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Homem simples e comum: procuro ser gentil com as pessoas, amigo dos meus amigos e bondoso com a minha família. Sou apaixonado por filmes, internet, livros, futebol e música. Estou tentando sempre equilibrar corpo e mente, manter-me informado das notícias a nível mundial, ministrar aulas de geografia em paralelo às pesquisas acadêmicas que desenvolvo e, no meio de tudo isso, tento achar tempo para o lazer e o namoro. Profissionalmente,sou geógrafo e professor de Geografia no Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Instituto Federal do Maranhão (IFMA ­ Campus Avançado Porto Franco) e Doutorando em Geografia Humana na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Membro do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA) e do Núcleo de Estudos do Pensamento Socialista Pesquisa do Sindicalismo (NEPS), ambos da UFMA. Participo da Rede Justiça nos Trilhos.

quarta-feira, 28 de junho de 2017

Atingidos pela Samarco/Vale-BHP protestam em frente à Fundação Renova


Por Fernanda Couzemenco, Século Diário
Pescadores, agricultores, comerciantes e ribeirinhos de Povoação e Regência, na Foz do Rio Doce, em Linhares (norte do Estado), realizaram nesta segunda-feira (26) uma caminhada pelas ruas do município, que culminou com um protesto em frente ao escritório da Fundação Renova, para exigir direitos mínimos como impactados pelo crime da Samarco/Vale-BHP.
“Acabaram com o Rio Doce, com o mar e com a Lagoa Monsarás. Acabaram com o turismo. E não querem reconhecer o crime que cometeram”, denuncia Jocenilson Cirilo Mendonça, presidente da Associação de Moradores de Povoação.
Os manifestantes foram recebidos por representantes da Fundação Renova e do Programa de Indenização Imediata (PIM) da empresa, porém, somente receberam como resposta uma promessa de reunião dentro de uma semana. “Eles fazem reunião, mas parece que só brincam com a gente”, reclamou o líder comunitário, lembrando as várias reuniões já promovidas pela empresa e sua Fundação, sem nenhum resultado prático em benefício dos impactados.
De fato, apenas uma parte dos moradores de algumas comunidades atingidas foram cadastradas e estão recebendo o auxílio emergencial e aptos para receberam as indenizações por danos materiais e financeiros gerados pela incapacidade de trabalhar após o crime, no dia cinco de novembro de 2015.
E, mesmo após o reconhecimento, pelo Comitê Interfederativo, de mais de uma dezena de outras comunidades, ao norte e ao sul da Foz do Rio Doce, igualmente impactadas pela lama de rejeitos de minério, a Renova e a Samarco/Vale-BHP simplesmente se negam a obedecer e seguem sem qualquer medida efetiva de atendimento às vítimas do maior crime ambiental do país.
Na manifestação desta segunda, os representantes da Renova e do PIM receberam um documento com as reivindicações urgentes das comunidades, que envolvem a revisão dos cadastros negados, tendo como base os registros do Programa de Saúde da Família (PSF) de 2014 e 2015; laudo da qualidade da água do mar em toda a região atingida, com divulgação em rede nacional; e início do pagamento das indenizações, pelo PIM, em no máximo 30 dias.
Sobre esta última exigência, foi anunciado que, caso os pagamentos não comecem até o dia 26 de julho próximo, novos protestos irão acontecer, desta vez, com fechamento de ferrovias, com objetivo de impedir as atividades produtivas das empresas criminosas.
“A gente não sabe mais onde ir. Já procuramos o Ministério Público, a Defensoria Pública, o jornal, a televisão, a Assembleia Legislativa. Agora, só manifestação, não tem outra opção”, lamenta Jocenilson.
A vida da comunidade, que sempre foi frágil economicamente e precária estruturalmente, atingiu um estado gravíssimo, com a destruição do rio, do mar, do turismo e da pesca, além do impacto emocional, psicológico e cultural que o crime teve sobre os moradores. “Temos aqui ao lado duas indústrias que não geram emprego. Nem estrada temos, só passa de trator. São mais de 3,5 mil habitantes que foram impactados. As pessoas não têm paz, estão sem rumo”, desabafa.
Imagem: Facebook/Eliana Dadalto

terça-feira, 20 de junho de 2017

Comunidades quilombolas se reúnem com MPE/MA para discutir atuação do COMEFC

quilombo
O consórcio tenta mediar recursos da mineradora Vale S.A. e as comunidades, mas não há consulta pública e nem transparência na prestação de contas
Por Lidiane Ferraz, no Justiça nos Trilhos
Foi realizada na manhã do dia 17 de junho de 2017, no território quilombola de Santa Rosa dos Pretos, em Itapecuru-Mirim, uma reunião entre sociedade civil e Ministério Público do Maranhão (MPE/MA) para discutir a atuação do Consórcio dos Corredores Multimodais do Maranhão (COMEFC) nos territórios quilombolas de Santa Rosa dos Pretos e Monge Belo. Desde 2013, quando foi criado, o consórcio vem se colocando como o mediador da mineradora Vale S.A. e as comunidades afetadas pela empresa no que se refere ao repasse das verbas de compensação da Vale. Participaram da reunião mais de 50 pessoas, representando 19 comunidades quilombolas. Também participaram do encontro grupos de estudos da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), entidades de defesa dos Direitos Humanos e Povos Tradicionais, além de jornalistas e advogados.
Após denúncias de desvios de verbas de comunidades quilombolas de Itapecuru-Mirim, durante a gestão do ex-prefeito Magno Amorim, o Ministério Público, representado pelo promotor de Justiça Benedito Coroba, atuando em substituição pela 2ª Promotoria de Justiça da Cidadania de Itapecuru-Mirim, ouviu as comunidades e encaminhará as denúncias feitas sobre a falta de fiscalização do COMEFC, que criou as condições para o desvio de mais de R$ 3 milhões destinados à construção de escolas, unidades básicas de saúde e projetos de geração de emprego e renda. Além do desvio de verbas, foram apontadas a não conclusão de obras, construção de poços em locais diferentes da destinação original, entre outras irregularidades que provocaram a propositura de ação de Improbidade Administrativa pelo Ministério Público Estadual em tramite na comarca de Itapecuru-Mirim
A notícia recente da possível liberação de R$ 57 milhões de fundos públicos, oriunda do processo de privatização da empresa Vale S.A. em 1997, preocupa as comunidades. O recurso, que poderia ser gerenciado apenas pelo governo do Estado, poderá ser administrado pelo consórcio. A decisão foi acordada em reunião realizada no Rio de Janeiro em 17 de março desse ano, entre o governo do Estado, prefeitos consorciados ao COMEFC e o BNDES. Assim, as comunidades apresentaram ao Ministério Público seu total repúdio a tal decisão do Estado, uma vez que o COMEFC, em sua atuação em Itapecuru-Mirim, demonstrou incompetência para fiscalizar e regular a aplicação de recursos nas comunidades quilombolas.
Além disso, foi colocado ao representante do MP-MA a ausência de prestação de contas do COMEFC perante a sociedade civil – que já buscou informações públicas junto ao consórcio e prefeituras consorciadas, mas sem sucesso – e também perante o Tribunal de Contas do Estado (TCE), que desde a criação do consórcio em 2013 não registrou nenhuma prestação de contas. O COMEFC é um consórcio público de direito público, e por isso é obrigado por lei a prestar contas de sua atuação aos órgãos de fiscalização, como o TCE.
Durante a reunião, foi criado o Conselho Quilombola para fazer o controle social do COMEFC e a redação de uma carta de repúdio ao COMEFC. Foi feito também o pedido de uma audiência pública com Flávio Dino, governador do Estado; Rodrigo Lago, Secretário Estadual de Transparência e Controle; Gerson Pinheiro de Souza, Secretário Estadual de Igualdade Racial; e Pedro Celestino, representante da Fundação Cultural Palmares no Maranhão.
Nota: a Carta de Repúdio pode ser lida e assinada AQUI.
Foto de João Zinclar

quarta-feira, 14 de junho de 2017

Madeireiros se reúnem e ameaçam invadir aldeia Pyhcop Catiji Gavião (MA) a qualquer momento

Por Assessoria de Comunicação – Cimi
Integrantes da Guarda Florestal Indígena do povo Pyhcop Catiji Gavião, da aldeia Rubiácea, bloquearam nesta terça-feira, 13, uma estrada aberta por madeireiros utilizada para a retirada ilegal de madeira da Terra Indígena Governador, no sudoeste do Maranhão. Um integrante do bando criminoso forçou a passagem e o conflito se estabeleceu, ainda sem notícia oficial de feridos. Desde então, em represália, os madeireiros passaram a se concentrar e ameaçam invadir a aldeia Rubiácea a qualquer momento.
“As mulheres e as crianças estão deixando a aldeia, indo pra outras. Estamos nós aqui prontos pra resistir, mas não queremos violência e já comunicamos as autoridades competentes que até o momento não enviaram a força policial para não permitir invasão. Sabemos que eles são bem armados”, declara Cyycy Gavião. O indígena explica que os Gavião têm feitos apreensões constantes de madeira, por conta própria, porque o governo federal não toma providências. O revide dos madeireiros, portanto, acontece na habitual impunidade a este tipo de crime contra o patrimônio.   
Conforme o missionário indigenista Gilderlan Rodrigues, integrante do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Maranhão, “o clima é tenso. Os indígenas temem que um novo conflito aconteça se nada for feito pelos órgãos responsáveis”. O município de Amarante é a principal sede utilizada pelos madeireiros para a entrega a serrarias, e outras empresas do ramo, das árvores derrubadas no interior da terra indígena. Na cidade também se concentram e atuam em rede, na medida em que várias regiões do território Gavião são alvo de invasões e devastações criminosas.
No mês de março deste ano, os indígenas José Caneta Gavião e Sônia Cacau Gavião foram assassinados em Amarante atropelados por um caminhão madeireiro – motorista e veículo foram identificados pelos indígenas por conta da presença de ambos em constantes ações da Guarda Florestal. Este foi o terceiro atropelamento com morte de indígenas Gavião provocados por caminhões madeireiros em menos de um ano. Os Gavião atribuem a represálias por suas ações contra madeireiros. Na Terra Indígena Governador, demarcada com quase 42 mil hectares, vivem ainda grupos Tenetehar/Guajajara.
“Os madeireiros dizem que se a gente continuar tentando impedir a retirada da madeira vamos sofrer consequências ruins. Difícil enfrentar: são pessoas que andam armadas, e a gente não”, afirma Marcelo Gavião. Fazendeiros também ameaçam. De acordo com a denúncia protocolada junto ao Ministério Público Federal (MPF), um deles é Aerton Ferraz, vulgo “Gaúcho”, ocupante da terra indígena. A Guarda Florestal acabou sendo formada em 2015 justamente para o povo ter mais condições de enfrentar as violentas represálias madeireiras.   
Em 2011, conforme dados da Fundação Nacional do Índio (Funai), das 20 áreas mais desmatadas no país, cinco estavam no Maranhão. Já em 2013, madeireiros cortaram a energia da Aldeia Nova e colocaram armadilhas na estrada que leva à aldeia. Os Gavião não se intimidaram. Durante ações de fiscalização, apreenderam caminhões e um trator. Na noite do dia 21 de abril de 2016, o indígena Joel Gavião Krenyê, liderança do povo, morreu em um suposto acidente, onde apenas o veículo em que o indígena estava permaneceu no local. Embora a justificativa oficial para a morte seja a de que Joel se envolveu em um acidente automobilístico, a perícia não foi realizada. Os indígenas defendem que se tratou de um atentado contra Joel.
Demarcação
A Terra Indígena Governador está registrada – quando o processo de demarcação se conclui após a homologação – com 41.644 hectares. No entanto, os Gavião reivindicam uma outra área que foi colocada de fora neste primeiro procedimento administrativo – realizado antes de Constituição de 1988. Esta segunda demarcação já possui um relatório de identificação e delimitação, mas a Funai não o publicou.
“Então o procedimento encontra-se paralisado mesmo com o relatório pronto. As informações que nos chegam é que existe uma uma pressão contra a Funai para que não seja publicado. Enquanto isso as invasões não cessam. A ausência da publicação possibilita ainda a organização dos fazendeiros contra o processo”, afirma Gilderlan Rodrigues, do Cimi.

quinta-feira, 1 de junho de 2017

Neoliberalismo, projeto político: entrevista com David Harvey


David Harvey* provoca: cada fase do capitalismo gera uma forma de resistência que a espelha. Por isso, distintas gerações da esquerda não deveriam se estranhar
Entrevista a por Bjarke Skærlund Risager, na Jacobin | Tradução: Inês Castilho – Outras Palavras
Autor de numerosas outras obras, o geógrafo britânico David Harvey publicou em 2005 o livro Uma Breve História do Neoliberalismo [1], que marcou época pela análise desse novo modo de dominação capitalista. A entrevista que reproduzimos aqui foi realizada pela Jacobin.
Um excerto de sua Breve História do Neoliberalismo, portanto do Estado neoliberal, pode ser lido em Contretemps. Podemos igualmente consultar este artigo [em francês] de Razmi Keucheyan, que lembra a trajetória e originalidade intelectual do geógrafo marxista estadunidense.
Neoliberalismo é um termo maciçamente utilizado em nossos dias. Mas aquilo que as pessoas projetam nele é bastante turvo. Em seu uso mais sistemático, ele se refere a uma teoria, uma paleta de ideias, uma estratégia política ou um período histórico. Você poderia começar dando sua interpretação de neoliberalismo?
Sempre disse que o neoliberalismo era um projeto político lançado pela classe capitalista quando ela se sentiu muito ameaçada, política e economicamente, do fim dos anos 1960 até os anos 1970. Eles queriam desesperadamente apresentar um projeto político que reduzisse a força da classe operária.
A classe capitalista ficou então verdadeiramente com medo e se perguntou o que fazer. Ela não era onisciente, mas sabia que havia um certo número de frentes nas quais devia lutar: o front ideológico, o front político e acima de tudo a necessidade de reduzir por todos os meios possíveis o poder da classe trabalhadora. É a partir de lá que emergiu o projeto político que chamarei de neoliberalismo.
Poderia nos dizer um pouco mais a propósito dos fronts político e ideológico, assim como os ataques contra o mundo do trabalho?
No front ideológico, isso consistia em seguir o conselho de um cara chamado Lewis Powell, que havia escrito um memorando dizendo que as coisas haviam ido longe demais e que o capital precisava de um projeto coletivo. Essa nota ajudou a mobilizar a Câmara de Comércio e a Távola Redonda dos negócios. As idéias tinham então sua importância. Essa gente pensava que era impossível organizar as universidades porque elas eram muito progressistas; e o movimento estudantil, forte demais. De repente, eles montaram todos esses grupos de reflexão, think tanks como o Instituto Manhattan, as fundações Ohlin ou Heritage. Esses grupos levaram adiante as idéias de Friedrich Hayek, de Milton Friedman e da economia da oferta.
O plano era que esses think tanks fizessem pesquisas sérias […] que seriam publicadas de maneira independente, influenciariam a imprensa e fariam pouco a pouco o cerco das universidades. Esse processo tomou um tempo. Penso que eles estão agora num ponto em que não têm mais necessidade de coisas como a fundação Heritage. As universidades foram amplamente penetradas pelos projetos neoliberais que as cercam.
No que diz respeito ao trabalho, o desafio consistia em tornar competitivo o custo do trabalho local em relação ao custo do trabalho globalizado. Uma solução teria sido demandar mão de obra imigrante. Nos anos 1960, por exemplo, os alemães apelaram aos turcos, os franceses aos magrebinos e os ingleses aos trabalhadores originários de suas antigas colônias. Mas isso havia criado muito descontentamento e agitação social.
Desta vez, os capitalistas escolheram outra via: exportar o capital de onde havia uma força de trabalho mais cara. Mas para que a globalização funcionasse, era preciso reduzir as tarifas e reforçar o capital financeiro, pois esta é a forma de capital mais móvel. O capital financeiro e o fato de tornar as moedas flutuantes tornaram-se essenciais para conter a classe operária. Ao mesmo tempo, os projetos de privatização e de desregulação criaram desemprego. Portanto, desemprego no interior do país e deslocalizações para fora, assim como um terceiro componente, as mudanças tecnológicas, a desindustrialização por meio da automação e da robotização. Esta foi a estratégia para triturar a classe operária.
Depois da publicação, em 2005, da Breve história do neoliberalismo, muito foi escrito sobre esse conceito. Parece haver principalmente dois campos: os pesquisadores que estão mais interessados na história intelectual do neoliberalismo e as pessoas que são sobretudo preocupadas com o “neoliberalismo realmente existente”. Onde você se situa?
Existe uma tendência nas ciências sociais, à qual eu tento resistir, que consiste em procurar uma fórmula mágica para explicar um fenômeno. Há assim uma série de pessoas dizendo que o neoliberalismo é uma ideologia e que escrevem uma história idealizada sobre ela. Um exemplo é o conceito de Foucault de “governabilidade” [designando uma presumível racionalidade própria à função de governar – nota do tradutor] que vê tendências neoliberais já presentes no século XVIII. Mas se vocês tomam o neoliberalismo unicamente como uma ideia ou um pacote de práticas limitadas de “governabilidade”, encontrarão numerosos precursores.
O que falta aqui é a maneira como a classe capitalista desenvolveu seus esforços durante os anos 1970 e o início dos anos 1980. Penso que é justo dizer que nessa época, ao menos no mundo anglo-saxão, ela se unificou de modo suficiente. Os capitalistas se colocaram de acordo sobre muitas coisas, como a necessidade de forças políticas que realmente os representem.
Esse período caracteriza-se por uma grande ofensiva em várias frentes, ideológicas e políticas, e a única maneira de explicá-la é reconhecer o alto nível de solidariedade da classe capitalista. O capital reorganizou seu poder numa tentativa desesperada de reencontrar sua prosperidade econômica e sua influência, que havia sido seriamente enfraquecido do fim dos anos 1960 até os anos 1970.
Houve várias crises desde 2007. Como o conceito e a história do neoliberalismo podem nos ajudar a compreendê-las?
Houve muito poucas crises econômicas entre 1945 e 1973. Nesse período, atravessamos problemas sérios mas não grandes crises. A virada para as políticas neoliberais operou-se no decorrer dos anos 1970 no quadro de uma crise severa, e todo o sistema sofreu depois uma série de outras crise. Bem entendido, estas produzem, a cada vez, todas as condições para crises futuras.
Entre 1982 e 1985, houve também a crise da dívida no México, no Brasil, no Equador e, no fundo, de todos os países em desenvolvimento, inclusive a Polônia. Em 1987-1988, vimos nos Estados Unidos uma grande crise de empresas de poupança e empréstimo; depois uma enorme crise em 1990 na Suécia, onde todos os bancos tiveram de ser nacionalizados; e por certo a Indonésia e o Sudeste asiático em 1997-1998, antes que a crise se espalhasse para a Rússia e depois para o Brasil e a Argentina em 2001-2002. Houve enfim problemas nos Estados Unidos em 2001, que foram tirando dinheiro na Bolsa de Valores para injetar no mercado imobiliário. Em 2007-2008, o mercado imobiliário implodiu, e isso foi uma grande crise. Você pode olhar um mapa do mundo e visualizar as crises percorrendo o planeta.
O conceito de neoliberalismo é útil para compreender esses fenômenos. Uma das grandes mudanças do neoliberalismo, em 1982, foi livrar o Banco Mundial e o FMI todos seus keynesianos. Eles foram substituídos por teóricos neoclássicos da oferta e a primeira coisa que estes decidiram é que doravante o FMI seguiria, em face de todas as crises, uma política de ajuste estrutural.
Em 1982, o México viveu uma crise da dívida. O FMI disse “nós vamos salvá-los”. De fato, eles salvaram os bancos de investimento novaiorquinos e impuseram políticas de austeridade. Como resultado das políticas de ajuste estrutural do FMI, a população mexicana sofreu uma perda de poder de compra da ordem de 25% nos quatro anos que se seguiram a 1982. Depois, o México sofreu quatro outros ajustes estruturais. Numerosos países conheceram mais de um. Essa prática tornou-se clássica.
O que fazem hoje na Grécia? É quase uma cópia do que fizeram no México em 1982. E é também o que se passou nos Estados Unidos em 2007-2008. Eles resgataram os bancos e fizeram a população pagar a conta através das políticas de austeridade.
Haverá qualquer coisa, nas crises recentes e no modo como elas foram geradas pelas classes dirigentes, que o faria hoje rever sua teoria do neoliberalismo?
Bem, não creio que a solidariedade da classe capitalista seja hoje o que era então. Em nível geopolítico, os Estados Unidos não estão mais na posição de conduzir a dança como faziam nos anos 1970.
Penso que assistimos a uma regionalização das estruturas globais de poder no seio do sistema dos Estados, com hegemonias regionais como a da Alemanha na Europa, do Brasil na América Latina ou da China no Leste da Ásia. Evidentemente, os Estados Unidos conservam uma posição dominante, mas os tempos mudaram. Trump pode comparecer ao G20 e dizer “devemos fazer isso”, e Angela Merkel lhe responder “não o faremos”, o que era inimaginável nos anos 1970. A situação geopolítica está, portanto, regionalizada, e há mais autonomia. Penso que é em parte um resultado do fim da guerra fria. Países como a Alemanha não dependem mais da proteção dos Estados Unidos.
Aliás, isso que chamamos “a nova classe capitalista” de Bill Gates, da Amazon e do Vale do Silício têm uma política que difere da dos gigantes tradicionais do petróleo e da energia. O resultado é que cada um tenta seguir seu próprio caminho, o que leva a conflitos entre por exemplo a energia e as finanças, a energia e o Vale do Silício etc. Existem sérias divergências sobre temas tais como as mudanças climáticas, por exemplo.
Um outro aspecto que me parece crucial é que o impulso neoliberal dos anos 1970 não foi imposto sem fortes resistências. Houve importantes reações da classe trabalhadora, dos partidos comunistas na Europa etc. Mas eu diria que ao final dos anos 1980 a batalha havia sido perdida. E como a classe trabalhadora não tem mais o poder de que dispunha àquela época, a solidariedade no seio da classe dirigente não é mais também necessária. Não há mais uma séria ameaça vindo de baixo. A classe dirigente se vira muito bem e não tem muita coisa a mudar.
Se a classe capitalista se arranja bem, em contrapartida o capitalismo vai bastante mal. As taxas de lucro se recuperaram, mas as taxas de reinvestimento são extremamente baixas. Por isso, um monte de dinheiro não retorna para a produção mas é dedicado à conquista de terras ou à compra de ativos.
Falemos um pouco mais das resistências. Em seu trabalho, você insiste no fato, aparentemente paradoxal, de que a ofensiva neoliberal se desenvolveu paralelamente a um declínio na luta de classes, pelo menos no Norte, em favor de “novos movimentos sociais” pela liberdade individual. Poderia explicar como o neoliberalismo gerou certas formas de resistência?
Aqui está uma questão a meditar: o que faz com que cada modo de produção dominante, com sua configuração politica particular, crie um modo de oposição que se constitui em seu reflexo? À época da organização fordista da produção, o reflexo era um movimento sindical centralizado e partidos políticos baseados no centralismo democrático. À época neoliberal, a organização da produção para uma acumulação flexível produziu uma esquerda que é também, na verdade, seu reflexo: trabalho em redes decentralizadas, não hierarquizados. Penso que é muito interessante. E até certo ponto, o reflexo do espelho valida o que tentava destruir. O movimento sindical, assim, sustentou o fordismo.
Penso que neste momento muita gente à esquerda, sendo muitos autônomos e anarquistas, reforçam na verdade o neoliberalismo em seu jogo final. Muita gente de esquerda não quer saber dessa afirmação. Mas a pergunta que se coloca é, evidentemente: haverá um meio de se organizar que não seja no espelho do neoliberalismo? Podemos quebrar esse espelho e organizar qualquer outra coisa, que não jogue o jogo do neoliberalismo?
A resistência ao neoliberalismo pode assumir diversas formas. No meu trabalho, ressalto o fato de que o lugar de realização do valor é também um ponto de tensão. O valor é produzido no processo do trabalho, e é um aspecto muito importante da luta de classes. Mas o valor se realiza no mercado através da venda, e uma boa parte da política tem aí seu lugar. Uma grande parte da resistência à acumulação do capital se exprime não somente no lugar de produção, mas também através do consumo, na esfera da realização do valor.
Tome a indústria de automóveis: grandes fábricas podiam antes empregar cerca de 25 mil pessoas, e hoje empregam 5 mil porque a tecnologia reduziu a necessidade de trabalhadores. O trabalho encontra-se assim cada vez mais deslocado da esfera da produção para a esfera da vida na cidade. O principal centro de insatisfação, no quadro das dinâmicas capitalistas, desloca-se para a esfera de realização do valor, para as políticas que têm impacto na vida cotidiana na cidade. Os trabalhadores evidentemente preocupam-se com um monte de coisas. Se nos encontramos em Shenzhen, na China, as lutas no quadro do processo de trabalho são dominantes. E nos Estados Unidos teríamos apoiado a greve de Verizon [2] por exemplo.
Mas em vários pontos, o que domina são as lutas em torno da qualidade da vida cotidiana. Vejam as grandes lutas dos dez a quinze últimos anos. Um conflito como o do Parque Gezi, em Istambul, não foi uma luta trabalhista. O descontentamento tinha a ver com a política cotidiana, a falta de democracia e o modo de tomar decisões. Nos levantes ocorridos das cidades brasileiras, em 2013, foram também os problemas da vida cotidiana os detonadores: os transportes e as despesas suntuosas para a construção de grandes estádios em detrimento de escolas, hospitais e moradias acessíveis. Os levantes a que assistimos em Londres, em Paris ou em Estocolmo não estavam ligados ao processo de trabalho, mas à vida cotidiana.
Nesse terreno, a política é muito diferente daquela que é implementada no local de produção. Na produção, o conflito opõe claramente o capital ao trabalho. As lutas pela qualidade de vida são menos claras em termos de configuração de classe. As políticas claramente de classe, que procedem em geral de uma compreensão do processo de produção, tornam-se teoricamente mais vagas à medida que se tornam mais concretas. Elas expressam uma disputa entre classes, mas não no sentido convencional.
Você acha que se fala demais de neoliberalismo e não o suficiente de capitalismo? Quando é mais apropriado usar um ou outro desses termos, e quais são os riscos de confundi-las?
Muitos liberais clássicos dizem que o neoliberalismo foi longe demais em termos de desigualdade de renda, que todas essas privatizações foram longe demais e que há numerosos bens comuns a proteger, como o meio ambiente. Há também modos de falar do capitalismo, como quando falamos de uma economia de partilha, que na verdade acaba por ser extremamente capitalista e exploradora.
Há a noção de capitalismo ético, que significa apenas ser razoavelmente honesto ao invés de roubar. Algumas pessoas pensam que é possível uma reforma da ordem neoliberal em direção a uma outra forma de capitalismo. Penso que talvez haja uma forma de capitalismo melhor que essa que existe hoje – mas não tão melhor. Os problemas fundamentais tornaram-se agora tão profundos que, sem um vasto movimento anticapitalista, será de fato impossível chegar até eles. Gostaria então de colocar as questões atuais em termos de anticapitalismo, em vez de antineoliberalismo. E quando ouço as pessoas falarem sobre neoliberalismo, me parece que o perigo é acreditar que não é o próprio capitalismo, de uma forma ou de outra, que está em questão.
Notas
[1] Publicado pela Oxford University Press. https://www.amazon.com.br/Brief-History-Neoliberalism-David-Harvey/dp/0199283273
[2] Sete semanas de greve nessa gigante das telecomunicações possibilitaram obter 10,5% de aumento de salários em três anos para 36 mil assalariados e a contratação de 1.400 pessoas até 2019.
*Professor inglês de geografia e antropologia na Universidade da Cidade de Nova York (CUNY).