Quem sou eu

Minha foto
São Luís, Maranhão, Brazil
Homem simples e comum: procuro ser gentil com as pessoas, amigo dos meus amigos e bondoso com a minha família. Sou apaixonado por filmes, internet, livros, futebol e música. Estou tentando sempre equilibrar corpo e mente, manter-me informado das notícias a nível mundial, ministrar aulas de geografia em paralelo às pesquisas acadêmicas que desenvolvo e, no meio de tudo isso, tento achar tempo para o lazer e o namoro. Profissionalmente,sou geógrafo e professor de Geografia no Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Instituto Federal do Maranhão (IFMA ­ Campus Avançado Porto Franco) e Doutorando em Geografia Humana na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Membro do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA) e do Núcleo de Estudos do Pensamento Socialista Pesquisa do Sindicalismo (NEPS), ambos da UFMA. Participo da Rede Justiça nos Trilhos.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Carajás é da China


A nova frente de produção que a Vale está abrindo em Carajás, no Estado do Pará, é superlativa. Trata-se do maior investimento da mineradora em toda a sua história, de 70 anos. Quando os 19,7 bilhões de dólares (em torno de 40 bilhões de reais) tiverem sido inteiramente aplicados, a mina de Serra Sul estará em condições de acrescentar 90 milhões de toneladas anuais à produção da ex-estatal.
Com duas outras expansões na área, a província mineral de Carajás passará de 120 milhões para 250 milhões de toneladas por ano de minério de ferro.
Isso acontecerá em 2017, quando o Pará passará à frente de Minas Gerais como a maior fonte de minério de ferro da antiga Companhia Vale do Rio Doce. Será mais do que a relação de 250 milhões para 200 milhões de toneladas de produção entre os dois principais Estados mineradores do Brasil.
O minério de Carajás é mais rico e mais fácil de extrair. Com a exaustão de algumas jazidas de Minas, a Vale terá que se aventurar no seu Estado de origem pelo itabirito, minério mais duro e pobre, para manter a escala de produção.
A diferença mais importante, porém, é o destino da produção. Carajás consolidará a posição da Vale de maior vendedora interoceânica de minério de ferro do mundo. Seu minério, com teor de hematita superior a 66%, tem mercado garantido no exterior, enquanto o produto de Minas será cada vez mais destinado a abastecer o mercado nacional. Carajás será a principal mina de atendimento internacional que existe.
Daí a dimensão extraordinária do projeto de expansão. Enquanto a primeira jazida levou alguns anos para chegar ao seu tamanho de projeto, de 25 milhões de toneladas, S11D dará partida já com 90 milhões de toneladas na bitola.
A partir do início das obras de terraplenagem, que aconteceu no começo desse mês, essa meta será atingida em apenas quatro anos, graças às inovações e à diretriz de investir maciçamente no empreendimento, 30% maior do que o custo da polêmica hidrelétrica de Belo Monte.
O mundo tem pressa de se servir de um minério rico, fácil de extrair e de custo proporcionalmente inferior ao de qualquer outra mina das mesmas dimensões, em valores absolutos, embora sem o mesmo teor. Por isso, imune – ou, pelo menos, bem protegido em relação – às flutuações previstas para o setor pelos próximos anos. Uma fonte cativa para os grandes consumidores de minério, sobretudo as siderúrgicas asiáticas, à frente a China.
Mas isso interessa realmente ao Pará e ao Brasil? Numa entrevista que deu ao Valor, o geólogo Breno Augusto dos Santos, o primeiro a identificar o minério de ferro de Carajás, em 31 de julho de 1967 (cujos 46 anos da descoberta motivaram o interesse do jornal paulista), observou: “Se Carajás fosse na China, na Coréia ou na Alemanha, de lá estariam saindo automóveis, locomotivas ou computadores”. E logo acrescentou: “Mas essa não é uma função da Vale”.
Não é mesmo? Este é o aspecto chave da questão. A Vale se livra das responsabilidades pela exploração de minério bruto alegando ser apenas uma mineradora. Outras empresas deviam cuidar do beneficiamento. E o governo, principalmente, devia exercer o seu papel de fomentador desses investimentos.
A empresa não tem culpa se as outras partes não fazem o que lhes cabe. Daí a inexpressividade dos rendimentos que uma atividade de tão grande porte proporciona ao Pará. O Estado não tem agregação de valor à sua riqueza natural e ainda é privado da receita tributária que essa atividade devia lhe oferecer, por causa da imunidade conferida às matérias primas e produtos semiacabados pela nefanda “lei Kandir”, de autoria do então deputado e economista de São Paulo, que lhe emprestou o nome.
Não é bem assim. O Programa Grande Carajás foi induzido pela então estatal CVRD durante o início do governo Figueiredo, o último do regime militar, a partir de 1980. Interessava à empresa ter um prospecto de aproveitamento econômico mais amplo, que valorizasse e legitimasse a concessão federal dada à ferrovia de Carajás.
Fazendo uma análise retrospectiva do “Carajazão”, delegado a um conselho interministerial, diretamente subordinado à presidência da república, pode-se chegar à conclusão de que foi um foguetório de ilusão, uma espécie de para-raios e habeas corpus a um projeto de mera extração mineral. Um boi atirado às piranhas para permitir a passagem da boiada de minério.
Mesmo com a Vale estatal já era difícil ao governo exercer controle sobre os impulsos da empresa e a teia dos seus interesses internacionais, criados, confirmados e cultivados por seus agentes, uma autêntica tecnoburocracia cosmopolita (cujo modelo é Eliezer Batista, o pai de Eike). Essa lacuna se acentuou com a privatização. Tornou-se mais nítida a distinção entre os negócios feitos pela empresa no exterior e os interesses nacionais. Mais do que distinção, o antagonismo.
Ficou evidente o interesse da Vale em agradar aos seus grandes clientes chineses, japoneses e de outros países, sem os quais sua grandiosidade estaria comprometida. A empresa passou a atuar como viabilizadora desses interesses na medida em que se restringia à extração mineral em escala crescente para a exportação.
Adaptando a frase de Breno, pode-se dizer que nenhum governo na China, Coréia e Alemanha permitiria que uma empresa de mineração crescesse de forma a exercer controle total sobre o circuito da extração, transporte e exportação de matéria prima bruta, como faz a Vale no Brasil.
É por isso que sua parte de logística cresceram para dar suporte à sua atividade de mineradora. Ela se agigantou ainda mais, num esquema que tem proporcionado mais divisas ao país, como nunca, mas à custa da exaustão de uma riqueza natural não renovável, como o minério de ferro.
Tente-se calcular quanto o Brasil perdeu por não ter feito o beneficiamento do minério de ferro de Carajás. Um cálculo simples levará a muitos bilhões de dólares em quase 30 anos de extração maciça de minério bruto, que, no caso, é quase sinônimo de minério puro, tal a riqueza de hematita contida na rocha de Carajás.
Para se ter uma ideia da grandeza do novo capítulo que se inicia em Carajás, basta considerar que a Serra Sul possui 10 bilhões dos 18 bilhões de toneladas estimados de reserva, com teor médio de 66,5% de ferro. O primeiro corpo a ser lavrado nessa mineração, que leva a letra D do título do projeto, acumula 4,2 bilhões de toneladas, com nove quilômetros de extensão, a uma profundidade de até 250 metros.
Ao ritmo previsto, a jazida terá 40 anos de vida útil. Ao fim desse período, a maior mina de ferro do planeta será só lembrança – amarga e frustrante por certo, para os nativos. Chegará ao fim sem motivar qualquer reação dos paraenses, que veem o buraco ser aberto sem usufruir o melhor que o minério lhes poderia dar.
Fonte: Lúcio Flávio Pinto - Cartas da Amazônia, 17 de agosto de 2013

domingo, 18 de agosto de 2013

CIA manteve colaboradores dentro da Igreja Católica no Brasil


Por , 16/08/2013 11:35
Foto: EBC
Foto: EBC
O auge dessa colaboração aconteceu entre os anos 1960 e 1985, no período prévio ao golpe militar de 1964 e durante toda a vigência da ditadura. Fontes de dentro da Igreja revelam que a CIA cooptou até assessores do ex-arcebispo do Rio D. Eugênio Salles, morto em 2012, com a missão de abastecer Washington com informações sobre a atuação das Ligas Camponesas do Nordeste
Dermi Azevedo – Carta Maior
A Agência de Inteligência dos EUA (CIA) espiona, desde os anos 60, todas as atividades da Igreja Católica Romana no Brasil, por meio de colaboradores diretos e indiretos. Os diretos são membros da Igreja que voluntariamente prestam serviços a essa. E os indiretos são assessores das pastorais católicas infiltrados pelo serviço secreto dos EUA em atividades eclesiásticas.
As informações são de diversas fontes da Igreja ouvidas pela reportagem, e que pediram para não terem seus nomes revelados.
O auge dessa colaboração aconteceu entre os anos 1960 e 1985, ou seja, no período prévio ao golpe militar de 1964 e durante toda a vigência da ditadura. Perdurou também essa vigilância durante a transição para a democracia e continua até hoje, tendo Brasília como a base principal das operações de espionagem.
Durante os anos 60, a principal base operativa da CIA na Igreja brasileira foi Natal, capital do Rio Grande do Norte. A operação fixou-se no Movimento Natal, liderado pelo ex-arcebispo do Rio de Janeiro D. Eugênio de Araújo Sales, que, nessa época, administrava a Igreja Católica em Natal.
A CIA cooptou assessores de D. Eugênio – principalmente estudantes e profissionais do campo das ciências sociais –, com a missão de abastecer Washington de informações sobre a atuação das Ligas Camponesas do Nordeste.
As ligas haviam sido criadas e dirigidas pelo socialista Francisco Julião, considerado um dos “inimigos públicos” do governo militar ao lado de Leonel Brizola, no Rio Grande do Sul, e de Carlos Marighella, na Bahia.
Um assessor da CIA monitorava todas as atividades dos bispos e das dioceses nordestinas. A vigilância estendia-se, porém, aos demais Estados, nas várias representações regionais da CNBB.
Na base potiguar a CIA era informada diariamente por assessores de D. Eugênio, que monitoravam inclusive as suas palestras e discursos. Mas esse controle também foi feito nos anos 70 e 80.
Na administração do arcebispo D. Nivaldo Mont, a agência costumava gravar sigilosamente todas as reuniões ordinárias e extraordinárias do episcopado. Entre elas, inclui-se uma palestra do então governador nomeado do Rio Grande do Norte Cortez Pereira.
Reunido com os bispos no Centro de Treinamento de Líderes da arquidiocese de Natal, na praia de Ponta Negra, Cortez fez críticas a um modelo de desenvolvimento que qualificou como excludente e elitista. No dia seguinte, foi intimado para comparecer a Recife, onde foi questionado pelo Comando Militar do Exército do Nordeste sobre seu pronunciamento.
A CIA acompanhou também o apoio da Aliança para o Progresso, instituída pelo presidente John Kennedy, a projetos ligados à igreja nordestina, principalmente dos setores rural e sindical nesse período. O Rio Grande do Norte recebeu a visita do Secretário de Justiça dos EUA, o senador Roberto Kennedy, irmão do presidente, e que também foi assassinado anos depois.
Além do apoio aos projetos sociais da Igreja, o Governo Kennedy também enviou várias toneladas de alimentos, que foram distribuídas em comunidades rurais potiguares. Foram também incluídas na lista de doações várias paróquias, inclusive o Seminário de São Pedro, principal escola de formação do clero norte-rio-grandense.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Territórios: Velhos e Novos Paradigmas – Um diálogo com Milton Santos, artigo de Roberto Malvezzi* (Gogó)


Por racismoambiental, 14/08/2013 11:20
1.    A Questão.
EcoDebate - Se o problema fundiário brasileiro começou com a Lei de Terras de 1850, o problema territorial brasileiro começou com a lei das sesmarias, adaptadas pelo império português à realidade brasileira.
Esse debate, que muitas vezes atravessou até o diálogo CIMI e CPT, tem sua razão de ser.
Os índios brasileiros tinham seus territórios delimitados e guerreavam quando os limites eram transgredidos por algumas dessas nações. Mas, os primeiros brancos foram muito bem recebidos pelos índios. Nas três primeiras décadas, enquanto prevaleceu o extrativismo do pau-brasil, praticamente a questão territorial não se colocou. O problema começou quando a agricultura e pecuária precisaram do espaço indígena e de sua mão de obra escrava:
Em geral, nas três primeiras décadas de colonização, os brancos se incorporavam às aldeias, totalmente sujeitos à vontade dos nativos. Mesmo em suas feitorias, os europeus dependiam de articular alianças com os indígenas, para garantir a alimentação e segurança.
Posteriormente, quando o processo de colonização promoveu a substituição do extrativismo pela agricultura como principal atividade econômica, o padrão de convivência entre os dois grupos raciais sofreu uma profunda alteração: o índio passou a ser encarado pelo branco como um obstáculo à posse da terra e uma fonte de mão-de-obra barata. A necessidade de terras e de trabalhadores para a lavoura levaram os portugueses a promover a expulsão dos índios de seu território, assim como a sua escravização. Assim, a nova sociedade que se erguia no Brasil impunha ao índio uma posição subordinada e dependente (…) Contra essa ordem, a reação indígena assumiu muitas vezes caráter violento, como a guerra dos Tamoios, que se estendeu por três anos, a partir de 1560. Incentivados por invasores franceses estabelecidos na Baía da Guanabara, vários grupos desses índios uniram-se numa confederação para enfrentar os portugueses, ao longo do litoral entre os atuais estados do Rio de Janeiro e São Paulo. A atuação dos jesuítas Manuel da Nóbrega e José de Anchieta resultou num acordo de paz, realizado em Iperoígue, uma aldeia situada onde hoje se localizam os municípios paulistas de São Sebastião e Ubatuba (…) Outra possibilidade de reação indígena ao avanço português era a submissão, assumida sob a condição de “aliados” ou escravos. Essa forma de convivência “pacífica” foi obtida particularmente graças ao trabalho dos padres missionários que, promovendo a cristianização dos índios, combatiam sua cultura e tradições religiosas, além de redistribuí-los territorialmente, em geral de acordo com os interesses dos colonizadores (…) Finalmente, para preservar a unidade e a integridade de seu modo de vida, os índios optaram também pela migração para as áreas interioranas, cujo acesso difícil tornava o contato com o branco improvável ou impossibilitava a este exercer seu domínio. Essa alternativa, porém, teve um preço alto para as tribos (Olivieri, 2005).
Canudos, Caldeirão, Contestado, a ocupação dos Sem Terra, indicam essa luta das camadas marginalizadas da sociedade para ocupar um lugar ao sol, um lugar no solo, isto é, construir um território, espaço de trabalho e de vida. É o nosso pecado original, que ainda não alcançou sua redenção.
No mundo globalizado ele reaparece, de forma contundente, embora muitas vezes os atores de hoje sejam os mesmos de 500 anos atrás, particularmente quando se fala nas vítimas das agressões territoriais.
Hoje o conceito de território é dinâmico, pode ser ampliado, modificado, recriado, inventado, como é o caso do Território da Cidadania. Pode ser terrestre, aquático e aéreo. Pode ser real e virtual, como um “sítio” na internet.
Com o aquecimento global, muitos territórios podem ser eliminados (ilhas), outros podem surgir, como é o caso do Alasca que está sob o gelo. O Aquecimento Global pode ainda tornar inabitável vastas regiões do planeta, com é o caso de várias áreas do semiárido.
Até a própria dinâmica geológica pode forçar o surgimento de outros territórios, como é o caso da separação em andamento do território da Etiópia do continente Africano pela ruptura da placa tectônica.
A União Europeia inaugurou um novo tipo de território, o do Euro, com uma série de implicações para a circulação de bens, moeda e pessoas naquele espaço.
Na América Latina o Mercosul é um território de circulação de bens, enquanto na Alba se fala na integração latino-americana para além do econômico.
Portanto, o capital “cria” os territórios de seus interesses, disputa os territórios das comunidades tradicionais que abrigam riquezas que lhes interessa, expropria as populações que antes eram senhoras daquele território. Mas, a lógica da solidariedade não foi eliminada nos povos ancestrais.
No Congresso da CPT um participante vestia uma camiseta com a seguinte frase: “o território é uma jaula que o ser humano inventou para si mesmo”. Mas, será possível viver sem território, ou transformar a Terra num território que seja realmente livre para o trânsito de toda a humanidade? É possível, ou mesmo inevitável, a tal governança mundial para enfrentar os desafios planetários? Ou será que a saída é forjar os próprios territórios, ou delimitá-los por conta própria, como o fazem as populações geraizeiras de Minas e da Colômbia? Dá para conviver um com o outro?
Por outro lado, a luta dos quilombolas, indígenas e comunidades tradicionais trazem a defesa de seus territórios ancestrais, com os quais a CPT comunga. Por isso, para José de Sousa Martins, a CPT é uma entidade conservadora, que visa preservar formas de vida que não correspondem aos tempos modernos. Então, que sentido faz ainda hoje debater sobre o território?
Talvez esse texto sacado de uma matéria publicada no jornal Estado de São Paulo ajude a pôr mais lenha nessa fogueira. Defendendo seus interesses, ruralistas afirmam que os territórios indígenas brasileiros representam uma ameaça maior à soberania nacional que o próprio aluguel ou venda de terras a estrangeiros. É uma pérola não só do cinismo do setor, mas particularmente, da entrega total dos seus negócios ao mundo globalizado.
O argumento parte do cálculo de que os territórios indígenas somam mais de 1 milhão de quilômetros quadrados, enquanto os estrangeiros deteriam 43 mil quilômetros quadrados, levando em conta dados oficiais que a própria nota técnica reconhece como “subestimados”. “Levando-se em consideração que 12,2% do território brasileiro são ocupados por áreas indígenas (mais de 107 milhões de hectares atualmente), que, se implementadas as áreas em estudo esse total passará de 20% e que apenas 0,5% (ainda que subestimados) sejam ocupados por estrangeiros, o que pode ser considerada uma ameaça maior à soberania: terras indígenas ou terras de propriedades de estrangeiros?”, diz o relatório (SALOMON, 2011).
2.    Diálogo com Milton Santos.
Nesse contexto, é impossível falar de territórios sem dialogar com Milton Santos. Então, vamos fazer dele o principal interlocutor desse diálogo.
Retomemos o conceito que ele dá ao território:
O território não é apenas o resultado da superposição de um conjunto de sistemas naturais e um conjunto de sistemas de coisas criadas pelo homem. O território é o chão e mais a população, isto é, uma identidade, o fato e o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é a base do trabalho, da residência, das trocas materiais e espirituais e da vida, sobre os quais ele influi. Quando se fala em território deve-se, pois, de logo, entender que se está falando em território usado, utilizado por uma dada população. Um faz o outro, à maneira da célebre frase de Churchill: primeiro fazemos nossas casas, depois elas nos fazem…A idéia de tribo, povo, nação e, depois, de Estado nacional decorre dessa relação tornada profunda (SANTOS, 2002, pg. 97).
O território sempre foi mais que o espaço que disponibiliza recursos, mas onde a vida de um povo acontece, gerando uma identidade única e indissolúvel.
Acontece que o território vem sendo transformado. Para Milton Santos o fator decisivo é a globalização. Então, todo seu discurso que segue vem no sentido de compreender hoje o território sob o signo da globalização.
No mundo da globalização, o espaço geográfico ganha novos contornos, novas características, novas definições. E, também, uma nova importância, porque a eficácia das ações está estreitamente relacionada com a sua localização. Os atores mais poderosos se reservam os melhores pedaços do território e deixam o resto para os outros (Idem, pg.79).
Essa política de compra ou aluguel do território brasileiro para estrangeiros, a invasão dos territórios indígenas e quilombolas, indo do Xingu, passando pelos Truká e Pipipã na transposição, chegando ao caso TIPINI na Bolívia, com o financiamento do BNDES, passa por essa lógica de reconfiguração do território em função dos interesses do capital.
Essa re-espacialização do território gera consequências rotineiras tão bem conhecidas pela CPT, particularmente a violência e a desterritorialização das populações ancestrais. Gera também esse conflito permanente entre os que ocupam o espaço dado como vazio – desde a época militar o “terra sem gente para o gente sem terra” – até os dias atuais da ocupação total do campo pelas empresas do agro e hidronegócio, bancados pelo Estado e governo de plantão. Santos vai falar, então, de umas das piores consequências, a fragmentação do território, portanto das populações e seu modus vivendi:
Os territórios tendem a uma compartimentação generalizada, onde se associam e se chocam o movimento geral da sociedade planetária e o movimento particular de cada fração, regional ou local, da sociedade nacional (Ibidem, pg. 80).
No Brasil o principal agente dessa invasão territorial do capital é a agricultura tecnificada do campo. Ela obedece a uma lógica global, a instrumentos globais, regidos não mais por interesses nacionais, mas pelos interesses corporativos das empresas. Por isso, faz sentido a afirmação dos pensadores do agronegócio atribuindo aos indígenas uma ameaça maior à soberania nacional que a compra de terras pelos estrangeiros:
…A agricultura moderna, cientifizada e mundializada, tal como o assistimos se desenvolve em países como o Brasil, constitui um exemplo dessa tendência e um dado essencial ao entendimento do que no país constituem a compartimentação e a fragmentação atuais do território (Ibidem, pg. 80).
E continua:
Cada empresa,porém, utiliza o território em função dos seus fins próprios e exclusivamente em função desses fins. As empresas apenas têm olhos para os seus próprios objetivos e são cegas para tudo o mais. Desse modo, quanto mais racionais forem as regras de sua ação individual tanto menos tais regras serão respeitosas do entorno econômico, social, político, cultural, mora ou geográfico funcionando, as mais das vezes, como um elemento de perturbação e mesmo de desordem. Nesse movimento, tudo que existia anteriormente à instalação dessas empresas hegemônicas é convidado a adaptar-se às suas formas de ser e de agir, mesmo que provoque, no entorno preexistente, grandes distorções inclusive a quebra da solidariedade social {…}
Pode-se dizer então que, em última análise, a competitividade acaba por destroçar as antigas solidariedades, frequentemente horizontais, e por impor uma solidariedade vertical, cujo epicentro é a empresa hegemônica, localmente obediente a interesses globais mais poderosos e, desse modo, indiferente ao entorno (Ibidem, pg. 85).
Talvez esse texto mereça uma consideração especial, porque a competitividade quebra a alma das populações, seus valores, sua cultura. Muitas vezes fazemos esforço de preservação das culturas, mesmo quando elas estão sendo invadidas. Há, portanto, no território também uma dimensão subjetiva, também agredida, também saqueada. Talvez a subjetividade seja o último reduto do território. Muitas das chamadas “nações ressurgidas”, só sobreviveram porque, mesmo desterretorializadas, mantiveram o território da alma preservado.
Numa conversa com a cacique Lucélia Pankará (PE), ela dizia que seu povo ainda tem mais de cinco mil pessoas. Perguntei como sabia. Ela disse que eles mantêm contatos, se conhecem, sabem onde moram.
Ângelo, do CIMI de Pernambuco, disse que há prédios em S. Paulo cujos apartamentos são habitados apenas por Pankará. Portanto, construíram seu território em área urbana, num edifício. Conseguiram a quadra em uma determinada época do ano para realizar seus rituais.
Portanto, a ação de fragmentação do capital pode encontrar limites, ainda que sejam subjetivos. Mas nem essa defesa é fácil de ser alimentada:
A palavra fragmentação impõe-se com toda a força porque, nas condições acima descritas, não há regulação possível ou esta apenas consagra alguns atores e estes, enquanto produzem uma ordem em causa própria, criam, paralelamente, desordem para tudo o mais. Como essa ordem desordeira é global, inerente ao próprio processo produtivo da globalização atual, ela não tem limites; mas não tem limites porque também não tem finalidades e, desse modo, nenhuma regulação é possível, porque não desejada. Esse novo poder das grandes empresas, cegamente exercido, é, por natureza, desagregador, excludente, fragmentador, seqüestrando a autonomia ao resto dos atores (Ibidem, pg. 86)..
Por fim, nessa luta titânica, histórica, por territórios, nesse conflito que atravessa a própria história humana, vale realçar o papel da agricultura, o ponto focal da CPT ao abordar essa questão:
Desde o princípio dos tempos a agricultura comparece como uma atividade reveladora das relações profundas entre as sociedades humanas e o seu entorno. No começo da história tais relações eram, a bem dizer, entre os grupos humanos e a natureza {…}
Podemos agora falar de uma agricultura científica globalizada. Quando a produção agrícola tem uma referência planetária, ela recebe influências daquelas mesmas leis que regem os outros aspectos da produção econômica (Ibidem, pg. 88).
Poderíamos questionar a agricultura moderna no seu papel predador, devoradora do meio ambiente, das águas, dos solos, da biodiversidade. Mas não é esse o caso agora. Falamos de seu papel socialmente predador.
Portanto, em meio a tantos desafios, temos que assumir o caráter dinâmico dos territórios, e qual é nosso “quefazer” – como dizia Paulo Freire – nesse momento da história. Nessa questão, as vitórias nunca são definitivas, nem as derrotas. Os territórios continuarão a ser disputados, conforme a configuração do momento histórico, com seu diversificado jogo de interesses, agora em caráter planetário.
*Articulista do Portal EcoDebate, possui formação em Filosofia, Teologia e Estudos Sociais. Atua na Equipe CPP/CPT do São Francisco.
Referências Bibliográficas.
OLIVIERI, Antônio Carlos. Índios: o Brasil antes do descobrimento. Disponível aqui. Acesso em: 12/08/2013.
SALOMON, Marta. Terra indígena é ameaça, diz Câmara. Disponível aqui. Acesso em: 12/08/2013
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 6ª Ed. Rio de Janeiro. Record, 2001.

domingo, 11 de agosto de 2013

Comitê em Defesa dos Territórios frente à Mineração encontra relator sobre Marco Legal


09/08/2013
http://www.justicanostrilhos.org/sites/default/files/Comit%C3%AA%20minera%C3%A7%C3%A3o.jpgO relator do novo marco regulatório da mineração, em tramitação na Câmara, sinalizou na terça-feira 06 de agosto que não pretende incorporar reivindicações e temas apontados por movimentos sociais em seu parecer. Relator e presidente da comissão especial que debaterá o novo Marco Legal receberam uma delegação do Comitê Nacional em defesa dos Territórios frente à Mineração.
Em entrevista ao ISA, Leonardo Quintão (PMDB-MG) disse que temas como impactos socioambientais, consulta a populações tradicionais e direitos trabalhistas já têm legislação própria e que não pretende inclui-los no relatório sobre o Projeto de Lei (PL) 5.807/2013.
“Já temos leis sobre isso. Não tem como debatermos isso. Esse projeto é muito técnico. Não é um projeto abrangente. Temos no Brasil as leis que devem ser respeitadas e isso o relator, o presidente e os membros da Comissão [Especial-CE] estão abertos a debater”, disse o deputado. “Esse projeto vai tratar de propostas, de projetos da área de mineração. O impacto da mineração é discutido em lei específica por parte do governo.”
Quintão negocia com o Planalto a retirada do regime de urgência do PL. O acordo prevê o fim da urgência, mas uma tramitação rápida. A votação na Câmara seria finalizada até o fim de outubro, a tempo de o projeto ser aprovado pelo Senado até o fim do ano.
Segundo a Agência Câmara, em audiência na Câmara, hoje, o ministro de Minas e Energia, Édison Lobão, disse que a presidenta Dilma dará uma resposta sobre o assunto até amanhã – ela tem a prerrogativa de retirar a urgência do projeto. Questionado por deputados sobre impactos da exploração mineral, Lobão respondeu que a legislação ambiental será contemplada no novo marco regulatório, evitando-se “excessos” que prejudiquem a atividade econômica.
O PL foi enviado pelo Planalto à Câmara em junho e tranca a pauta do plenário desde a segunda (5/8). Os parlamentares tiverem apenas cinco dias para propor emendas. Foram apresentadas 372, sendo mais de 80 do líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ).
http://www.justicanostrilhos.org/sites/default/files/comit%C3%AA%20minera%C3%A7%C3%A3o%20protestos.jpgPressa em aprovar proposta
A pressa em aprovar a proposta é criticada pelo Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, fórum de mais de 140 organizações da sociedade civil (saiba mais). Membros do grupo argumentam que o projeto foi debatido dentro do governo, nos últimos quatro anos, apenas com empresas de mineração, sem a participação de trabalhadores do setor, comunidades atingidas e ambientalistas.
O comitê cobra a inclusão no relatório de questões como a definição de áreas livres de mineração, garantias financeiras para cobrir danos ambientais e direitos de comunidades impactadas, inclusive o de serem consultadas previamente à instalação das minas.
Ontem, integrantes do grupo entregaram a Quintão uma análise do projeto e propostas de emendas. Eles voltaram a fazer denúncias de violações de direitos humanos cometidas por mineradoras.
No encontro, Quintão repetiu que não poderia incluir em seu parecer questões trabalhistas e disse que não sabia como fazer isso em relação a temas ambientais.
O relator e Gabriel Guimarães (PT-MG), presidente da CE que analisa o projeto, destacaram os dois pontos que consideram prioritários na discussão: a criação e fortalecimento da futura Agência Nacional de Mineração e o reajuste, de 2% para 4%, da Contribuição Financeira sobre Exploração Mineral (CFEM).
“Não queremos que se crie no novo Código de Mineração uma legislação paralela específica sobre questões trabalhistas e licenciamento ambiental”, informa Alessandra Cardoso, assessora do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).
“O que queremos é que o texto reconheça que a mineração tem impactos sobre trabalhadores, comunidades e meio ambiente e que ele tenha a capacidade de remeter, de forma clara, para a necessidade de construção de regulamentos, de acordo com a legislação pertinente, que possam regular e mitigar esses impactos”, conclui.
Cardozo acrescenta que a nova lei pode, sim, avançar em algumas questões trabalhistas e socioambientais que não foram bem resolvidas na legislação vigente. Ela cita como exemplo a necessidade de elaborar um zoneamento ecológico-econômico da mineração.
http://www.justicanostrilhos.org/sites/default/files/comit%C3%AA%20minera%C3%A7%C3%A3o%20protestos2.jpgAudiências
Quintão garantiu que vai ouvir os movimentos sociais e pode encaminhar suas recomendações ao governo. Ontem, na primeira reunião da CE, ele aprovou um plano de trabalho que prevê audiências em Brasília e em pelo menos 13 estados para ouvir governos locais, empresas e sociedade civil.
O primeiro encontro será na Câmara, na próxima terça (13/8), com membros do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). No dia 15/8, acontece uma audiência no Pará. Também deverão ser visitados Espírito Santo, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás, Bahia, Pernambuco, Ceará, Maranhão, Amapá e Rondônia.
Cerca de 100 representantes das organizações que integram o comitê protestaram na reunião da CE. Eles participam de um encontro de dois dias, em Brasília. O grupo avaliou como positiva a disposição do relator em dialogar.
Fonte: ISA, 04 de agosto de 2013. Por: Oswaldo Braga de Souza

Um cheque em branco para as mineradoras


09/08/2013
http://www.justicanostrilhos.org/sites/default/files/marco%20minera%C3%A7%C3%A3o%20dilma.gifNo dia 18 de junho foi apresentado o projeto de lei do novo Marco Regulatório da Mineração (PL 5.807/13), em debate no governo federal há cerca de quatro anos. De acordo com o Ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, o objetivo é incentivar o investimento no setor, além de atualizar a legislação em vigor, que remonta a 1967, quando foi sancionado o Código da Mineração, ainda durante o regime militar.
O projeto foi apresentado em regime de urgência constitucional. Ou seja: 45 dias na Câmara mais 45 dias no Senado. Movimentos sociais e entidades do setor da mineração denunciam que o caráter de urgência impossibilita o amplo debate pela sociedade civil. “O momento é favorável para a discussão de muitos temas, inclusive da mineração. Mas o que está em jogo é a riqueza do país para as gerações futuras e a sociedade não teve participação nenhuma no debate do novo marco”, afirma Maria Júlia Gomes de Andrade, militante do Movimento Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração (MAM).
Em conjunto com diversas outras entidades, o MAM compõe o Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, fórum de diálogo e iniciativas comuns entre diversos grupos frente à expansão minerária no Brasil, criado em maio deste ano. O Comitê exige o fim do regime de urgência e que o novo código passe a ser discutido com a sociedade, afetada diariamente pela mineração.
Os principais pontos do novo código são:
Compensação financeira
Entre as principais propostas está a mudança na Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem), tarifa que as empresas exploradoras pagam ao poder público para compensar a retirada dos recursos minerais do território. Essa tarifa incide atualmente sobre o faturamento líquido das empresas, e passará a considerar o valor bruto, o que representa um aumento da arrecadação. A porcentagem da incidência do tributo é variável, de acordo com o minério extraído, e definida por decreto. Atualmente, pode variar de 0 a 3%, e com o novo código pode chegar a 4%.
A pesquisadora e militante Alessandra Cardoso, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), destaca que mudança proposta é positiva, mas abaixo das possibilidades. “Realmente é um ponto positivo do projeto a mudança da base de cálculo da alíquota do Cfem. Os materiais extraídos são de natureza patrimonial, e esse imposto é uma compensação ao Estado pela exploração de um recurso que é bem da União. No entanto, o aumento da arrecadação ainda é muito tímido. Há dois anos, o governo cogitava o valor de 8%, mas recuou em função de lobby”, declara.
A distribuição do Cfem deve ser a mesma: 65% para municípios, 23% para estados e 12% para o governo federal. Alessandra aponta que existe uma concentração do recurso no âmbito municipal, o que desconsidera áreas impactadas que ficam fora destes limites. “A mineração atinge municípios do entorno, além de outros que fazem parte da cadeia de produção, como locais por onde passam trens ou minerodutos. De acordo com a regulação atual, nenhuma das comunidades atingidas recebe compensação e isso deve mudar”, afirma.
O Comitê propõe que a distribuição seja feita sob a perspectiva da cadeia de escoamento, ou seja, avaliando todas as comunidades envolvidas, de acordo com o grau de impacto em cada uma, garantindo que elas recebam uma parte justa da compensação. “Há também a questão do uso do recurso. Os municípios têm menor transparência, diferente do governo federal. Hoje, não sabemos para onde estão indo osroyalties e, quando identificamos, vemos que está sendo gasto com infraestruturas ligadas à mineração, como estradas. Poderiam ser investidos em saúde, educação, saneamento, áreas que de fato dariam retorno àquela população atingida pela mineração”, complementa.
Criação de entidades fiscalizadoras e reguladoras
O documento propõe a criação do Conselho Nacional de Política Mineral (CNPM), que deve auxiliar a presidência na elaboração de políticas para o setor, tratando da questão de forma ampla, como planejamentos a médio e longo prazos, estratégia macro e outros. O atual Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) deve ser substituído pela Agência Nacional de Mineração (ANM), que funcionará como outras agências reguladoras, detalhando processos, definido políticas e normas específicas.
Para Carlos Bittencourt, pesquisador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), a criação dos órgãos deve ser mais debatida. “Estão sendo criadas apenas orientações gerais e quase tudo fica para decretos, a serem feitos pelo Parlamento, presidência ou a agência. O novo código é bem mais enxuto que aquele que está substituindo. Cria um alto índice de arbitrariedade”, explica. Carlos conta que não está especificado o método de participação no Conselho, deixando incerta a participação da sociedade civil nas decisões acerca da política de mineração do país.
Método de Concessão
Outra grande mudança proposta está relacionada à concessão para pesquisa e extração das áreas, que funciona atualmente em regime de prioridade e sem prazo para exploração. O documento exigirá que seja cedida uma autorização, com prazo de 40 anos e possibilidades de renovações de 20 anos. Serão três diferentes formas de concessão: chamamento público, licitação e autorização. As autorizações serão para exploração de minério destinado à construção civil, argila, água mineral e minérios utilizados em correções de solos agrícolas. A licitação será usada nas áreas especiais, que são grandes jazidas ou áreas consideradas estratégicas pelo governo. Já o chamamento público será para áreas que não são estratégicas.
“Não está claro no texto como cada um destes mecanismos vai atuar no processo de requerimento. Teremos o controle da presidência, mas não está claro como será feito este controle. Assim, sobram brechas para que as concessões sejam excessivas”, declara Maria Júlia, integrante do MAM. “A justificativa é pelo crescimento da economia que gira em torno da mineração, para tornar o mercado mais competitivo. Mas isso pode ser perigoso, pois trará mais impactos sociais e ambientais”, afirma Carlos.
Deficiências do novo código
As organizações ligadas ao debate da mineração têm sido excluídas das discussões do texto desde o início, de acordo com denúncias das próprias entidades.
“Estamos impressionados com o nível de centralização das decisões propostas no novo texto. O governo não quis fazer um debate público, fez em sigilo e, quando apresentou o documento, já o fez em regime de urgência. O código do regime militar era menos centralizador que esse. Nos parece uma contradição”, denuncia Carlos.
O Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração afirma que, por ser tratar de riquezas naturais, ou seja, recursos não renováveis, deve-se ter maior cuidado com as questões sociais e ambientais envolvidas. “Devemos ter um debate complexo sobre o projeto, o texto tem uma série de lacunas. Não apresenta, por exemplo, a questão ambiental. Trata o tema apenas como algo que deve ser recuperado, e do ponto de vista estrutural não há como recuperar. Deve-se ter uma política de contenção de danos, prevenção”, detalha Maria Júlia. Ela afirma ainda que o documento não trata de questões sociais, como o relacionamento com as comunidades atingidas. “O código é desumano, produtivista”, completa.
Embate dos movimentos
O Comitê realiza um encontro nacional com diversas entidades de todo o país, desde a quarta-feira (7), para debater o projeto. Até a sexta-feira (9), mais de 120 pessoas, representantes de comunidades quilombolas, sindicatos, camponeses, ONGs se reúnem em Brasília (DF). Um dos objetivos do encontro é tentar derrubar o caráter de urgência do projeto de lei. “Apresentamos os pontos principais que criticamos e outros que consideramos que devam ser incluídos para o presidente e o relator da comissão especial do governo que discute o projeto. Achamos que a pressão da sociedade tem surtido efeito. Esse é um tema que eles vão ter que levar com mais pressão para o Planalto. Temos boa chance de conseguir vitoria parcial”, afirma Alessandra Cardoso.
Nesta quinta-feira (8), a presidenta Dilma Rousseff autorizou a liderança do PT na Câmara dos Deputados a aceitar, se necessário, acordo para a retirada do regime de urgência no qual tramita o novo código da mineração, segundo declarou o senador Wellington Dias (PT-PI).
Documento revela ligações financeiras entre políticos e mineradoras
Na segunda-feira (5), foi publicado o documento intitulado “Quem é quem nas discussões do novo código da mineração”, de Clarissa Reis Oliveira. Dados de financiamento das campanhas de diversos atores políticos envolvidos no debate são apresentados no documento. A publicação é uma tentativa de revelar os vínculos entre os políticos eleitos e as empresas mineradoras, pois estas investem grandes valores nas campanhas eleitorais.
Um exemplo é o do redator da Comissão Especial que debate o código, deputado federal Leonardo Quintão (PMDB-MG). Cerca de 20% do total do financiamento eleitoral do deputado foi doado por mineradoras.
O pesquisador Carlos Bittencourt explica que durante a criação do Comitê pensou-se na necessidade de auxiliar na construção de uma política frente ao novo código e a forma como estava sendo elaborado, sem os movimentos. Foram pesquisados dados públicos, sistematizados e publicados. “Quando um juiz vai julgar uma causa na qual ele está pessoalmente envolvido, ele é retirado do caso. No caso do Leonardo Quintão, o mínimo seria exigir que ele não pudesse legislar em uma campanha que vai afetar diretamente as empresas financiadoras de sua campanha”, declara Carlos.
Fonte: Brasil de Fato, por Maíra Gomes, 08 de agosto de 2013