisões coletivas e proteger o território dos invasores, principalmente madeireiros”, diz Itahu. O chamado “projeto de vida” acabou por ser responsável pela formação da Guarda e toda resistência aos madeireiros.
A retirada ilegal da madeira passou a sofrer resistência organizada, com os guardas percorrendo o território, destruindo acampamentos madeireiros, incendiando tratores e fechando ramais. Os Ka’apor passaram a expulsar os invasores, varrendo-os de mais de uma dezena de porções da terra tradicional. A quantidade de madeireiras instaladas nos municípios da região diminuiu, mas não acabou. “Hoje eles estão concentrados pro lado do povoado de Vitória da Conquista, município de Zé Doca. Exatamente onde estão as três aldeias que a Funai criou cacique e faz fofoca”, afirma Itahu.
Os indígenas afirmam que nessa região a movimentação madeireira ocorre 24 horas. Para quem quiser ver, mas nada é feito. Na verdade é o local de livre trânsito que restou aos madeireiros. Todos os demais são fiscalizados, com ramais antes abertos para as cidades de Centro do Guilherme, Santa Luzia e Governador Lúcio Freire. Um deles, o Ramal 45, é onde constantemente os Ka’apor sofrem ameaças e emboscadas. Ou seja, mesmo com a Guarda os madeireiros ainda tentam entrar na terra indígena.    
“Trabalho do guarda florestal vai continuar. Por isso a gente não aceita venda ilegal de madeira. Estamos fechando ramais. Se entrar, vamos fazer nosso trabalho porque temos de defender o nosso território. A Funai tem que somar, mas só tem trazido problemas”, explica Itahu. O indígena destaca que o povo não quer voltar ao passado, quando os madeireiros levavam bebidas alcoólicas, drogas e violência às aldeias.
“Vivíamos mal. Hoje estamos fortalecidos, inclusive na educação escolar e alimentos diferenciados, da gente”. A Funai, conforme os indígenas, decidiu abandoná-los por tais escolhas. Desde agosto de 2016 fecharam a CTL (Coordenação Técnica Local) e ninguém sabe se alguém assumiu, não fomos informados de nada. Estamos perdidos, sem informação. Sobre a questão da aposentadoria, não sabemos de nada, nunca mais falaram com a gente”.
Itahu complementa: “Não temos caciques dentro da terra indígena, só o Conselho de Gestão e os conselhos das aldeias. Vamos continuar conforme a maneira do nosso povo. Comida, escola, vida, organização: tudo diferenciado. Não vamos aceitar essa intervenção que nos enfraquece, tenta nos dividir e coloca madeireiro dentro do território”.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

MPF firma acordo preliminar com Samarco, Vale e BHP Billiton no valor de R$ 2,2 bilhões


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Essa quantia será dada em garantia ao cumprimento dos Programas de Reparação Socioambiental e Socioeconômica. Também ficou acertada a contratação de quatro entidades para a prestação de serviços de perícia e assistência técnica ao MPF e aos atingidos
O Ministério Público Federal (MPF) firmou, na noite desta quarta-feira, 18 de janeiro, acordo preliminar com a Samarco, Vale e BHP Billinton, responsáveis pelo rompimento da Barragem de Fundão, ocorrido em novembro de 2015, no município de Mariana (MG). O objetivo é definir medidas e iniciativas que possam contribuir para a celebração de um acordo final nas ações civis públicas em andamento perante a 12ª Vara Federal de Belo Horizonte.
Ressaltando que o acordo não obriga nenhuma das partes a firmar futuro Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), que deverá ser objeto de amplas negociações, sob o crivo do juízo federal, o MPF esclarece que sua participação não significa concordância com o acordo celebrado nos autos da Ação nº 69758-61.2015.4.01.3400, nem renúncia a qualquer dos pedidos formulados na ACP nº 0023863-07.2016.4.01.3800.
“Cuida-se de um empenho de, naquilo que for passível de acordo, obter o meio consensual de solução dos conflitos, com vistas a assegurar a reparação integral do dano e a participação efetiva dos atingidos no processo, para que suas reivindicações sejam ouvidas e devidamente contempladas num futuro acordo que venha a ser realizado”, observa o procurador da República José Adércio Leite Sampaio, coordenador da força-tarefa do MPF.
As empresas, por sua vez, também se comprometeram, até a finalização do prazo para negociação do Termo de Ajustamento de Conduta Final (TACF), previsto para o próximo dia 30 de junho, a não pleitear a homologação em juízo do acordo celebrado com a Advocacia-Geral da União (AGU) e os Estados de Minas Gerais e do Espírito Santo, como também a solicitar a essas partes a suspensão das ações e dos recursos relacionados a tal acordo.
Garantia de R$ 2,2 bi – No termo de compromisso preliminar assinado ontem, as empresas se comprometeram a dar garantia, no valor de R$ 2,2 bilhões, para o cumprimento das obrigações de custeio e financiamento dos Programas de Reparação Socioambiental e Socioeconômica decorrentes do rompimento da barragem, incluindo os que vierem a ser definidos futuramente.
A garantia, composta por aplicações financeiras de liquidez corrente a serem dadas em caução ao juízo (R$ 100 milhões), seguro garantia de R$ 1,3 bilhão e R$ 800 milhões em bens da Samarco desembaraçados e livres de quaisquer ônus, ficará à disposição do juízo da 12ª Vara até a celebração do TACF.
Com isso, o MPF se comprometeu a solicitar ao juízo federal o levantamento da indisponibilidade de bens, decretada por liminar proferida naquela ação, por entender que a decisão estará provisoriamente cumprida por meio da prestação da garantia.
As empresas se comprometeram também a criar uma reserva no valor de R$ 200 milhões para a reparação dos danos socioeconômicos e socioambientais na região do município de Barra Longa/MG.
Outra medida acertada foi a contratação de quatro organizações – Latec, Integratio, Ramboll e possivelmente o Banco Mundial – para realizarem perícias, assessoria e/ou assistência técnica ao MPF e aos atingidos.
A Lactec irá fazer o diagnóstico socioambiental; a Integratio, o diagnóstico socioeconômico e assistência aos atingidos. A Ramboll, por sua vez,  será contratada para avaliar e monitorar os Programas de Reparação Socioambiental e Socioeconômica, e o Banco Mundial ou outra entidade a ser posteriormente definida coordenará os trabalhos das outras três empresas, sempre em parceria com o MPF.
As atividades a serem realizadas pelos experts serão custeadas integralmente por Samarco, Vale e BHP, que também ficarão responsáveis por celebrar os respectivos contratos.
Realização de diagnósticos – Nos trabalhos a serem desenvolvidos pela Integratio, estão a avaliação integral dos danos socioeconômicos produzidos pelo rompimento da barragem de Fundão, mediante identificação dos povos indígenas e quilombolas atingidos ao longo do rio Doce, assim como possível revisão do cadastro das pessoas e comunidades atingidas.
As conclusões das equipes periciais poderão vir até a modificar os Programas de Recuperação Socioambiental e Socioeconômica que estiverem em andamento em consequência do acordo firmado em 2016.
“O Termo de Ajustamento de Conduta preliminar previu a contratação das entidades para acompanhar e monitorar a implementação e execução de programas de recuperação, de forma a garantir que seus objetivos sejam alcançados, inclusive por meio de eventuais correções de rumos, com inclusão ou revisão de ações a serem realizadas. Só um acompanhamento técnico e imparcial, que possa ir auditando dia a dia o cumprimento das obrigações, vai garantir que elas sejam efetivamente cumpridas e que seus resultados sejam os esperados”, explica o procurador da República Eduardo Henrique de Almeida Aguiar, integrante da Força-Tarefa.
Participação dos atingidos – No processo de elaboração do diagnóstico socioeconômico, a cargo da Integratio, serão obrigatórias a consulta e a participação das comunidades atingidas.
A Integratio também deverá colaborar com o MPF na realização de audiências públicas e de consultas prévias aos povos indígenas e comunidades tradicionais atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão, assim como prestar auxílio e assistência na reparação integral dos direitos das comunidades atingidas.
Serão realizadas pelo menos 11 audiências públicas até o próximo dia 15 de abril, cinco delas no estado de Minas Gerais, três no Espírito Santo, e uma para cada Terra Indígena atingida pelo desastre de Mariana (Krenak, Comboios e Caieiras Velhas).
“É importante esclarecer que a contratação da Integratio não prejudica os ajustes feitos pelas empresas com os MPs Federal e Estadual no que diz respeito às atividades desenvolvidas em Mariana pela Cáritas, e em Barra Longa, Rio Doce e Santa Cruz do Escalvado, pela assessoria técnica que vier a ser contratada”, ressalva Eduardo Aguiar.
Outro ponto importante definido no acordo celebrado ontem é o de que, independentemente da celebração de futuro Termo de Ajustamento de Conduta Final entre o MPF e as rés, as atividades das empresas contratadas não sofrerão qualquer interrupção, devendo perdurar até a conclusão do diagnóstico final, cujo prazo será definido em reunião prevista para agosto deste ano.
Para o coordenador da Força-Tarefa, “a celebração desse acordo constitui um sinal importante sobre a possibilidade de chegarmos a uma composição que possa alcançar mais rapidamente os objetivos perseguidos pela ação que ajuizamos no ano passado. Sabemos que se trata de uma demanda, que por sua evidente complexidade, fatalmente levará muitos anos até sua conclusão final. Nosso objetivo é obtermos o mais rápido possível, e da forma mais eficaz, a implementação de programas de recuperação ambiental e de reparação às comunidades atingidas”.
O TTAC será submetido à aprovação do juízo da 12ª Vara Federal.
Clique aqui para ter acesso à íntegra do documento.
Imagem: Cidade de Bento Rodrigues que foi destruída pelo rompimento da barragem da mineradora Samarco. FOTO: MÁRCIO FERNANDES/ESTADÃO

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Presidente da associação de sojicultores do Baixo Parnaíba comanda destruição de roça de agricultor familiar em Buriti (MA)


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Vicente de Paula é um agricultor familiar no povoado Carrancas, município de Buriti. Ele vive com a esposa, um filho e dois netos numa propriedade de 150 hectares de Chapada. Como a área é relativamente grande, o Vicente e seus familiares fazem roças rotativas. Em um ano, eles roçam e plantam uma pequena área, que depois de colherem, só voltarão depois de dez anos. Ou nem voltam. Algumas áreas viraram verdadeiras florestas e a família do Vicente decidiu que não roçam mais nelas.
No dia 16 de janeiro de 2017, Vicente cuidava sozinho da roça em uma área um pouco distante de sua casa quando escutou um ruídos. Assustou-se e correu para sua casa. Voltou e viu sua roça toda bagunçada. Quem está por detrás desse ato é o André Introvini, presidente da associação dos sojicultores do leste maranhense, e seu pai João Gabriel Introvini que foram vistos perto da casa do Vicente na hora em que as pessoas bagunçavam a roça.
Por mais de dez anos, a família Introvini pressiona agricultores de Buriti para que vendam suas posses na Chapada. O Vicente é um dos poucos que resiste a pressão. Em 2013, a justiça concedeu uma liminar de interdito proibitório favorável ao Vicente e contra o André Introvini que quis derruba-la varias vezes e não conseguiu. A decisão ainda vale e a ação dos funcionários dos Introvini na roça do Vicente foi um desrespeito a justiça maranhense.

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Matopiba: na fronteira entre a vida e o capital

Combate Racismo Ambiental
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De “última fronteira agrícola do país” a projeto abortado pelo governo por falta de verbas, Matopiba segue nos planos dos investidores, continua sendo um desafio para povos e comunidades tradicionais e uma ameaça para o cerrado
Por Maíra Mathias – EPSJV/Fiocruz
A “última fronteira agrícola” do país. O lar de milhares de indígenas, quilombolas, agricultores familiares e populações que mantêm um modo de vida tradicional, como quebradeiras de coco, geraizeiros, vazanteiros e comunidades de fecho de pasto. Um desdobramento da crise econômica internacional. Uma porção do cerrado brasileiro em que o desmatamento cresce em ritmo acelerado. E, ao mesmo tempo, uma região tão importante para o equilíbrio hídrico nacional que recebeu o apelido de ‘berço das águas’. Um gigante de 73 milhões de hectares que, ainda sim, segue invisível e desconhecido da maior parte dos brasileiros. Matopiba é tudo isso e mais um pouco.
O nome vem do acrônimo das iniciais dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. O que eles têm em comum? Vastas porções de terras planas, mecanizáveis. E também contrariando a noção que associa todo o Nordeste à seca, fartura de água. Condições ideais para o agronegócio interessado em produzir em larga escala. Mas não só. A partir de 2008, investidores estrangeiros foram chegando e Matopiba passou a pipocar no noticiário econômico como uma oportunidade imperdível. Hoje, estudos já revelam que a região também atrai capital interessado unicamente em especular com o preço das terras, que disparou. E tudo isso fez aumentar o número de conflitos com quem estava no cerrado bem antes desse boom. Parece complicado? Fica mais.
No meio do processo, entrou o governo federal. Primeiro, através da Embrapa, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, que, em 2013, começou a delimitar formalmente Matopiba, que hoje, assim como a Amazônia, é considerado uma região geoeconômica. Com a ida de Kátia Abreu para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), em 2015, Matopiba virou marca de um governo que lutava contra a queda de receitas provocada pelo recuo no preço das commodities e passou a apostar que intensificar ainda mais a produção de matérias-primas poderia ser a “salvação da lavoura” para a crise econômica que o país já vinha enfrentando. Mas, para isso, seria preciso planejar e direcionar investimentos para “desenvolver” a região, dotá-la de infraestrutura adequada ao escoamento da soja, do milho, do algodão.
Com o afastamento de Dilma Rousseff da Presidência da República, a perspectiva neodesenvolvimentista de Matopiba parece não estar no script do novo governo, que afirma que não existem recursos para dar continuidade ao projeto. De qualquer forma, entidades que representam os produtores têm reafirmado a aposta na fronteira agrícola e se batido contra quem tenta decretar seu fim. Por isso mesmo, para quem vive lá e para aqueles que se preocupam com o destino do cerrado, lutar contra Matopiba continua sendo questão de vida ou morte.
O modelo
Mapito. Bamapito. Mapitoba. Matopiba. Todos esses nomes são ou foram usados nos últimos dez anos em referência ao processo de avanço da fronteira agrícola na porção setentrional do cerrado brasileiro. Contudo, as siglas não dão conta do início dessa história, que remonta ao governo militar. Clóvis Caribé, professor da Universidade Estadual de Feira de Santana, conta que o oeste da Bahia, região conhecida popularmente como ‘Além São Francisco’, foi a primeira parada de fazendeiros que chegaram no finalzinho dos anos 1970 para ocupar os chapadões que se estendem na divisa com Goiás e Minas Gerais. O que estimulou os ‘sulistas’, como são chamados até hoje pela população local, a se estabelecer naquelas bandas foi o incentivo federal. Oferecendo um mix de financiamento, assistência técnica, projetos de irrigação e eletrificação o Programa de Cooperação Nipo-Brasileira para o Desenvolvimento do Cerrado (Prodecer) tinha um objetivo: fundar núcleos de agricultura “moderna” no interior do país. Eles seriam uma espécie de exemplo para estimular mais e mais produtores a se adequarem ao modelo intensivo no uso de máquinas, insumos, tecnologias (agrotóxicos, fertilizantes, transgênicos).
Mais longeva parceria entre países para o setor agrícola (foi concebido pelos governos brasileiro e japonês entre 1974 e 1979, quando começou, se estendendo até 2001), o Prodecer expressava uma certa visão de desenvolvimento: era necessário “desbravar” o interior do país, como se nada nem ninguém existisse por lá ou devesse ser levado em conta. “O Estado considerava esses espaços  ‘vazios’ e fez a transferência de produtores do sul do Brasil para lá, regularizou as terras e repassou para as cooperativas. O Estado fundou um esquema de cooperação técnica e pesquisa, não à toa o Prodecer financiou a criação da Embrapa. O Estado montou um sistema de crédito rural pesado. Por último, veio a infraestrutura logística”, situa Caribé.
Hoje, o enorme mosaico formado por esses latifúndios monocultores pode ser facilmente visto por satélite através de programas como o Google Maps. A mancha começa acima do Parque Nacional Grande Sertão Veredas, vai em direção ao Parque Nacional das Nascentes do Rio Parnaíba, rodeado por fazendas, que vão subindo. Em sua última fase, o Prodecer abrangeu também Tocantins e Maranhão. Na Bahia, a região do ‘Além São Francisco’ passou a ser chamada por políticos e produtores de ‘Novo Nordeste’. Lá, o município de Correntina sintetiza muitas das contradições desse modelo de desenvolvimento.
Um estudo da ONG inglesa Oxfam lançado em novembro de 2016 concluiu que menos de 1% das fazendas brasileiras concentra 45% da área rural do país. No rol das cidades mais desiguais figura Correntina, onde os latifúndios ocupam expressivos 75% da área total dos estabelecimentos agropecuários. O relatório, que compara várias bases de dados, mostra que a bonança do agronegócio fica nas mãos de poucos. Segundo o último Censo Agropecuário feito pelo IBGE em 2006, o Produto Interno Bruto (PIB) de Correntina era de R$ 786 mil, riqueza que se dividida pelos 31 mil habitantes, daria pouco mais de R$ 25 mil per capita. Já informações de 2012 do Cadastro Único para Programas Sociais do governo federal mostravam que a pobreza atingia 45% da população rural e 31,8% da população geral. O índice de desenvolvimento humano (IDH) do município era de 0,603 em 2010, abaixo da média nacional (0,813). E o índice de concentração fundiária da cidade é de 0,927 em uma escala onde o máximo é 1. A Oxfam fez o mesmo levantamento em outros 15 países da América Latina e constatou que prevalece na região a lógica de desenvolvimento baseada na exploração intensa dos recursos naturais que favorece a concentração de terras e riquezas nas mãos de poucas famílias, e piora os indicadores econômicos e sociais para o restante da população.
Outro caso emblemático deste “desenvolvimento” é o Projeto Agrícola Campos Lindos, no Tocantins. Criado em 1997 pelo então governador José Siqueira Campos, o projeto é caracterizado no meio acadêmico como uma reforma agrária às avessas. O político desapropriou por improdutividade a fazenda Santa Catarina, destinando seus 90 mil hectares para grandes produtores (dentre eles, a senadora Kátia Abreu) que pagaram apenas R$ 10 por hectare. Mas, é claro, aquelas terras não estavam vazias. “A implantação do polo de produção de grãos tocada pelo ex-governador ignorou as 160 famílias que viviam nessa região da Serra do Centro, algumas há mais de cem anos. A maioria foi expulsa, algumas resistiram. Estão lá, mas cercadas pela soja. O córrego que existia antes já não existe mais porque assoreou, se desmatou tudo”, relata Rafael Oliveira, agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT) da regional Araguaia-Tocantins, que acompanha os camponeses que, além de tudo, tiveram de enfrentar uma longa batalha nos tribunais. Hoje sobraram seis famílias que, recentemente, tiveram de renunciar ao direito à posse para viver na, agora, área de reserva legal da propriedade. Como Correntina, Campos Lindos é um exemplo de “desenvolvimento”: por anos foi o campeão estadual de exportação de soja, por anos figurou nas estatísticas do IBGE como recordista em pobreza e desigualdade.
O projeto
Se lá atrás ninguém consultou as comunidades e povos tradicionais sobre o Prodecer ou Campos Lindos, Matopiba também chegou sem aviso prévio. “Nós ficamos sabendo há um ano, através da mídia local. Começava a publicidade de que Matopiba ia trazer dinheiro, emprego, uma nova classe média para o campo. Mas essas promessas não resistem à realidade quando a gente olha para Campos Lindos, onde o agronegócio chegou convidado pelo governo e destruiu tudo. O pequeno não tem onde plantar, todos têm dificuldade para sobreviver, o desemprego está grande”, conta Fátima Barros, da Associação Nacional de Quilombos (ANQ). Entre as entidades e movimentos que vêm se articulando para denunciar o projeto, é consenso que, pela dimensão e complexidade, Matopiba aprofunda a hegemonia do agronegócio no campo.
Abarcando 337 municípios com seus 73 milhões de hectares, Matopiba é maior do que a Alemanha. Esses limites foram traçados pelo Grupo de Inteligência Territorial Estratégica (Gite) da Embrapa que utilizou como primeiro grande critério as áreas de cerrados existentes nos estados. Com isso, 91% do Matopiba está no bioma, aglutinando o oeste da Bahia, o sul do Piauí, metade do Maranhão e… todo o Tocantins. A coincidência de o estado ser domicílio eleitoral da ex-ministra da Agricultura, Kátia Abreu, não passou despercebida por quem analisa o projeto. “Olha, por que o Tocantins é 100% favorável e o Piauí é 20% favorável? Será que o deserto do Jalapão e a Ilha do Bananal, no Tocantins, têm mais potencial do que a região de Esperantina no Piauí que está plantando soja hoje? Houve politização do projeto”, afirma Moysés Barjud, vice-presidente da Associação Nacional dos Produtores de Soja do Brasil (Aprosoja). A Embrapa, contudo, garante que o Tocantins “desempenha um papel relevante na infraestrutura regional” e detém expressiva presença de agroindústrias e acrescenta que o mesmo critério foi usado para incluir a porção norte do Maranhão, com São Luís e seu porto. Essa arquitetura que soma produção, processamento, estocagem, canais por onde escoar as matérias-primas para fora do país faz de Matopiba uma região geoeconômica. E estava na agenda do governo Dilma criar um Plano de Desenvolvimento Agropecuário (PDA) para desenvolvê-la.
“Que país, que no século 21, pode se dar ao luxo de ter uma fronteira agrícola? A sétima economia do mundo, o Brasil. O Brasil tem, nessa área, uma das maiores oportunidades de crescimento, de desenvolvimento, de mostrar a sua competitividade, o seu potencial e a sua prosperidade para todos os brasileiros, não só para os brasileiros dessa região, porque isso faz a roda da economia girar. E quando ela gira, ela beneficia com emprego e renda; ela beneficia com novas oportunidades; ela beneficia com mais infraestrutura de qualidade. Ela beneficia todo o país”, discursou a ex-presidente em 2015. Em maio daquele ano, ela assinou o decreto 8.447 que lançava as diretrizes para esse PDA. A oficialização, diz a Embrapa, transformou Matopiba em região prioritária, tornando mais fácil fortalecer a atuação da empresa na região. No período entre 2015 e 2019, estão previstos 73 projetos da ordem dos R$ 117 milhões.
Em 7 de maio, quando tanto a Câmara dos Deputados quanto a comissão especial do Senado já haviam votado pela abertura do processo que afastaria a ex-presidente do cargo, Dilma e Kátia Abreu anunciavam em Palmas a criação da Agência de Desenvolvimento do Matopiba. Na ocasião, o Ministério informou que caberia à Agência produzir um Plano Diretor para o Desenvolvimento do Matopiba e adiantou que duas empresas privadas – Freedom Partners e The Boston Consulting Group (BCG)  – parceiras do Ministério na elaboração da proposta, previam investimentos entre R$ 29 e 66 bilhões até 2035. “O plano diretor será decisivo para atrair investidores e empresários mundo afora”, disse Kátia Abreu na cerimônia, ressaltando: “Por todo lugar do mundo onde estive, todos só querem saber dessa nova fronteira agrícola brasileira”.
Naquele período, a ex-ministra ressaltou diversas vezes que Matopiba era fruto de decisão governamental arrojada. Mas de acordo com quem pesquisa a dinâmica econômica do capitalismo e seus rebatimentos no país, Matopiba é, antes de tudo, fruto do mercado. “O capital internacional selecionou Matopiba primeiro, depois o Estado brasileiro reconheceu. Na época do Prodecer foi o contrário: o Estado desenhou a estratégia e depois o empresariado chegou”, compara Daniela Egger, professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz). “Institucionalizar o Matopiba foi a grande resposta do Estado brasileiro ao capital. É quando o Estado reconhece que esse negócio está acontecendo e diz que também quer participar. Com Matopiba, o Brasil mais uma vez garantiu: ‘estamos abertos; temos água, temos terra e temos leis favoráveis’”, analisa a geógrafa.
O capital
Mas o que estava acontecendo no mundo para que investidores estrangeiros começassem a prestar tanta atenção nessa região do cerrado brasileiro? A resposta dos pesquisadores é a crise econômica mundial de 2008. Isso porque a saída clássica do capitalismo para crises é a expansão territorial. “Vivemos hoje essa corrida mundial por terras. Ou seja, o capital expande seu domínio sobre novas áreas, abrindo novas fronteiras num processo de acumulação por espoliação que significa, entre outras coisas, uma violenta apropriação e expropriação dos recursos naturais, terras e territórios, dando origem ao avanço das fronteiras agrícolas, das fronteiras da mineração, das fronteiras energéticas”, explica Daniela, acrescentando que vir para o Brasil foi, inclusive, recomendação do Banco Mundial. Um relatório da instituição de 2007 afirmava que o país combinava em alto grau disponibilidade de terras e água.
Mas a corrida por terras não foi impulsionada unicamente pela vontade de produzir nelas. Um estudo da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos lançado em 2015 demonstra que os investidores chegam em busca de altos rendimentos e enxergam na terra agricultável um ativo financeiro. “De acordo com essa lógica, um ‘bom’ investimento financeiro deve consistir em se comprar terras a preços baixos e vender por preços altos, realizando os maiores lucros possíveis”, resume Fábio Pitta, um dos autores da pesquisa. Doutor em Geografia Econômica pela Universidade de São Paulo (USP), ele explica que na virada do milênio os investidores estavam interessados em especular com ações das empresas de tecnologia. Quando a bolha estourou, em 2001, eles migraram para o mercado imobiliário dos Estados Unidos e para o mercado de commodities, dando início ao que ficou conhecido como superciclo. Essas duas bolhas estouraram também. “Apesar da queda no preço das commodities é a subida do preço da terra que move diversas empresas a investirem neste ativo, independentemente da produção agrícola”, diz. As principais áreas de interesse dos especuladores são terras com potencial para o monocultivo extensivo. E uma generosa quantidade delas está hoje no Matopiba.
Isso leva a cirandas financeiras nada óbvias para leigos. A pesquisa da Rede Social se debruça sobre o caso de um fundo de pensão privado criado para gerir as economias de professores universitários dos Estados Unidos que especula com as terras no Matopiba e outras regiões do Brasil. Com um capital de aproximadamente 866 bilhões de dólares, o TIAA-CREF (Teachers Insurance and Annuity Association – College Retirement Equities Fund) investe em tudo que prometa bom retorno. Mas ele não faz isso diretamente e, sim, cria empresas (holdings) com a finalidade de administrar diferentes tipos de aplicações financeiras por meio da participação em outras empresas. No caso em questão, o TIAA-CREF criou uma holding; a holding criou uma empresa brasileira de capital estrangeiro; essa empresa se associou em 2008 a uma grande empresa brasileira do setor do açúcar e etanol (Cosan) para criar a Radar S/A cujo negócio é especular com o preço de terras.
A associação com a Cosan é importante para burlar as regras atuais de compra de terras por estrangeiros no país. Desde 2010, a Advocacia Geral da União (AGU) colocou novos limites para a aquisição de terra por pessoa jurídica estrangeira e pessoa jurídica brasileira com maior parte do capital social detida por estrangeiros. A flexibilização dessa regra é  uma das principais pautas da bancada ruralista. Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 4.059/12 que pretende abrir essa porteira.
Então, apesar de o grosso do dinheiro para criar a Radar ter vindo do fundo americano, é a empresa brasileira que administra o negócio. Portanto, as terras estão sob seu controle. Em 2009, a empresa administrava 62 mil hectares de terras em 34 propriedades. Em 2012, eram 151 mil hectares num total de 392 fazendas, 182 delas compradas naquele ano. Segundo os dados da pesquisa, a empresa começou investindo 400 milhões de dólares e terminou 2012 com um patrimônio de 1 bilhão de dólares. Outro exemplo do efeito inflacionário dado pelos pesquisadores: em 2010 a Radar comprou uma fazenda na Bahia pagando R$ 3.170 por hectare. Hoje, esse hectare vale R$ 13.910.
Outros fundos e empresas estrangeiras atuam no Matopiba e muita gente dedica suas pesquisas a mapeá-las. Mas não é fácil, já que esse capital internacional opera de maneira complexa criando empresas, que criam empresas, e assim em diante, num labirinto tortuoso. Por tudo isso, os pesquisadores garantem que se a questão agrária no Brasil já era um barril de pólvora devido à grilagem, na medida em que os donos da terra deixam de ser os coronéis conhecidos para se transformarem em capitais opacos, a situação tende a complicar. “Os donos da terra não têm nenhuma relação com ela, a gente nem sabe quem são. A joint venture não tem rosto, o fundo de pensão não tem rosto. Antes eram os latifundiários brasileiros, agora são também os latifundiários estrangeiros. E quem tinha que acessar a terra no Brasil nunca acessou. Do ponto de vista da luta, chegar nos latifundiários estrangeiros vai ser impossível. Eles são intocáveis. Os conflitos tendem a se acirrar”, acredita Daniela Egger.
Manifestação em Palmas realizada durante Assembleia dos Povos Indígenas em junho de 2016 – Foto: Helen Lopes / CPT
As lutas
“Quem defende a luta ‘fia’, uma hora tá vivo, uma hora tá morto”, ensina Maria do Socorro, liderança do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), que reúne mais de 300 mil mulheres no Pará, Maranhão, Tocantins e Piauí. Elas vivem em assentamentos, quilombos, dentre outros territórios, e tiram seu sustento do extrativismo em terras comuns. “O babaçu é uma coisa tão delicada… Ele mesmo aglomera as pessoas, ajunta as mulheres, faz aquela cantarola para quebrar aqueles cocos. É bonito todo mundo junto. Por isso se chama comunidade. As quebradeiras defendem o babaçu porque precisam dele. A comunidade se une para produzir, para comercializar, para defender”, explica. Ela conta como a corrida por terras vem impactando suas vidas. “Era empresa chegando e devorando área de preservação ambiental dos babaçus, e fazendo plantio de eucalipto, soja, teca… E a gente na defesa e na luta. Os grandes projetos chegando, o número de empresas cada dia aumentando. Agora estourou. É estrangeiro para todo lado. A gente ficou sabendo que a Kátia Abreu foi vender essa ideia fora do Brasil e crismou esse nome: Matopiba”, conta ela.
“Às vezes a gente acorda com dois, quatro tratores dentro das áreas de gerais, que chamamos de ‘fechos’. E temos que entrar na frente, fazer o necessário para impedir a derrubada do cerrado. Com o Matopiba aumentou a ação de pistoleiros que entram nas comunidades para amedrontar e expulsar as famílias. A grilagem aumentou, a violência no campo aumentou, a tranquilidade das comunidades se perdeu”, lamenta Eldo Barreto, membro da Associação Comunitária do Fecho Clemente, localizado no município de Correntina.  As comunidades de fundo e fecho de pasto são tradicionais da Bahia. São chamados ‘fundos’ as áreas de solta de animais localizadas na caatinga, enquanto os ‘fechos’ estão no cerrado e sempre foram vistos por essas comunidades como espaços de uso comum. É de lá que as famílias tiram parte fundamental da sua subsistência. “Além da solta, o cerrado nos dá frutos nativos e plantas medicinais, é nossa área de lazer. É a vida da gente”, resume Eldo.
Mas é exatamente nos ‘gerais’, em cima dos chapadões, onde de 1970 para cá se instalou o agronegócio. “Não existe expansão de fronteira agrícola sem grilagem de terras. Não existe Matopiba sem grilagem. Isso por uma razão muito simples: toda propriedade no Brasil tem origem pública”, diz Mauricio Correa, da Associação dos Advogados dos Trabalhadores Rurais (AATR) da Bahia. Se chama ‘grilagem’ o processo de fraude documental e apropriação física de terras públicas. Para um título ser verdadeiro, a cadeia dominial – uma cruza de biografia com certidão de nascimento do imóvel – precisa voltar ao momento em que o Estado vendeu a terra ou, mais raro, provar que aquela terra é uma sesmaria (porções doadas pelos reis de Portugal a certas famílias). “Se a cadeia sucessória não fecha a terra pertence ao Estado, são as chamadas terras devolutas”, ensina ele, completando: “Com o documento fraudado no cartório em mãos, o grileiro precisa tomar posse desses territórios, que não estão vazios. Isso vai se dando aos poucos, são situações que envolvem pistolagem, grupos de extermínio, incêndios criminosos, destruição de casas e roças. A apropriação territorial com violência foi o principal meio utilizado para a formação dos grandes latifúndios”.
Mauricio explica que a omissão dos governos em identificar essas terras contribui para o avanço da grilagem e, consequentemente, para o acirramento dos conflitos. “A Constituição Federal estabeleceu um prazo de cinco anos, a partir de 1989, para que os estados fizessem essa varredura. Na Bahia existe uma clara omissão do órgão responsável, que é a Coordenação de Desenvolvimento Agrário, em realizar a identificação e a discriminação dessas terras. Isso porque a Constituição diz que as terras públicas devem ser prioritariamente destinadas à reforma agrária, à regularização fundiária dos posseiros e à criação de reservas ambientais. Então não interessa ao estado mexer nesse vespeiro porque se fizesse uma ação discriminatória de terras públicas séria concluiria que a maior parte dos títulos de terra que estão hoje em poder das empresas não são válidos. E essas terras teriam de ser arrecadadas pelo estado e redistribuídas”, afirma o advogado.
A desigualdade fundiária no país é fonte inesgotável de conflitos não só porque alguns não têm um chão onde plantar, mas principalmente porque essa falta é, antes de tudo, fruto de uma violência em que o mais poderoso expulsa da terra o mais vulnerável. “Fomos enfrentando… O grileiro em cima dizendo que era para nós sair que a terra era dele. E nós dizendo que não saía, nossos avós, nossos pais era nascido e criado lá, por que era que nós ia sair? Nós não tinha lugar para ir, nós tinha que ficar ali. Aí eles juntaram um bocado de jagunço assim afora e levaram lá para atacar nós”, conta dona Maria Zuleide, moradora do Assentamento Rio Preto, em Bom Jesus no Piauí. Em maio de 2008, 17 famílias, incluindo a dela, sentiram na pele a cobiça pelas terras no cerrado piauiense: “Nós estava na roça colhendo. Chegaram lá esses grileiros, chegaram com os tratores, passaram por cima das nossas casas derrubando tudo o que nós tinha dentro. E as crianças chorando, e eles só passando o trator por riba. Tocaram fogo nas roupa, nos documento. Deram um tapa na minha cara, eu estava com um neném no braço. Outro tapa acertou, quebrou a clavícula do neném”. Depois de quatro anos dormindo em lonas e vivendo da ajuda de sindicatos rurais e da CPT, quatro mil hectares foram desapropriados pelo Incra em 2012 e as famílias voltaram ao território de onde foram expulsas para reconstruir tudo do zero. Mas episódios de violência como esse se tornam cada vez mais comuns na região.
“Naquele tempo era um caso específico, hoje a coisa está alastrada. Ano passado [2015] a gente conseguiu detectar dois conflitos agrários. Esse ano já passamos de 15. Por isso que eu digo: o sul do Piauí está se tornando o sul do Pará”, sentencia Altamiran Ribeiro, agente da CPT piauiense. Ele conta que por lá, depois de ocupar os chapadões planos, as empresas começam a se interessar pelos ‘baixões’. Essas áreas, embaixo das chapadas, são normalmente brejos férteis onde as famílias vivem. Como o novo Código Florestal prevê que 20% da propriedade rural precisa ter a vegetação nativa preservada, as empresas – que com seus monocultivos desmatam 100% – têm se apropriado dos baixões como área de reserva legal dos imóveis. Essa dinâmica acontece em todo o Matopiba. “Por gerações temos vivido com o que a natureza nos oferece. Não desmatamos, não achamos que para viver bem precisamos derrubar o cerrado. Pelo contrário”, diz, por sua vez, Eldo, esclarecendo porque nesses lugares a vegetação nativa está de pé. Altamiran conta que as empresas também têm interesse na água disponível nesses vales alagados.
“Nós nunca seremos o sul do Pará”, rebate o vice-presidente da Aprosoja, que tem fazenda justamente em Bom Jesus. Para Moysés Barjud casos de grilagem como o que expulsou dona Zuleide da terra são “situações pontuais”. “São aquelas ovelhas negras que eu chamo de falso produtor rural”, diz, completando: “Eu sou desprovido de ideologias, eu gosto das coisas de forma técnica. Considero o Piauí um modelo em termos de convivência do agronegócio com a agricultura familiar”. Ao contrário, ele define como “ideológica” e “política” a luta por terra, por reforma agrária. “A pauta principal é distribuir terra, não é distribuir capacidade de viver da terra. O que isso acarretou? Isso fez com que produtores rurais, vendo a possibilidade de colocar reserva legal em outro local, para otimizar o aproveitamento da sua área, chegar naquele produtor rural ribeirinho e dizer: ‘olha, você quer me vender a sua terra?’ E ele fazer as contas e dizer: ‘olha, eu vou vender, porque eu não estou mais conseguindo viver dessa quantidade de gado, porque eu não sei como corrigir solo, eu não sei como explorar isso ou aquilo’. Porque ele vinha de uma agricultura ou de uma pecuária tradicional que se tornou inviável”, sustenta.
As comunidades relatam que está mesmo difícil viver, mas que isso tem a ver não com as tradições, mas com esse tal “desenvolvimento” ensejado pela nova dinâmica chapada-baixão estabelecida pelo agronegócio. É que a praga que chega para comer a soja ou outras culturas exógenas ao cerrado são combatidas pelos empresários com muito agrotóxico. Mas todo esse veneno não mata, só espanta a praga para outros lugares. “Toda vida que nós trabalha na roça com a enxadinha… Planta feijão, mandioca, arroz, milho, fava, cabaça, abóbora. Agora eles jogam o veneno lá em cima e aquelas pragas descem com tudo. O ano passado, colhemos um saquinho de arroz. Nem mandioca, nem feijão, nem abóbora: a praga comeu tudo”, lamenta dona Zuleide. Com isso, a soberania alimentar das populações fica ameaçada. “Antes da [Usina Hidrelétrica de] Estreito sair, você chegava na feira domingo em Babaçulândia [TO], Carolina [MA], e encontrava milho verde, feijão, frango, peixe de qualidade, barato. Hoje não existe mais. Agora a água está em poder do empreendedor. Agora é obrigado migrar para a cidade e comprar frango da Sadia, que a Globo vende e ainda fala que o agro é tudo”, critica Antonio Apinajé, liderança indígena do Bico do Papagaio, no Tocantins, se referindo a outro tipo de impacto, causado por grandes empreendimentos.
Para entender os conflitos no Matopiba também é necessário olhar para todos os projetos de infraestrutura do governo brasileiro. São portos, grandes terminais de estocagem, ferrovias, rodovias, hidrovias, usinas e centrais hidrelétricas que garantem as condições para que a produção em larga escala seja escoada para fora do país. Quase sempre para o outro lado do mundo, na China. “O Brasil é o maior exportador de soja do mundo. E a China o maior consumidor. E tudo indica que continuará sendo assim: em 2025, a previsão é que a participação brasileira cresça de 42% para 46%, enquanto os Estados Unidos, segundo maior exportador, irá dos atuais 40% para 33%”, diz Gerardo Vega, da ActionAid Brasil.
Em seu curto segundo mandato, Dilma Rousseff teve tempo de entregar ao menos uma grande obra do Matopiba: o Terminal de Grãos do Maranhão (Tegram), localizado no Porto de Itaqui.  Na cerimônia de inauguração, a ex-presidente citou uma série de empreendimentos do governo para dinamizar o chamado ‘arco norte’, um corredor de exportação pensado para desafogar portos no Sul e Sudeste do país, que incluem a ampliação da ferrovia Norte-Sul, a construção das ferrovias Transnordestina e Oeste-Leste, obras que vão viabilizar a navegação de cargas pelos rios Araguaia e Tocantins, dentre outras. Em 2012, a ex-presidente já havia inaugurado a Hidrelétrica de Estreito na divisa entre Maranhão e Tocantins, feita com recursos do PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento.
Essas megaobras, diz Gerardo Vega, mostram a sinergia entre agronegócio, mineração e Estado. “O Estado foi e continua sendo fundamental na moldagem das condições para a expansão do agronegócio no cerrado, seja através de políticas de financiamento, assessoria técnica, extensão rural, pesquisa agropecuária, estruturação de projetos, políticas de zoneamento, infraestrutura de escoamento, energia, logística de todo tipo. Não é possível pensar a expansão das novas fronteiras agrícolas, pecuárias ou de mineração sem a participação estatal”, afirma o pesquisador. Ele defende que esses empreendimentos sejam analisados sempre em conjunto. “Os impactos são sinérgicos, vão se acumulando no tempo, se somam”.
E é isso que preocupa Fátima Barros, da Associação Nacional de Quilombos. “Estamos na linha do impacto da Usina Hidrelétrica de Marabá (no rio Tocantins) e da hidrovia Araguaia-Tocantins, dois grandes empreendimentos que surgem para servir à produção do Matopiba. Na ilha de São Vicente [no município de Araguatins] provavelmente 100% do território será alagado quando a barragem da usina for construída. Esse projeto foi aprovado sem uma audiência pública para as comunidades quilombolas. É uma bomba-relógio: a gente só vai ver quando chegar o impacto”, diz. Ela acrescenta que o boom dos empreendimentos na região é acompanhado pela demora na titulação de quilombos. O relatório técnico de identificação e delimitação da ilha foi publicado em março de 2015 pelo Incra. Mas até hoje não foi regularizado. “A ilha de São Vicente é terra da União, a SPU [Secretaria de Patrimônio da União] e o Incra poderiam titular rápido. Mas enquanto esses relatórios e regularizações são cada vez mais negligenciados e cercados por morosidade, os megaprojetos são acelerados e tem recursos públicos à vontade”, cri-
tica Fátima.
Além das obras e da omissão em relação à grilagem, as comunidades denunciam que o Estado atua em prol do agronegócio criando dificuldades ou mesmo paralisando os procedimentos legais de acesso à terra. No Piauí, por exemplo, a nova lei de regularização fundiária (6.709/15) não reconhece o direito de posse por moradia e propõe titular individualmente os pequenos produtores. Entidades defendem que a titulação deve ser coletiva, pois o modelo individual – defendido pelo Banco Mundial – facilita a pressão das empresas sobre as famílias para que elas vendam as propriedades. “A expropriação fica regularizada”, afirma Altamiran.
Na Bahia a constituição estadual garantiu o direito à regularização fundiária para as comunidades de fundo e fecho de pasto. “A lei estadual 12.910 de 2013 em tese viria reforçar esse direito, mas até pelos interesses empresarias envolvidos, o governo impôs que se as comunidades não se reconhecerem até 2018 elas perdem o direito à regularização do território. Esse artigo vai de encontro à Convenção 169 da OIT [Organização Internacional do Trabalho] e à própria Constituição Federal, que nos artigos 215 e 216 garante os direitos dos povos e comunidades tradicionais ao seu território e aos seus modos de vida”, diz Mauricio, lembrando que existem muitas comunidades de fundo e fecho de pasto que simplesmente desconhecem a existência da legislação. E mesmo as comunidades que já se reconheceram encontram dificuldades. O advogado afirma que nenhum fecho foi titulado ainda, contra 114 fundos de pastos titulados: “Justamente em razão da pressão fundiária que as empresas exercem no cerrado”, destaca.
Para quem fica e luta pelo território, o avanço do agronegócio no Matopiba cria circunstâncias perversas. Uma das grandes promessas do agronegócio, oferta de empregos, muitas vezes se resume à catação de raízes e tocos no período em que a fazenda está sendo formada. O desmate é feito com a técnica do correntão (proibida em todo o país, com a exceção de Mato Grosso) que consiste em amarrar uma enorme corrente em dois tratores que, andando emparelhados, vão arrastando tudo o que há pela frente. “E os camponeses recebem por esse serviço um valor irrisório, centavos por alqueire. Não é um salário. São condições análogas à escravidão”, diz Altamiran, arrematando: “Por tudo isso, a gente está tentando articular as comunidades para enfrentar conjuntamente, dar visibilidade ao que está acontecendo porque enquanto ficar abafado vai ser a barbárie”.
A terra
A Campanha Nacional em Defesa do Cerrado foi lançada em agosto de 2016 justamente para abrir um canal de diálogo com a sociedade sobre o que vem acontecendo com as populações e o meio ambiente no Matopiba e em todo o cerrado. O bioma ocupa cerca de 25% do território nacional, se estendendo por 204 milhões de hectares. Inclui o Distrito Federal e os estados de Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Tocantins, sul do Maranhão, oeste da Bahia, sul do Piauí e parte de São Paulo. O cerrado abriga nada menos do que 30% das espécies de plantas e animais do país, o que corresponde a 5% de todo o planeta e é considerado tão importante quanto a Amazônia. Mas, diferente da Amazônia, o desmatamento no cerrado parece não mobilizar a opinião pública.
“Quem demarcou essa área, quem decidiu que se chama Matopiba e que é a última fronteira? Simples: nós não temos como aumentar a fronteira agrícola para a Amazônia porque nós temos a floresta e nós decidimos que não queremos desmatar. Para o lado direito temos o Nordeste que é uma área com dificuldades de produção, por inviabilidade geológica e econômica. Por isso essas áreas de cerrado foram deslocadas do Nordeste e juntadas ao Matopiba porque é onde tem condições de produção. Se nós já desenvolvemos o Sul, o Sudeste, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul – e o desenvolvimento vai subindo sempre do Sul para o Norte – então agora nós paramos no Matopiba por dificuldade e por opção”, explicitou Kátia Abreu em um discurso no Senado feito em outubro.
“O cerrado foi sistematicamente propagandeado como um bioma degradado, deserto, desabitado. Como consequência, metade da vegetação original já foi eliminada”, diz Isolete Wichinieski, que coordena pela CPT a Campanha, que tem divulgado que todos os anos, cerca de 2,2 milhões de hectares de cerrado são desmatados e alertado que, a esse ritmo, o bioma pode ser extinto em 2030. A recuperação da vegetação do cerrado também não é simples. Isso porque o bioma tem mais de 45 milhões de anos. Para se ter uma ideia, a Amazônia tem três mil anos. “É um bioma que chegou ao seu auge evolutivo. Se ele for degradado, dificilmente se recupera totalmente”, diz Isolete.
Informações de consultorias privadas respaldam a preocupação com a preservação do cerrado. Com o objetivo de mapear as áreas com maior “aptidão” para a plantação de grãos, essas pesquisas demonstram a rápida deterioração do bioma na nova fronteira agrícola. Segundo a Agrosatélite, o desmatamento cresceu 61% entre 2000 e 2014 no Matopiba, enquanto nos outros estados com cerrado – já amplamente devastados – caiu em 64% o ritmo do desmate. Já dados da consultoria Agroícone mostram que a área dedicada ao cultivo de soja no Matopiba aumentou 253% entre 2000 e 2014, saltando de 1 milhão para 3,4 milhões.
A Embrapa tem números diferentes. Segundo a empresa, 12% dos cerrados brasileiros são de áreas protegidas. No Matopiba, são 17%. Nessa conta entram 42 unidades de conservação e 28 terras indígenas. Estudos de sensoriamento remoto sobre o desmatamento da região, entre 2002 e 2010, mostraram que grande parte da expansão da agricultura ocorreu em locais previamente desmatados, garante a Embrapa. Já segundo o estudo da Agroícone, o monocultivo da soja se espalhou sobretudo em áreas de vegetação nativa no Maranhão e no Piauí.
A Campanha pretende brigar pela instituição da moratória do cerrado, um pacto contra o desmatamento para coibir o avanço dos monocultivos e também pela aprovação da PEC 504/2010 que inclui o cerrado e a caatinga entre os biomas considerados patrimônio nacional. “Mas o carro-chefe da campanha é a água. O cerrado é o berço das águas e, por isso, nosso lema é ‘sem cerrado, sem água, sem vida’”, diz Isolete.
A água
Um efeito direto da agricultura mecanizada é a compactação do solo, que dificulta a penetração da água para o subterrâneo. A baixa no volume causa o desaparecimento de rios, riachos e brejos. Com solos permeáveis e geologicamente antigos, os ecossistemas de chapadas funcionam como uma esponja que absorve e distribui água. É no cerrado que estão os três aquíferos-Guarani, Urucuia e Bambuí – que abastecem boa parte do país. “Aquífero é como um grande mar embaixo da terra, uma formação geológica que acumula a água que infiltra”, explica Isolete. As águas subterrâneas do cerrado voltam à superfície na forma de rios que abastecem algumas das bacias hidrográficas mais importantes do país, como Amazonas, São Francisco, Paraguai e Araguaia-Tocantins, além do Pantanal. “Em 2030 o planeta vai ter 10 bilhões de habitantes. E nós teremos disponível 40% a menos de água do que hoje. O Brasil detém 12% de toda a água doce do mundo, então a gente já começa a perceber porque o capital internacional está muito interessado no cerrado. A água vai ser o ouro dos próximos séculos”, acredita ela.
O agronegócio é o maior consumidor de água no Brasil hoje. Segundo dados da Agência Nacional das Águas, em 2015, a irrigação de plantações consumiu 75% desses recursos. A criação animal levou outros 9%, mais do que a indústria, e quase o mesmo que o consumo humano urbano e rural (10%). A irrigação é uma solução tecnológica recomendada pela Embrapa. Mas também é um dos métodos mais controversos do agronegócio. Um caso vem chamando atenção no oeste da Bahia, de novo em Correntina. Lá, o empreendimento de algodão, milho, feijão e criação de gado da empresa Sudotex requisitou permissão para abrir 17 poços de alta vazão que captam água do aquífero Urucuia. Assim que abertos, a água sobe a metros de distância, graças à pressão, uma cena que lembra os poços de petróleo.
O Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) do estado autorizou em maio de 2016 a empresa a captar 58 milhões de litros por dia, o que dá mais de 1 trilhão de litros por mês. O empreendimento usa o método da irrigação por pivô central na plantação. “É o método que mais consome – e mais desperdiça – água”, diz o advogado da AATR Mauricio Correa, que acompanha o caso que vem gerando revolta na cidade. A reação veio da Associação Ambientalista Corrente Verde que entrou com uma ação civil pública pedindo a suspensão da captação e a anulação das outorgas de água para o empreendimento dadas pelo Inema. A preocupação da entidade é que mais outorgas como essa sejam liberadas para outras fazendas da região. A liminar autorizando a suspensão foi dada em julho pela Justiça de Correntina.
Segundo Mauricio, nos últimos 15 anos, tem havido um aumento exponencial do uso de irrigação por pivôs centrais justamente nas áreas do chapadão próximas à divisa de Goiás, principal área de recarga do aquífero Urucuia e onde nascem os rios. “Estudos indicam que 80% da água do rio São Francisco vem do oeste da Bahia e do norte de Minas Gerais. Então toda essa água está sendo retirada diretamente do São Francisco ou de seus afluentes”, diz, lembrando que o reservatório de Sobradinho chegou a 6% de sua capacidade em novembro, o que ameaça o abastecimento de água para milhões de pessoas e rebobina o filme da crise hídrica que atingiu São Paulo em 2014.
Os próprios fazendeiros têm relatado que a cada ano precisam cavar mais fundo para encontrar água. As comunidades, por sua vez, relatam a diminuição da vazão dos rios e estão fazendo medições para tentar comprovar isso.  “Os dois principais rios do oeste são o Corrente e o Grande. E nesses dois rios não existe mais espaço para outorga d’água”, diz o advogado. Isso porque cada rio tem uma capacidade total que pode ser outorgada. Ultrapassar esse limite pode comprometer a vazão, alterando o curso do rio. Nessa conta, entram os fazendeiros, as cidades, todo mundo. “E esse limite já está esgotado há bastante tempo. Não é mais possível fazer outorga d’água. Inclusive não há nem plano de bacia. Essas outorgas, na nossa visão, são todas ilegais. O Inema não pensa dessa forma”, critica ele. O órgão ambiental recorreu da suspensão. O Tribunal de Justiça acatou o recurso do Inema, autorizando a captação subterrânea no dia 3 de novembro. Os argumentos usados pelo Inema e repetidos na decisão judicial são econômicos: sem água, a empresa poderia suspender a operação. Agora, os moradores de Correntina colhem assinaturas para integrar uma petição pública que suspenda novamente as outorgas. “Para nós o agro não é tudo. O cerrado é tudo. Nossa água é tudo”, sentencia Antonio Apinajé, resumindo o sentido da luta.
O fim?
Mas justamente quando a resistência ao Matopiba começa a ganhar musculatura em diversas entidades e movimentos sociais, as idas e vindas da conjuntura política descortinam um cenário de incertezas. As dúvidas sobre se Matopiba chegou ou não ao fim ganharam força quando o Departamento de Desenvolvimento Agropecuário para essa região, criado em março pela ex-ministra Kátia Abreu, foi extinto em 19 de outubro por decreto presidencial. “Infelizmente o Mapa [Ministério da Pecuária e Agricultura] achou por bem desmanchar o departamento criado para atender essa última região de fronteira agrícola do país. Mas o Matopiba não depende mais da vontade de um governador, um governo federal, um ministério. O Matopiba é uma realidade que não volta mais atrás. Os empresários decidiram que o Matopiba é o lugar: é a última fronteira agrícola do país”, reagiu ela, no mesmo dia, do púlpito do plenário do Senado.
Em 16 de novembro, uma audiência pública, também no Senado, discutiu Matopiba. Lá, o representante do Ministério da Agricultura, Eduardo Mazzoleni, garantiu que o governo estava dando prosseguimento ao Plano de Desenvolvimento Agropecuário do projeto. “Estamos na etapa de elaboração do Plano, definindo cadeias produtivas e ações prioritárias para posteriormente fazer a publicação”, disse.  A posição oficial da pasta, contudo, parece não ser essa. Procurado pela Poli, o Mapa respondeu através da sua assessoria de imprensa que Matopiba seria descontinuado por falta de recursos. Ainda de acordo com a assessoria, o Mapa “está trabalhando” por todos os estados igualmente por meio do Plano Agrícola e Pecuário que disponibiliza linhas de crédito rural para produtores de todo o Brasil. O Mapa não deu mais detalhes sobre a decisão, tampouco enviou informações sobre os recursos já investidos no Matopiba a tempo do fechamento desta reportagem. Mas como a própria Kátia Abreu deixa claro, a despeito do apoio formal do governo federal, Matopiba é uma fronteira agrícola ‘definida’ pelo mercado.
“O Matopiba tinha uma ligação muito clara com a Kátia Abreu, que capitaneou todas as negociações com o capital privado, fechou acordos para investimentos naquela área com o Japão, por exemplo, vendeu o projeto para investidores árabes. Matopiba era a vitrine dela. Ela saiu, entrou o Blairo Maggi, e eles são de grupos opostos. O agronegócio não é um bloco homogêneo. Como em todos os setores econômicos, existe disputa entre os diversos grupos. Cada um quer dar a sua marca na gestão. Mas ambos são ruralistas e querem o avanço do agronegócio”, analisa Karina Kato, pesquisadora do Observatório de Políticas Públicas para a Agricultura (OPPA). Moysés Barjud reforça essa leitura: “O Matopiba se tornou político. Houve um erro, nesse sentido, lá na sua criação, e agora a gente paga o preço. Tudo aquilo que era para ter sido técnico e ter avançado por algum motivo ficou no meio do caminho”, analisa ele, continuando: “Nós entendemos que, ao invés de abandonar o projeto, o atual ministro deva corrigir os erros que a ministra anterior cometeu”.
De acordo com Karina, o recuo do governo federal não significa necessariamente uma paralisação nos investimentos no Matopiba: “Pelo contrário. E nem significa que não vai ter o apoio do Estado no avanço desses investimentos. O que aconteceu foi uma desinstitucionalização, você deixou de ter no Ministério da Agricultura uma estrutura que controla ou tenta articular esses investimentos privados nacionais e internacionais. O que pode até acelerar o processo, porque você deixa a dinâmica toda na mão da iniciativa privada”.
Mas será que o recuo do papel do governo federal no Matopiba terá repercussão para própria resistência e organização das comunidades e povos afetados pelo avanço da fronteira agrícola? Para Karina, tampouco a luta contra Matopiba deve ficar refém do seu maior ou menor grau de institucionalização: “Para quem está no território o decreto não faz tanta diferença. Muitos nem sabem o que é o Matopiba. Mas eles vivem o Matopiba porque vêem o avanço da fronteira produtiva, sabem que o preço da terra está num processo acelerado de valorização, estão em contato com cada vez mais empresas entrando nos territórios, são expulsos ou acompanham expulsões de famílias de posseiros que não têm o título da terra. E trabalham em situação análoga à escravidão fazendo a limpeza do terreno para a formação dessas enormes fazendas. Tudo isso eles sentem na pele”. Às claras, em plena vitrine do governo federal, ou opaco, restrito às páginas especializadas dos jornais, com o nome de Matopiba ou sem nome algum, a certeza dos povos e comunidades tradicionais é uma só: o agronegócio avança sobre seus territórios, está batendo à sua porta.
Imagem: A região geoeconômica abarca 337 municípios, se estende por 73 milhões de hectares e atravessa diversos territórios ocupados por populações tradicionais e camponesas- Foto: Ilustração Artur Monteiro.