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Homem simples e comum: procuro ser gentil com as pessoas, amigo dos meus amigos e bondoso com a minha família. Sou apaixonado por filmes, internet, livros, futebol e música. Estou tentando sempre equilibrar corpo e mente, manter-me informado das notícias a nível mundial, ministrar aulas de geografia em paralelo às pesquisas acadêmicas que desenvolvo e, no meio de tudo isso, tento achar tempo para o lazer e o namoro. Profissionalmente,sou geógrafo e professor de Geografia no Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Instituto Federal do Maranhão (IFMA ­ Campus Avançado Porto Franco) e Doutorando em Geografia Humana na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Membro do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA) e do Núcleo de Estudos do Pensamento Socialista Pesquisa do Sindicalismo (NEPS), ambos da UFMA. Participo da Rede Justiça nos Trilhos.

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Após dois anos da tragédia do Rio Doce, dossiê é apresentado na ONU

Organizações se reúnem em Genebra para debater acordo que responsabiliza transnacionais por violações de direitos
Júlia Dolce, Brasil de Fato
Um dossiê audiovisual sobre a tragédia da bacia do Rio Doce, produzido por meio de uma cooperação entre movimentos populares brasileiros, foi apresentado nesta segunda-feira (23), durante a discussão de um novo Tratado Vinculante sobre Empresas Transnacionais e Direitos Humanos, no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU), em Genebra (Suíça).
O rompimento da barragem de Fundão, na cidade de Mariana (MG), da mineradora Samarco (joint venture entre a Vale e a anglo-australiana BHP Billiton) completa dois anos no dia 5 de novembro deste ano. O documento apresentado será utilizado como um exemplo de violação de direitos humanos e ambientais por meio de corporações.
Representantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), da Articulação Internacional de Atingidos e Atingidas pela Vale da Rede Católica de Organizações pelo Desenvolvimento (CIDSE), uma das organizações internacionais que financiaram a produção do dossiê, foram responsáveis por sua apresentação.
De acordo com Stefan Reinhold, Secretário-Geral da CIDSE, o caso da Bacia do Rio Doce chamou a atenção da organização por ser a maior catástrofe ambiental da história brasileira.
“Nós acreditamos que isso é uma tragédia, mas também exemplifica a forma como corporações mineradoras, na sua estrutura, são capazes de violar direitos ambientais e humanos”, afirmou.
Segundo Reinhold, uma das principais expectativas da reunião é prevenir que crimes como o da Bacia do Rio Doce voltem a acontecer. “Nós não podemos voltar para o passado, mas o objetivo é principalmente usarmos Mariana [MG] como um exemplo da violação estrutural de direitos humanos que as companhias transnacionais, nesse caso a Samarco, a BHP Billiton, e a Vale, cometem. E então temos esperança que, nos próximos anos, esse tratado poderia ajudar vítimas de abuso de direitos humanos, e, no caso de Mariana, que as vítimas possam ir para uma corte internacional para clamar remediações pelas violações”, pontuou.
Para Thomas Bauer, fotógrafo da Comissão Pastoral da Terra (CPT) que percorreu o Rio Doce no final de 2016 para produzir o dossiê, o documento ajuda a fazer com que a tragédia não caia no esquecimento.
“Mostra a gravidade da situação. Até agora praticamente nada foi reparado. Os atingidos não conseguiram melhorar sua situação diante do que acontece, e muitos perderam tudo. Mesmo com essa situação, e várias outras no mundo, não existe nenhum tratado internacional que assegure a proteção dos direitos humanos dessas pessoas, diante dos crimes cometidos pelas transnacionais”, disse.
O rompimento da barragem do Fundão completa dois anos no próximo dia 5 de novembro. O dossiê completo sobre a tragédia está disponível online.

terça-feira, 24 de outubro de 2017

Nos tribunais, os Xikrin estão vencendo a Vale

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Xikrin do Cateté paralisam a produção de níquel no Pará e aguardam indenização por danos causados pela operação da mina de Onça Puma; laudo aponta contaminação do rio que é o centro da vida nas aldeias
por Naira Hofmeister, para a Agência Pública
Os índios Xikrin, do sudeste do Pará, estão vencendo a poderosa mineradora Vale S.A. em uma batalha que se desenrola há anos na Justiça brasileira. Apenas nas instâncias superiores, em Brasília, a Vale já foi derrotada quatro vezes pelos Xikrin e os juízes também derrubaram um recurso do governo do Pará em favor da mineradora.
A Vale S.A. é acusada pelos Xikrin de contaminar com metais pesados o rio Cateté, que atravessa a terra indígena e é o centro da vida comunitária dessa população.
A terra dos Xikrin é uma ilha verde em meio à pastagem em que foi transformada a Floresta Amazônica na região e está cercada por todos os lados pela mineração: são 14 operações da Vale no entorno. Salobo, Sossego, S11D e a mina Ferro Carajás são algumas delas, mas a briga que os Xikrin estão ganhando é contra o empreendimento Onça Puma, que extrai níquel das serras de Onça e de Puma e beneficia o minério em uma usina que fica a apenas 6 quilômetros da Terra Indígena.
A decisão mais recente da Justiça, tomada na primeira quinzena de setembro, ordena o fechamento temporário da operação até que seja esclarecida a responsabilidade da Vale S.A. na contaminação do rio Cateté.
O processo foi aberto em 2011 pelo Ministério Público Federal (MPF), baseado nas queixas dos índios, que sentiam coceira na pele e ardência nos olhos ao mergulharem no rio – o único na terra indígena a manter vazão razoável mesmo durante o período de seca. Só em 2015, porém, a partir de um laudo elaborado pelo engenheiro Reginaldo Sabóia de Paiva, da Universidade Federal do Pará (UFPA), a ação avançou.
A análise da água do Cateté – feita a pedido do Ministério Público – apontou a presença de ferro, cobre, níquel e cromo em teores acima das quantidades admitidas para este tipo de curso d’água, representando “risco para a saúde humana, tanto no que tange sua utilização para assepsia ou banhos quanto para retirada de alimentos”. Também foram encontrados óxidos metálicos pesados nos sedimentos do rio: cobre, níquel, cromo e zircônio, “este último, metal raro de transição, indica que a poluição não é natural e sim causada por atividade de desencapsulamento desses metais, denotando que existe uma fonte poluidora potencializada”.
O professor Sabóia mediu os níveis de metais pesados em três pontos do rio Cateté: as amostras coletadas em locais anteriores à Onça Puma não estavam contaminadas. “A causa da degradação do rio é antrópica e, pela posição dos pontos analisados, a indicação é de que esta degradação está sendo causada pela mineradora”, concluiu o engenheiro. E acrescenta: “Por mais que a empreendedora esteja tratando seus efluentes residuários, não está sendo suficiente para manter o rio em condições ambientalmente saudáveis. As análises antes e depois do empreendimento mostram claramente que as atividades de extração da mineradora Onça Puma alteraram as qualidades naturais do Rio Cateté”, diz o laudo.
Mineradora Onça Puma em atividade, apesar da determinação da justiça que determinou a paralisação das atividades do empreendimento (Foto: José Cícero da Silva/Agência Pública)
A contaminação do Cateté com metais pesados é admitida até pela Vale. Em sua defesa, a companhia alega que a presença das substâncias em níveis anormais na água que banha a terra dos Xikrin ou é oriunda de fazendas e de garimpos ilegais instalados na região ou é resultado de “causas naturais”.
Questionada pela Pública, a Vale manteve os argumentos utilizados nas ações judiciais. Em nota enviada como resposta a uma série de perguntas enviadas pela reportagem, a mineradora declarou: “A Vale cumpre a Lei. A empresa não utiliza quaisquer dos elementos identificados pelo MPF como causadores de poluição das águas do rio Cateté. Todos os laudos apresentados comprovam isso e a Vale mostrará na Justiça”.
A decisão de outubro de 2017 não foi a primeira a determinar a paralisação de Onça Puma. Já há uma pequena coleção delas, em uma sequência que começou em agosto de 2015 – alguns meses depois a Vale seria impactada pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, Minas Gerais, no que entrou para a história como o maior desastre ambiental brasileiro.
A partir do laudo da UFPA, juízes e desembargadores vem adotando o princípio da precaução como justificativa para paralisar as atividades da mina mesmo sem a conclusão definitiva do processo. Assim se pronunciou o então Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot sobre o caso, em novembro de 2015: “Ainda que tais conclusões possam vir a ser desfeitas, não cabe, no estreito limite da contracautela, desprezar a existência de tais dados”.
A volta por cima de um povo quase extinto
O clima acirrado e tenso dos tribunais reverbera entre os Xikrin, que não escondem a desconfiança diante da chegada de desconhecidos. “Quem mandou vocês aqui?” perguntavam diariamente à equipe de reportagem da Pública, que permaneceu uma semana nas aldeias. As mulheres são ainda mais bravas e acusam qualquer “kuben” (branco) recém-chegado de ser espião da Vale.
A mineração da Vale não é a primeira ameaça que enfrentam; os Xicrin sempre sofreram com a invasão de madeireiros, gateiros (caçadores de pele de onça), castanheiros e fazendeiros. No passado, quando eram senhores de um amplo território entre os rios Araguaia e Tocantins, o contato com não-indígenas trouxe epidemias que por pouco não exterminam a tribo: sarampo, varicela e catapora reduziram a população a exatos 92 indivíduos. Atualmente, eles já ultrapassaram a marca de 1200 habitantes, divididos nas aldeias Djudje-kô, Kateté, as maiores, e a recentemente criada O-odjã, com pouco mais de 200 moradores.
Hoje os índios se empenham em preservar e resgatar suas raízes culturais; nas aldeias não se fala português – nem no culto evangélico.  No meio dos professores “kuben” da escola, Bemoro, um indígena de 40 e poucos anos, tenta sistematizar uma gramática da língua nativa, do tronco macro-Jê. Um dos capítulos do livro, por enquanto rascunhado em um caderno, é “Mẽ kaben mari kadji ã piok” ou “O papel de aprendiz de língua”. Na linha seguinte, está a anotação “A-mebengôkre kaben na mex kumrex” (“Xikrin é uma língua muito bonita”) e uma série de expressões nativas. Também utilizam a tecnologia dos brancos em seu favor; os mesmos celulares usados pelos jovens para baixar os funk mais recentes gravam as vídeo-aulas com os anciãos das aldeias entoando cantos que estavam caindo no esquecimento. “Estamos batalhando para aprender, estamos gravando. Só tem três velhos que ainda sabem algumas danças como o tatucanaje”, explica o ex-cacique Onkray, que recebeu o cetro de seu pai e o repassou no início do ano ao filho.
O velho cacique apontou onde estava o minério
O velho cacique Botxiê não sabe a idade que tem; nasceu numa época em que os Xikrin não registravam os nascimentos. Ele é um dos três velhos conhecedores da cultura e tradição a que o filho Onkray se refere.
Mesmo já “aposentado” como liderança ativa, ele é respeitado como a autoridade máxima da tribo, sua palavra vale como lei. Por isso, mesmo à contragosto, os jovens obedecem à proibição de incluir nas festividades Xikrin números de “hina-hina”, uma dança importada de povos indígenas bolivianos que tem feito sucesso entre os índios do sul da Amazônia brasileira. Entre cantos tradicionais e passos ritmados, a memória do cacique guarda a história dos Xikrin e da retomada de seu território. Ele ainda morava com o pai, fora da área posteriormente demarcada como terra indígena, quando os Xikrin quase foram exterminados: “Pegaram doença, gripe, febre, morreram um bocado de índios, mais de 500”, ele contabiliza. “Aí o velho voltou para cá, não quis morar fora, foi para perto do rio Pukatingré, que depois o branco chamou Cateté”.
Num português precário e com a ajuda de um tradutor, ele rememora as andanças dos índios quando o território não tinha os limites da atual terra indígena, definidos pelo governo no final dos anos 70. Dessa época, Botxiê lembra das expedições com os técnicos da INCA Ltda, a empresa canadense que descobriu os depósitos de níquel hoje extraídos por Onça Puma. “Nós levamos eles lá onde tinha minério; esse minério está na nossa terra”, reivindica.
Botxiê não deixa de ter razão: no ato de demarcação, um canetaço do governo militar retirou uma área de 13 mil hectares no lado oeste da reserva indígena, justamente a parcela onde está a serra de Puma, hoje explorada pela Vale. A descoberta da jazida de níquel se dera poucos anos antes.
“Ficou uma linha seca, reta, de 32 quilômetros, que não corresponde à realidade em termos de ocupação tribal e tampouco aos limites que haviam sido aceitos em Brasília”, denuncia, em documentos, a antrópologa Lux Vidal, que participou do processo demarcatório e trabalha com os Xikrin desde o fim da década de 60.
Os índios também perderam uma importante área de caça e pesca, além das cabeceiras de dois rios que correm em direção ao Cateté e são a principal preocupação dos índios com as atividades da mineradora. O declive natural da serra facilita o escoamento de resíduos da atividade que são facilmente carregados para o Cateté. Para piorar a situação, é no encontro das duas serras que está a aldeia dos mortos dos Xikrin, o cemitério da etnia. Justamente onde a Vale extrai o níquel de Onça Puma.
Um licenciamento enviesado
A Vale tinha pleno conhecimento das implicações culturais da exploração de níquel em Onça Puma. Elas constavam de um extenso relatório elaborado por antropólogos a pedido da companhia para medir o impacto do empreendimento na comunidade vizinha. Lá também estava escrito que havia “grande preocupação e sensação de vulnerabilidade dos indígenas em relação aos impactos reais e potenciais do empreendimento sobre o rio Cateté”.
Entre várias outras condições para autorizar o empreendimento, o Estado do Pará exigia um parecer da Funai (a Fundação Nacional do Índio) sobre a influência do empreendimento na população indígena da região e a aprovação de um plano de mitigação de impactos sobre o meio ambiente que deveria ser colocado em prática já na aprovação da licença prévia, em 2004. Foi nesse contexto que foi produzido relatório, enviado para Brasília, para ser analisado pela Funai, conforme combinado, mas o órgão só devolveu suas conclusões cinco anos depois, quando Onça Puma já estava em pleno funcionamento.
Desde então todas as licenças emitidas mantêm a condição de que a empresa apresente o plano de compensação ambiental, incluindo a questão indígena no rol de obrigações mitigatórias do empreendimento. A própria Secretaria de Meio Ambiente do Pará, responsável pelo licenciamento, admite a irregularidade: a renovação da licença de operação, em abril de 2010, traz a anotação de que a Vale teria 120 dias para apresentar as conclusões da Funai, que seguiam sem ter sido devidamente incluídas no processo administrativo.
Esse é o principal argumento do Ministério Público Federal para a tese de que o empreendimento está operando de forma ilegal, sem cumprir condicionantes ambientais e contando com a anuência do Governo do Estado.
“Ainda hoje o empreendedor opera normalmente sem atender as condicionantes previstas nas licenças ambientais, otimizando os lucros em detrimento dos interesses indígenas. Só a empresa Vale ganha!”, insurgiu-se o procurador da República André Casagrande Raupp, na peça inicial da ação, assinada em maio de 2011.
Onça Puma continua em operação
Foi com a intenção de corrigir o erro no processo administrativo de autorização de funcionamento de Onça Puma que a Justiça decretou seu fechamento temporário pela terceira vez em setembro passado. A ordem é que o empreendimento não pode funcionar “enquanto não cumprir as obrigações da licença ambiental relativas aos indígenas”.
No julgamento, a 5ª turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) considerou que “o bem vida sobrepõe-se aos eventuais prejuízos econômicos decorrentes da paralisação do empreendimento, devendo ser prestigiada a medida que implicar a mitigação dos riscos de perecimento e a subsistência física e cultural das comunidades indígenas”.
Vinte dias depois dessa decisão, já em outubro, constatando que a companhia seguia operando Onça Puma, o desembargador federal Souza Prudente determinou que as portas de acesso ao empreendimento fossem lacradas por oficiais de justiça “utilizando-se, inclusive, de força policial, se necessário for”.
A usina da Vale, porém, segue beneficiando o níquel extraído das serras Xikrin: a companhia argumenta que a operação de lavra do minério é independente do funcionamento da usina de beneficiamento e que a ordem do TRF1 se refere exclusivamente à mineração, não ao processamento do material que dela resulta. “É uma excrescência jurídica”, afirma o advogado dos Xikrin, José Diogo de Oliveira Lima.
A mineradora também está condenada a pagar uma indenização aos indígenas. Estipulada em 2015, hoje alcançaria os 50 milhões de reais, mas como a Vale recorreu inúmeras vezes, apenas uma parte do valor total foi efetivamente entregue aos indígenas. Uma parcela da indenização será empregada pelos Xikrin em estudos para a recuperação do rio Cateté e eles já firmaram um convênio com a Universidade Federal do Pará com este intuito.

terça-feira, 17 de outubro de 2017

General Etchegoyen diz que quilombolas de Alcântara são “cooptados por antropólogos estrangeiros”

Áudio divulgado pelo The Intercept Brasil mostra ministro minimizando luta dos maranhenses pelo território: “Ah, não quero sair porque aqui morreu minha vó”
A luta das comunidades quilombolas pelo território foi minimizada pelo general Sérgio Westphalen Etchegoyen. Em fala de quase duas horas no Instituto Rio Branco, no dia 23 de agosto, ele disse – conforme áudio divulgado pelo The Intercept Brasil – que entre os atuais entraves ao “progresso” estão os quilombolas. Em particular os de Alcântara (MA), município brasileiro com 152 comunidades descendentes de quilombos, o maior número do país. E onde está a base brasileira de lançamento de foguetes.
“Algumas comunidades permanecem onde estão e não saem para a expansão do centro de lançamento de Alcântara por razões culturais”, afirmou ele aos futuros diplomatas. “Ah, não quero sair porque aqui morreu minha vó”.
Segundo o Intercept, quem estimula essa resistência são algumas lideranças “cooptadas por antropólogos estrangeiros”, que teriam o objetivo de sabotar o programa espacial brasileiro. “Há 30 anos já se discute isso e não se sai do lugar. E se não chegarmos a uma posição do que é interesse nacional, nós vamos continuar patinando”.
Ethegoyen dissera antes que o Palácio do Planalto  estaria tentando implantar uma “agenda modernizadora”. Entre os empecilhos a essa agenda estaria a própria Constituição: “Nós perdemos a noção de crescimento e passamos a ser uma sociedade de outra natureza, particularmente a partir de 88, a partir da Constituição de 88, que não tem, como prioridade, crescer”.
Nessa perspectiva, simpática ao projeto da ditadura, o chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), sempre de acordo com o áudio divulgado pelo Intercept, afirmou que o Estado democrático brasileiro criou instrumentos que limitaram o desenvolvimento:
– Imaginem se hoje seria possível construir, no Rio de Janeiro, o Cristo Redentor? Quanto é que ia nos custar de discussão no Ibama, com o Ministério Público? Quanto nos custaria fazer uma ponte Rio-Niterói, pra ficar no mesmo tema? O bondinho? Itaipu?
EXPLODE A MORTE DE QUILOMBOLAS NO PAÍS
O número de quilombolas assassinados no Brasil disparou em 2017. Segundo a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), foram 14 homicídios no ano e 8 em 2016. O ano anterior registrara somente um homicídio, assim como em 2011. Entre 2012 e 2014 não houve registro de homicídios em comunidades quilombolas.
Lideranças e especialistas ouvidos pelo ISA associam o aumento da violência ao atual cenário político. Um dos assassinados foi Flávio Gabriel Pacífico dos Santos, o Binho do Quilombo. Ele foi executado com mais de dez tiros em frente de uma escola municipal, no dia 19 de setembro, em Simões Filho (BA). Era uma liderança ativa. Na internet, mantinha uma página sobre a comunidade de Pitanga dos Palmares. Seu penúltimo post foi sobre viagem a Brasília para protestar contra a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3.239/2004, que ameaça a titulação dos territórios quilombolas no Brasil.
Sete dos 14 assassinatos ocorreu em Lençóis (BA), no quilombo de Iúna, entre julho e agosto. O crime provocou uma evasão na comunidade: das 42 famílias de quilombolas que viviam no território, apenas 12 permaneceram.
Quilombolas estão em Alcântara há 300 anos. 

MPF defende reabertura de ação civil pública contra Samarco e Vale

Ação pede medidas para solucionar problemas decorrentes do rompimento da barragem da mineradora Samarco
O Ministério Público Federal (MPF) enviou ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) parecer pela reabertura de ação civil pública que pede a implementação de medidas pela Samarco Mineração e pela Vale para a solução dos problemas decorrentes do rompimento da barragem de rejeitos em Governador Valadares (MG). A ação foi extinta porque a 4ª Vara Cível de Governador Valadares considerou a Associação Valadarense de Defesa do Meio Ambiente ilegítima para propor a ação. 
Segundo o parecer assinado pelo procurador regional da República Zilmar Antônio Drumond, a sentença merece reforma. Para ele, a intervenção da associação está claramente justificada, uma vez que a população da cidade está tomando água possivelmente contaminada, de modo que a proteção do meio ambiente e saúde coletiva é imprescindível.
O MPF defende que o requisito de um ano para constituição da associação deve ser dispensado, estando demonstrada a relevância social do tema, dimensão do dano e relevância jurídica do bem tutelado, pois relacionado ao maior desastre ambiental da história. Ele citou entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no sentido de que há legitimidade de associação que complete um ano de existência no curso do processo, em decorrência da aplicação dos princípios da economia processual e efetividade da jurisdição.
Conforme explica o parecer, também não merece prosperar a alegação de que não há pertinência entre a atuação da associação e o interesse jurídico efetivamente tutelado, eis que ela tem por finalidade institucional a proteção ao meio ambiente. “Se de um lado o magistrado deve exercer o controle de representatividade, buscando evitar abusos, como é o caso de associações que defendem uma aptidão para tutelar qualquer interesse, de outro não se pode cercear o acesso à justiça de legitimados dotados de representatividade e que conhecem os reais interesses da coletividade, sendo aptos a tutelá-los de maneira satisfatória”, diz o procurador.
Na apelação ao TRF1, a associação sustenta que o requisito da pré-constituição poderá ser dispensado no caso de manifesto interesse social evidenciado ou relevância do bem protegido, o que, claramente, seria a hipótese dos autos. Ela também defende que há pertinência temática, uma vez que a proteção ao meio ambiente é sua finalidade precípua e não há pretensão de substituir a atuação do Ministério Público “que, ao contrário, se fez parceiro desde os primeiros passos da associação”.
Medidas
Na ação civil pública, a associação pede que a Samarco e a Vale iniciem obras para captação de água dos mananciais dos rios Suaçuí pequeno e grande, tendo em vista a autorização em caráter emergencial pela Agência Nacional de Águas (ANA), além da captação de água potável no Rio Corrente. Também solicita a perfuração de poços artesianos em pelo menos vinte locais, na região do bairro Santo Agostinho e na lateral do anel rodoviário de Governador Valadares, de modo a servir desde o bairro Santa Rita até o conjunto SIR.
A associação também pede que a Justiça determine a divulgação do resultado das irregularidades apuradas em laudo oficial do MP para imediato conhecimento da população e que a Samarco divulgue nos mesmos órgãos de comunicação a informação de que falseou a verdade quando disse que não há nenhum risco para a saúde humana o uso da água tratada pelo Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE), bem como divulgue também ser falsa a informação de que iniciou anteriormente obras de captação de água nos rios Suaçuí pequeno e grande.
 Ap nº 0025066-04.2016.4.01.3800/MG.

terça-feira, 3 de outubro de 2017

Em denúncia contra agronegócio, 2 mil pessoas ocupam a Transamazônica no Maranhão

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Romaria caminhou pelas ruas da cidade de Balsas, que recebeu também o Encontro Nacional do Cerrado
Rute Pina, Brasil de Fato
Cerca de 2 mil pessoas paralisaram, na manhã deste sábado (30), a rodovia Transamazônica, na altura do município de Balsas, região Sul do estado do Maranhão. A via ficou bloqueada por duas horas, e o ato marcou o início da primeira edição da Romaria Nacional do Cerrado, que reúne representantes de povos de pelo menos nove estados para denunciar os impactos do agronegócio no bioma.
A caminhada teve início às 7h, mas, desde a madrugada, os romeiros se concentravam na Praça da Liberdade, onde ocorreu uma feira de economia solidária e troca de sementes.
Maria Conceição Barbosa da Silva, presidenta do Sindicato das Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais de Sítio Novo, é do extremo norte do estado do Tocantins. Ela levou confecções próprias de tapetes e turbantes para vender. Para ela, a feira da economia solidária foi o espaço de visibilidade da produção camponesa, indígena e de povos tradicionais:
“É uma forma de angariar algum fundo, mas é também um jeito de mostrar e valorizar aquilo que a gente faz”.
No evento, havia frutas, legumes e ervas típicas do cerrado, como o cajuí (um caju menor, que só dá neste bioma), o timbó (planta usada para ajudar a atordoar os peixes e facilitar a pesca), o baru (legume que amadurece nesta época de setembro a novembro) e o jatobá (fruto da árvore de mesmo nome, que nasce em quase todos os biomas brasileiros). Também se vendeu doce de leite, cachaça, plantas e raízes medicinais, artesanatos e outros produtos.
Por volta das 23h, os romeiros acenderam tochas em memória das vítimas dos conflitos nos campo. Durante a madrugada, houve manifestações culturais regionais, como o forró e o tambor de crioula.
Denúncias
No início da manhã, os romeiros e as romeiras iniciaram a caminhada pelas principais ruas da cidade de Balsas. O tom político e ecumênico permaneceu do início ao fim da romaria. Uma cruz feita de buriti abria os caminhos do ato. Usada pela primeira vez na Bahia há quatro anos, o objeto foi confeccionado por geraizeiros, que são criadores de gado livre e orgânico.
A quilombola maranhense Fátima Barros anunciava no microfone: “Nós também invocamos os orixás e nossos encantados contra a força do agronegócio e do capital”.
Miguel Souza, assentado da reforma agrária no município de Riachão das Neves, oeste da Bahia, foi um dos participantes que permaneceu em vigília até o nascer do sol. Segurando um cartaz em uma mão e uma pistola antiga em outra, ele denunciava a falta de segurança no campo:
“A polícia é paga e usa todo o aparato do Estado para defender o agronegócio, e o pobre não tem como se defender”.
Em frente à empresa Agromaranhão, o ato fez uma parada para denunciar ao subsídio do Estado aos grandes proprietários de terra e o descaso com os pequenos produtores.
“Estamos no centro do agronegócio. Quem é considerado aqui nesta cidade são apenas os fazendeiros. Estamos aqui para mostrar que Balsas também tem um povo lutador, e que aqui existem povos tradicionais”, disse Isolete Wichinieski, coordenadora da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado.
Líderes comunitários usaram o espaço do carro de som para divulgar a situação específicas de suas comunidades. Os moradores de Riachão e São Raimundo das Mangabeiras (MA), por exemplo, denunciaram a seca dos rios da região por conta de açudes para criação de peixes. Eles calculam que 3 mil pessoas estão sendo impactadas pela prática.
Já o povo indígena Krenyê, da Aldeia São Francisco, localizada a seis quilômetros da cidade de Barra do Corda (MA), pediu a solução para um conflito que já dura dois anos: que a Fundação Nacional do Índio (Funai) cumpra o acordo de compra das terras. O indígena Antônio Carlos contou que a aldeia ficou restrita a uma área “do tamanho de um campo de futebol”, e que diversos indígenas tiveram que migrar para as periferias de outras cidades. Hoje, apenas dez famílias vivem no local.
Além das situações específicas, os povos também se posicionaram contra a reforma da Previdência e contra os cortes em programas do governo federal.
A romaria, que ocorreu em seguida do Encontro dos Povos do Cerrado, se encerrou na Igreja da Matriz de Balsas, por volta das 9h da manhã.
Edição: Camila Rodrigues da Silva.