Por Jeremy Scahill,
no The Intercept
Brasil
Ao longo do último ano, experimentamos todos uma sensação de
vertigem política. Parte disso, claro, decorre do fato de o atual presidente
dos Estados Unidos ser Donald Trump — e de ele estar
constantemente encadeando um absurdo no outro, normalmente quando a gente
mal começa a debater sobre o primeiro.
Estamos correndo o tempo todo, e fica difícil tomar pé de onde
estamos e onde estivemos. Poder parar e olhar para as coisas de uma perspectiva
mais ampla se torna um luxo quase inacessível. Isso terá sérias consequências.
Estamos sofrendo alterações em nossos cérebros, na forma como processamos as
notícias e as informações, nos nossos conceitos de resistência e
tirania. Já vivemos em uma sociedade que não estuda sua própria história — a
história nua e crua –, e muitas vezes os acontecimentos em curso são analisados
num vácuo que raramente inclui o contexto histórico necessário para compreender
o que é novidade, o que é antigo e como chegamos até aqui.
Nós nos alienamos da nossa realidade e do nosso trabalho.
No momento em que Trump comemora seu primeiro ano de mandato em meio a
manifestações contrárias a seu governo em várias partes dos EUA, o acadêmico
marxista David Harvey aceitou o convite para uma entrevista para o podcast
Intercepted, de The Intercept. Harvey é um dos principais pensadores
marxistas da atualidade, uma autoridade na principal obra de Marx, “O Capital”,
que completou 150 anos no fim de 2017. Ele é professor benemérito de
Antropologia e Geografia na City University de Nova York e um pioneiro da
geografia moderna. Acaba de lançar o livro “Marx, Capital and the Madness of
Economic Reason” [“Marx, Capital e a Loucura da Razão Econômica”, ainda sem
tradução no Brasil].
Abaixo, o áudio completo em inglês e uma versão traduzida e
editada da conversa.
Assine o podcast Intercepted [em inglês] nas plataformas Apple Podcasts, Google Play, Stitcher, Radio Public,
e outras.
Jeremy Scahill: Professor, bem-vindo ao Intercepted.
David Harvey: Obrigado.
JS: Para começar, fiquei curioso depois de ler seu livro: como
chegamos a Trump? Quais fatores levaram à ascensão de Trump à Casa Branca?
DH: Eu resumiria em uma palavra: alienação. Uma população cada vez
mais alienada. Alienada do processo de trabalho, porque não há muitos trabalhos
com propósito e significado por aí. Prometeram a esses trabalhadores uma
espécie de cornucópia do consumo, um espaço no qual encontram muitos produtos,
mas que não funcionam bem, e acabam tendo que comprar um telefone novo a cada
dois anos. Um estilo de vida é imposto e, sabe, essas pessoas estão
desiludidas. E claro que também estão desiludidas com o processo político; eles
percebem que quem tem o dinheiro compra o que quiser.
Populações alienadas não necessariamente se comportam de uma forma que
faça sentido para alguém como eu. Eles não se voltam para a esquerda, por
exemplo. Dizem simplesmente: “Quero uma coisa que pareça diferente”. E acho que
quando Trump veio e disse “eu vou ser a voz de vocês”, foi aí que ele levou a
melhor sobre Hillary Clinton. E acho que é a mesma coisa que você encontra na
votação do Brexit na Grã-Bretanha, onde as áreas metropolitanas estão indo bem,
mas você encontra populações alienadas nas cidadezinhas onde a base econômica
da vida simplesmente desapareceu.
E aí você vê irromper um pessoal neofascista, populista e de direita que
chega e diz: “Ouça o que eu digo, ouça o que eu digo, eu tenho uma resposta
diferente para todas essas perguntas”. E acho que esse tipo de coisa está
acontecendo não só nos Estados Unidos, mas em vários outros lugares.
JS: Baseado nos atos de Trump enquanto presidente e nas ideias que
apresenta em seus discursos ou no Twitter, você considera que ele tem alguma
ideologia?
DH: Acho que ele tem algumas ideias, estejam ou não reunidas em uma
ideologia. Uma das suas ideias, por exemplo, é desmanchar tudo que Obama fez.
Isso é quase instintivo para ele: fazer tudo na direção exatamente oposta.
Então dá pra dizer que ele tem ideias.
Agora, uma ideologia? Não acho que ele tenha uma ideologia clara.
Mas ele com certeza constrói um personagem: tudo gira em torno de mim, mim,
mim. O narcisismo é óbvio, o que me parece um traço clássico de líderes
populistas.
JS: É o que muitos observadores chamam de populismo à
la Trump. Tem muitos mantras que ele repete, e seu favorito para falar de
seu sucesso à frente da presidência é que a bolsa de valores continua batendo
recordes, e os investimentos dos planos de previdência privada estão
estourando. O que ele não diz é que a maior parte dos trabalhadores do
país não tem aposentadoria e não participa dos planos de previdência. Como você
explica que está acontecendo agora com Wall Street e o mercado de ações? A
bolsa está mesmo batendo recordes.
DH: O que me parece é que, desde os problemas de 2007 e 2008, temos
visto bancos centrais colocando mais dinheiro no mercado. Esse dinheiro precisa
ir para algum lugar, e vai principalmente para o mercado de ações, e, claro,
para o bolso do 1% mais rico. Então, se você olhar para os índices de
desigualdade desde 2007-2008, vai ver que eles aumentaram vertiginosamente, não
apenas nos EUA mas em todo o mundo.
De certa forma, o que acontece é que nos deparamos com dificuldades
em 2007-2008, e a resposta foi injetar mais dinheiro, o que foi ótimo para o
mercado de ações e o resto do mercado financeiro. Mas, como sabemos, a renda
das pessoas comuns não melhorou em nada, a situação delas não melhorou. Os
benefícios das pequenas recuperações desde 2007-2008 não atingiram ninguém além
do 1%. É a solução dos investidores para o problema econômico. E os últimos
benefícios tributários foram sob medida para os investidores.
O que acontece nos Estados Unidos é que os investidores estão criando
uma economia boa para eles mesmos.
JS: Se alguém de outro universo chegasse aqui e perguntasse a você:
“De onde vem o dinheiro que paga os salários dos trabalhadores, ou que existe
no mercado de ações, ou que sai das mãos do ‘povo’ para empresas como a
Amazon?”
DH: Bem, o dólar deveria valer o que pode comprar, que são os bens de
consumo que a gente quer. E o que a gente quer são bens de consumo úteis. O
problema disso é que o capitalismo é muito bom em fabricar bens de consumo que
não funcionam, ou que estragam, ou que só duram dois anos. Eu costumo usar esse
exemplo: ainda estou usando os garfos e as facas que foram da minha avó. Se o
capital produzisse coisas que duram cem anos, o que aconteceria? Em vez disso,
se produz computadores que não funcionam se tiverem mais de três ou quatro anos
de uso.
Gostaríamos de pensar que o capitalismo é um sistema racional, mas não
é. É irracional, ele insere essas irracionalidades porque é a única forma de
continuar se reproduzindo. E acho que as pessoas estão começando a ver que
essa não é exatamente a vida boa que elas achavam que teriam em algum momento,
em especial para a massa da população que hoje está endividada e precisa pagar
essa dívida, seja ela de cartão de crédito, de hipoteca, de crediário. É nesse
mundo que estamos vivendo.
Vivemos no mundo da servidão por dívida, em que o futuro da maior parte
da população está tomado pela maneira como estão atadas ao capitalismo.
Sabe como é aquele papo para ter uma vida confortável: tome dinheiro emprestado
e tudo ficará bem.
JS: E o papel da Amazon, do Google, do Facebook em nossas vidas?
Isso é novidade na evolução ou na degeneração do capitalismo?
DH: Não acho que seja novo. Vamos considerar de uma
perspectiva histórica: estamos vivendo isso desde os anos 1970, com o
que chamamos de desindustrialização, a perda dos trabalhos industriais, do
setor manufatureiro. O resultado foi que os sindicatos, que eram muito fortes…
Tudo se perdeu.
Então, a desindustrialização do setor manufatureiro foi um fator
importante. Agora estamos vendo a mesma coisa acontecer no varejo e no
marketing. Vemos isso com o Wal-Mart, com a Amazon, com as compras online. E
vamos ver acontecer no setor de varejo a mesma coisa que aconteceu no setor
manufatureiro, e acho que isso vai ter um grande impacto sobre a economia
norte-americana.
JS: Qual é a sua crítica ou o seu problema com a ideia de que a concorrência
possibilita não só aos consumidores, mas também aos Estados, um produto de
maior qualidade?
DH: Em primeiro lugar, gostaria de perguntar: que concorrência? Temos
monopólios demais. Vejo isso na área de energia, na área farmacêutica, vejo
isso em toda parte, um monte de monopólio em tudo quanto é lugar. Então, a
concorrência é, na verdade, uma espécie de falsa concorrência.
E internacionalmente, claro, sempre há algum nível de concorrência entre
diferentes Estados — mas veja o que ela faz. Basicamente, o que se espera
é que você crie um bom ambiente de negócios. É isso que se espera do estado. E
quanto melhor o ambiente de negócios, mais capital será atraído para ele. Isso
significa menos tributos. Então, na verdade, você tem que dar dinheiro
para as empresas. E é impressionante, o capital corporativo não parece capaz de
sobreviver atualmente sem subsídios do setor público.
Assim, no fim das contas, esse setor público está permanentemente
sustentando as grandes empresas, e elas não estão realmente concorrendo. Estão
simplesmente usando o poder de seu monopólio para reunir uma grande quantidade
de riqueza em poucas mãos.
JS: No que se refere à política eleitoral nos EUA, houve um debate
bem feroz dentro da esquerda norte-americana sobre as eleições de 2016. E acho
que uma porção significativa, mesmo da esquerda, no fim das contas, tapou o
nariz e votou na Hillary Clinton como forma de votar contra Donald Trump. Onde
você se coloca em relação a essas questões?
DH: Bem, acho que eu me coloco dizendo: “É, temos que organizar algo
que seja muito diferente e alternativo à esquerda, em vez de ter o que eu chamo
de partido de Wall Street à frente de ambas as legendas”.
O tipo de coisa que me preocupa em relação ao Trump é o que ele
está fazendo com o meio ambiente, e o que ele pode fazer com a guerra nuclear.
Ele é completamente irracional com esses assuntos. Então, sim, eu preferiria
que fosse a Hillary, mas eu não quero estar numa situação em que eu precise
dizer que a única alternativa a alguém como Trump é a Hillary, porque isso me
parece um retorno aos mesmos problemas que tivemos no primeiro governo Clinton,
que foi o começo do processo de venda do governo dos EUA para os investidores e
para Wall Street. Então, temos que buscar algo que seja uma espécie de partido
não-Wall Street.
E acho que a liderança na estrutura de poder dentro do Partido Democrata
é, em certa medida, antagônica a um verdadeiro impulso socialista.
Precisamos de um bom movimento de esquerda real, sólido, nos moldes do
que começamos a ver se cristalizar em torno de Bernie Sanders, algo assim. Mas
penso que precisamos ir mais longe que isso.
JS: Bernie Sanders se identifica como socialista democrático, mas
no seu registro de votos, podemos ver que ele apoiou a mudança do regime no
Iraque, e ele disse que daria continuidade ao programa de assassinatos por
drones que existia no governo Obama. Como você descreveria Bernie
Sanders? Ele é marxista, na sua opinião?
DH: Não, não, ele não é marxista de jeito nenhum. Ele é, como você
disse, uma espécia de social-democrata. Mas sociais-democratas têm um longo
histórico de serem bastante bélicos, acreditarem em coisas como humanismo
militar, esse tipo de coisa. A história da social-democracia é um pouco
maculada por isso. Então, eu considero que é preciso haver um verdadeiro
movimento socialista de esquerda.
E eu acho que Sanders, à medida que começou a falar mais com os
“millennials”, começou a mudar seu discurso para uma linha mais
socialista. Começou a falar sobre um sistema de saúde público e sobre acesso
gratuito ao ensino superior.
JS: O termo neoliberal é muito usado atualmente por pessoas que
parecem não ter a menor ideia do que seja a política econômica neoliberal ou o
neoliberalismo. Dê uma definição para essas pessoas: o que significa
neoliberalismo?
DH: Eu considero que é um projeto político, que começou em 1970 com a
Mesa de Negócios [Business Roundtable, associação dos presidentes das
maiores empresas dos EUA], os Rockfellers, e todos os demais, para reorganizar
a economia de forma a restaurar o poder de uma classe capitalista em declínio.
Eles estavam em dificuldades no final dos anos 1960, começo dos anos 1970,
porque o movimento dos trabalhadores estava muito forte, e havia vários
ativistas comunitários, o movimento ambientalista, todas essas forças de
reforma surgindo, a criação da Agência de Proteção Ambiental dos EUA, todo esse
tipo de coisa. Eles então decidiram, por meio da Mesa de Negócios, que iriam
realmente tentar recuperar e acumular o máximo de poder econômico que pudessem.
E havia vários elementos nisso. Por exemplo, se você se visse diante de
uma situação de ter que escolher entre resgatar pessoas ou resgatar os bancos,
você resgataria os bancos e deixaria as pessoas em apuros. Sempre que você
encontrasse um conflito entre o capital e o bem-estar das pessoas, você
escolheria o capital. Essa era a forma resumida do projeto.
Tem também algumas pessoas que dizem que é só uma ideia sobre livre
mercado. É, realmente, livre mercado para alguns, responsabilidade individual,
sim. Uma redefinição de cidadania tal que um bom cidadão é um cidadão sem
necessidades. Então, qualquer cidadão com necessidades é uma pessoa ruim. Os
serviços sociais são organizados para punir as pessoas, não para realmente dar
assistência e ajudá-las.
JS: E o que eu costumo considerar um dos aspectos mais visíveis da
política econômica neoliberal é a ideia de medidas de austeridade que são
impostas às economias dos países do Sul, mas também no caso da Grécia, por
exemplo. A primeira coisa que os credores exigem para conceder empréstimos é o
fim de programas sociais, e o dinheiro que você gastaria neles passa a ser
destinado a pagar o principal ou os juros do empréstimo que está sendo
“generosamente” concedido.
DH: É a servidão por dívida, mais uma vez. Você organiza a servidão
por dívida de forma a aprisionar as pessoas para que elas precisem pagar. Mas
você não tira dinheiro dos investidores. Quer dizer, no caso da Grécia, por exemplo,
não é como se alguém tivesse ido atrás dos bancos franceses e alemães que
emprestaram o dinheiro à Grécia. Eles basicamente socializaram a dívida,
entregaram ao FMI, ao Fundo Europeu de Estabilidade e a todo o resto, e então
obrigaram os gregos a pagar.
A bem da verdade, se os bancos cometeram um erro de avaliação, eles
deveriam pagar. Mas não pagaram, e esse é o princípio neoliberal em
funcionamento. Eu tendo a não gostar do termo austeridade, porque é usado para
políticas que são aplicadas à população. Austeridade não é para o capital. E
não é para as instituições financeiras em absoluto, não é para o 1% do topo. A
austeridade diz respeito aos programas sociais. E, de fato, o estado está
profundamente envolvido em subsidiar o capital. Os bancos nunca se ferem. É
isso que constitui a ordem neoliberal.
JS: Quando vemos políticos fazendo campanha com base na ideia de
que vão reduzir ou eliminar a dívida do governo federal dos EUA, do que eles
estão realmente falando?
DH: Bem, é uma espécie de taco de baseball que é periodicamente levado
à política. Você se lembra do [ex vice-presidente] Dick Cheney dizendo que
“Ronald Reagan nos ensinou que a dívida não importa”. Porque o Reagan fez
dívida feito doido, principalmente pelo lado militar, e o Bush, também, fez
muitas dívidas.
Então, quando o Obama chegou, os Republicanos viraram e disseram: “Temos
que fazer alguma coisa a respeito da dívida”. E isso se tornou a desculpa para
impedir que qualquer programa fosse aprovado. Agora que os Republicanos
voltaram ao poder, o que eles fazem? Aumentam a dívida em meio trilhão de
dólares, ou algo assim.
Não me parece que haja uma questão real nisso, é simplesmente uma
desculpa política para inflamar o discurso sobre o endividamento e termos que
lidar com a dívida para os nossos filhos, mas aí, claro, tudo é virado do
avesso. Como essa última legislação tributária, ninguém se importa com isso,
sendo que, na verdade, eles passaram uma eternidade berrando para chamar a
atenção para a dívida. É uma ferramenta política que você usa de um jeito
bem específico, em um momento histórico específico.
JS: Como seria se a sociedade norte-americana fosse radicalmente
reorganizada à luz de uma filosofia ou uma ideologia de base marxista? Ou se o
bem-estar social fosse realmente uma prioridade nesse país, em vez de ser cada
um por si? O que isso representaria num país grande e populoso como os EUA?
DH: Dizendo de forma direta: eu acho que o futuro dos EUA, caso haja
um futuro radical, está mais próximo do que eu chamaria de anarquismo não
ideológico. Eu não acho que o país esteja pronto para o tipo de empreitada
coletiva que seria realmente necessária para confrontar o poder do Federal
Reserve [o sistema de bancos centrais dos Estados Unidos] e encontrar uma
alternativa. Não acho que esteja pronto para pensar em um movimento de massa do
tipo que realmente começaria a redefinir como a economia funciona.
Penso que se vai haver algum tipo de esquerda real, vai ser um tipo
de política de esquerda socialista-anarquista, e que tem muitas características
favoráveis. Vindo de uma tradição de marxismo histórico, eu deveria ser bem
hostil ao anarquismo, mas na verdade tenho grande apreço por
essa tradição. E acho que há uma área ideológica de intersecção que traz
algo de diferente para a história e a cultura dos EUA, e precisamos reconhecer
a importância dessa história.
JS: Não há caminho possível para um completo colapso do estado
capitalista nos EUA. Estou certo?
DH: Não, eu acho que uma das coisas que está acontecendo na esquerda
em alguma medida é a tentativa de redefinir as formas de poder governamental,
por assim dizer, que representem alternativas às estruturas estatais
existentes. E vejo o ativismo em curso no nível municipal como um caminho
interessante para começar a explorar essas alternativas. Podemos criar formas
democráticas de governança municipal, por exemplo?
[…]
O que me chamou a atenção [nos protestos em] Ferguson [no estado do
Missouri, em 2014] foi a imagem da polícia militarizada — a meu ver, não há
como um movimento político imaginar que possa tomar as ruas e estourar as
barricadas e chegar a algum lugar. Eles seriam simplesmente massacrados.
Então é preciso começar a pensar num tipo de transformação
progressiva na política que não envolva confrontos e violência desse tipo,
porque, francamente, me parece que qualquer movimento desse tipo seria
derrotado. E assim, temos que pensar em um tipo de movimento alternativo.
O problema é que os movimentos que estão tentando construir alguma
alternativa acabam sendo criminalizados. Vemos a criminalização dos
ambientalistas, por exemplo. Quando se criminaliza, você passa a ter o direito
de ir lá e matar essas pessoas.
É esse, basicamente, o problema da esquerda. A esquerda precisa pensar
em uma estratégia alternativa em vez de ficar sonhando com a Revolução Russa ou
a Revolução Americana ou algo desse tipo.
JS: Eu costumo discutir com pessoas que dizem coisas do tipo: “Ah,
sabe, vai acabar tendo um golpe nos Estados Unidos e os militares vão
tomar o poder. Ou vão construir campos de concentração da FEMA [Agência Federal
de Gestão de Emergência], etc.” E eu já discuti com essas pessoas, inclusive
algumas do meu próprio mundo na esquerda, e o que digo a elas é: “O estado não
precisa fazer nada disso. Eles não precisam construir um campo de concentração
e te colocar lá. Eles já estão vencendo.”
Esse é o capitalismo deste país: a ideia que as pessoas têm de que é
preciso um grupo restrito de homens brancos gordos, fumando charutos e
imaginando formas de prender todo mundo que se oponha a elas — não é assim
que esse tipo de força opera. Está muito mais entranhado em todos os aspectos
das nossas vidas.
DH: Sim, e é por isso que eu volto à ideia da servidão por dívida. Uma
das formas de exercer controle social é afundar as pessoas em dívidas a tal
ponto que elas não possam sequer imaginar um futuro que não seja viver
para poder pagar sua dívida.
Se você pensar, um dos maiores limites ao radicalismo, por exemplo, da
geração dos “millennials”, é o imenso volume de dívida estudantil que eles
têm. Cientes disso, eles não vão conseguir virar o jogo. Servidão por
dívida é o que tem para hoje.
JS: Professor David Harvey, muito obrigado por se juntar a nós no
Intercepted.
DH: Bem, obrigado por esta oportunidade. Foi ótimo. Obrigado.
Tradução: Deborah Leão
–
Ilustração: Elise Swain. Fotos: Public Domain e Getty Images.