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Homem simples e comum: procuro ser gentil com as pessoas, amigo dos meus amigos e bondoso com a minha família. Sou apaixonado por filmes, internet, livros, futebol e música. Estou tentando sempre equilibrar corpo e mente, manter-me informado das notícias a nível mundial, ministrar aulas de geografia em paralelo às pesquisas acadêmicas que desenvolvo e, no meio de tudo isso, tento achar tempo para o lazer e o namoro. Profissionalmente,sou geógrafo e professor de Geografia no Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Instituto Federal do Maranhão (IFMA ­ Campus Avançado Porto Franco) e Doutorando em Geografia Humana na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Membro do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA) e do Núcleo de Estudos do Pensamento Socialista Pesquisa do Sindicalismo (NEPS), ambos da UFMA. Participo da Rede Justiça nos Trilhos.

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

A sorte da Samarco num país onde tudo é possível

O advogado Fellipe Simões Duarte, especialista em Direito Ambiental e Membro da Comissão do Meio Ambiente da OAB/MG, afirma que os processos contra a Samarco estão caminhando a passos lentos porque a burocratização atrapalha bastante o andar da Justiça brasileira. Para sua maior lerdeza, foi suspenso o processo criminal contra as 21 pessoas acusadas de homicídio com dolo eventual porque os advogados dos réus alegaram terem sido utilizadas provas ilícitas.
Por Luciana Gaffrée para Combate Racismo Ambiental
A Samarco, a Vale e a BHP Billiton são acusadas de vários crimes nas esferas criminal, civil e administrativa, devido à maior tragédia ambiental do Brasil, o rompimento da barragem do Fundão (MG), em 5 de novembro do ano passado.
O Ministério Público Federal de Minas Gerais denunciou 21 pessoas acusadas de homicídio com dolo eventual. Emanuely Vitória, de 5 anos e Thiago Damasceno Santos, de 7 anos, são duas das 19 vítimas soterradas pela lama.
Os rejeitos não só mataram crianças, adultos e idosos, mas também cerca de 1 trilhão de organismos vivos. Além disso, eliminaram do mapa o distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, destruindo a história e as memórias dos sobreviventes, expulsos de suas terras e com suas vidas radicalmente alteradas.
Foram 600 quilômetros de destruição tangível e intangível. Relatórios da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) informam sobre as consequências atuais deste desastre ambiental, entre elas os níveis de metais apresentando concentrações superiores aos valores permitidos pela legislação ambiental e a massa de rejeito presente na calha dos rios disponibilizando contaminantes para o meio ambiente por muito tempo ainda. Para ter acesso aos relatórios, clique aqui.
Para o advogado Fellipe Simões Duarte o juiz, ao suspender o processo criminal contra as 21 pessoas acusadas de homicídio com dolo eventual, agiu com cautela, mandando oficiar às companhias telefônicas para apurarem se efetivamente houve escuta telefônica ilícita. Se forem ilícitas, deverão ser desconsideradas.
Entretanto, o advogado alerta para o fato de que se forem as principais provas, ao serem desconsideradas, poderão gerar uma anulação de todo o processo.
Se por um lado ninguém quer a anulação do processo por homicídio doloso, pois 19 pessoas morreram, entre elas duas crianças, por outro a Constituição Federal diz que são inadmissíveis quaisquer provas ilícitas. Vale lembrar que nenhum juiz deve jamais se colocar acima da Constituição, pontualizou o advogado.
A lentidão jurídica continua e, com relação à responsabilidade administrativa, não é diferente. O advogado explica que a Samarco terá que pagar multas, mas recorrerá da decisão e isso poderá levar outro bom tempo.
Como não poderia ser de outra forma, também na esfera da responsabilidade civil a coisa anda a passos de tartaruga. Há um acordo preliminar, porém como é um processo muito complexo, onde o prejuízo é difícil de ser calculado, porque o dano ambiental não afeta só o meio ambiente, mas também pessoas, empresas, deixando uma pegada quase incomensurável, como mensurar efetivamente qual o tamanho do dano ambiental? Sendo assim, este processo também está prorrogado, com prazo em aberto.
Soma-se a isso uma justiça muito lenta, onde um processo simples não demora menos de três anos e um processo como este, não sendo anulado, quem sabe não durará uns dez anos ou até mais?  Sorte para a Samarco, que terá todo o tempo do mundo para tomar as providências compensatórias cabíveis.
É óbvio que os advogados da Samarco vão se utilizar de todos os meios legais para esticar ao máximo o processo. A lei o permite. Lentidão gera impunidade. Portanto, o que se precisa é de uma justiça mais efetiva, com julgamentos mais rápidos, afirma o advogado.
Tem chance de acabar em pizza? Tem chance. Afinal, no Brasil tudo é possível.
Para o advogado Fellipe Simões Duarte, as leis de proteção ao meio ambiente no país estão sofrendo um rápido retrocesso, onde protegê-lo significa caminhar em passos lentos.
E quando se busca desburocratizar o processo, não é para proteger o meio ambiente, mas para facilitar a obtenção do licenciamento.  Cada vez mais o Brasil afrouxa os procedimentos ambientais para garantir investimentos.
*Luciana Gaffrée é jornalista, formada pela Universidade da República do Uruguai. Mora em Montevidéu, Uruguai.

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Idoso morre atropelado pelo trem em Açailândia

Por Mikaell Carvalho, Justiça nos Trilhos
Na tarde da segunda-feira (14), o agricultor José Raimundo Filho, de 75 anos, foi atropelado por um dos trens de carga da mineradora Vale S.A. O acidente ocorreu num ponto da Estrada de Ferro Carajás (EFC), próximo ao bairro de Piquiá de Baixo, no município de Açailândia (MA).
José, também conhecido como “Zeca Pau”, estava voltando de bicicleta da sua roça, com um saco de feijão colhido naquele dia, quando foi atingido pelo trem. Esse era o trajeto feito diariamente pelo agricultor, que sempre teve que passar por cima da linha férrea para chegar as suas plantações, por falta de uma passagem segura que lhe permitisse fazer o trajeto com a segurança necessária.
Os trens de carga da mineradora Vale que percorrem a EFC são os maiores do mundo, com 330 vagões que percorrem os quase 900 quilômetros da ferrovia, atravessando 27 municípios no Pará e Maranhão e mais de 100 comunidades. A falta ou precariedade de vias seguras para o atravessamento da população obriga moradores a fazerem a travessia por cima da linha férrea em locais perigosos.
Desde a saída das minas em Carajás, no estado do Pará até a chegada ao porto da Ponta da Madeira, no litoral do Maranhão, o trem traz consigo, além do minério de ferro, o barulho, a poeira, as trepidações, as rachaduras nas casas e em muitos casos nega o direito de ir vir das pessoas que residem nas comunidades próximas a EFC.
O ponto onde o agricultor foi encontrado fica logo após uma curva, onde não se pode ver o trem se aproximando. Moradores locais relataram que é de costume ouvir a buzina do trem, que deveria anunciar a sua passagem, sendo acionada depois que é feita a curva, impossibilitando a prevenção de acidentes.
Segundo dados da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), de 2004 a 2016 foram registrados oficialmente 124 acidentes na EFC dentre abalroamentos, atropelamentos e colisões. Esses acidentes ocasionaram a morte de 26 pessoas e deixaram 70 feridos. A maioria dos casos foram de atropelamentos (73) e 45 desses acidentes ocorreram em passagens de nível (quando a passagem se dá pela mesma via onde o trem passa), com 21 feridos e 8 óbitos. Esses dados são baseados em relatórios fornecidos pela própria empresa Vale.
A ANTT não leva em consideração os relatos das comunidades referentes a atropelamentos de pessoas e animais o que pode significar um subdimensionamento destes números. Também, em muitos destes casos, não é instaurado um Inquérito Policial para apurar a responsabilidade criminal pelos fatos restando às famílias das vítimas acionar a via judicial para garantir, ao menos, a responsabilização civil da empresa Vale S.A, que opera a EFC.
Outros casos
O caso do agricultor Zeca Pau se soma a outros que já ocorreram este ano e que têm sido motivo constante de reclamações, denúncias e manifestações das comunidades ao longo da EFC. Recentemente, cinco comunidades da zona rural de Arari (MA) interditaram por 9h a Estrada de Ferro Carajás em protesto contra a falta de travessias seguras. No mesmo local onde ocorreu o protesto já havia acontecido um atropelamento em 28 de janeiro.
Em 13 de março, duas pessoas se feriram quando tentavam atravessar a ferrovia Carajás, no município de Alto Alegre do Pindaré (MA). Um trem da empresa Vale encontrava-se estacionado nas proximidades, quando uma mulher que carregava seu filho bebê atravessava a via por debaixo do trem, que nesse momento deu partida, sem qualquer aviso prévio, atingindo os dois. No acidente ocorrido entre as Vilas Fufuca e Davi, a mãe perdeu dois dedos e a criança teve um dos braços amputado.
A Estrada de Ferro Carajás corta 24 municípios maranhenses e causa inúmeros transtornos à população que reside ao longo da via-férrea. Segundo um levantamento feito pela rede Justiça nos Trilhos junto às comunidades ao longo da EFC, houve uma média de oito atropelamentos por ano, entre 2006 e 2013. O ano de 2007 registrou o maior número de casos, no total, 23 pessoas morreram atropeladas por trens operados pela Vale, no corredor de Carajás.
Ano passado, a empresa Vale foi condenada a pagar indenização por danos morais à família de um homem morto em 2009 num acidente envolvendo um dos trens da empresa, no Povoado de Olho D’água dos Carneiros, em Santa Inês.
A rede Justiça nos Trilhos (JnT) atualmente acompanha e assessora juridicamente vítimas e familiares de vítimas de atropelamentos e abalroamentos na EFC, em cinco casos que apontam para a omissão da empresa em realizar medidas de segurança aptas a garantir o atravessamento seguro das pessoas que residem próximo a linha férrea. Os casos se referem a quatro municípios distintos, mas com a mesma problemática e o objetivo é buscar a reparação dos danos materiais e morais causados pela empresa em virtude de suas operações e a sua devida responsabilização. Há ainda desde 2015, uma Ação Civil Pública, proposta pela JnT e o Ministério Público Federal, contra Vale e a ANTT que tem como objetivo obrigar a empresa a tomar todas as medidas de prevenção em todo o estado do Maranhão


domingo, 13 de agosto de 2017

Samarco pagou só 1% do valor de multas ambientais por tragédia de Mariana


Ibama e governos de MG e ES aplicaram 68 multas, que totalizam 552 milhões de reais; Apenas a entrada de uma, parcelada em 59 vezes, foi paga. Empresa recorre das outras
Por Talita Bedinelli, El País Brasil
A tragédia de Mariana, que deixou 19 mortos e um rastro de lama e destruição ao longo de 600 quilômetros entre Minas Gerais e Espírito Santo, completará dois anos em novembro. Mas, até agora, as principais multas impostas pelos órgãos ambientais dos governos federal e dos dois Estados afetados à mineradora Samarco, dona da barragem que se rompeu, ainda não foram pagas. Das 68 penalidades, que totalizam quase 552 milhões de reais, 67 estão em fase de recurso. Apenas uma, parcelada em 59 vezes, começou a ser quitada: o valor corresponde a 1% do total.
Levantamento do EL PAÍS junto ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) aponta que o órgão federal aplicou 24 autos de infração à mineradora por motivos ligados ao rompimento da barragem de Fundão, em Mariana. A Samarco recorreu de todos: 22 ainda estão na primeira instância administrativa do órgão e outros dois na segunda; se perder nas duas instâncias, a empresa ainda pode recorrer à Justiça, somando suas penalidades à longa lista de multas do Ibama ainda não pagas devido ao grande número de recursos disponíveis.
Segundo o Ibama, o total de penalidades aplicadas pelo órgão federal à Samarco totaliza 344,85 milhões de reais. A última delas é de fevereiro deste ano, com data de vencimento em março, segundo o auto de infração, que explica que a penalidade se deve ao fato de a mineradora deixar de atender a exigências legais após ser notificada pelas autoridades. Foi a quarta multa aplicada em 2017 relacionada ao rompimento da barragem, por situações que incluem, por exemplo, a entrega em desconformidade do que foi fixado pelo Ibama em um programa de busca e resgate de fauna afetada pela lama.
A situação não é diferente nos órgãos ambientais estaduais, que aplicam sanções adicionais às do Ibama. Dados da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD) de Minas Gerais apontam que desde o desastre foram aplicadas 38 multas à mineradora, totalizando 205,86 milhões de reais. Destas, 37 estão em fase de recurso. Só uma, a primeira, aplicada logo em novembro de 2015 e chamada pelo órgão de “multão” por se referir ao rompimento da barragem em si, começou a ser paga. O valor original era de 112,7 milhões, que acabou atualizado para 127,6 milhões. A Samarco parcelou a dívida em uma entrada de 6,38 milhões —o único valor pago do total das multas aplicadas pelos dois órgãos até agora— e outras 59 parcelas que, em média, custarão dois milhões de reais cada. Apenas para efeito de comparação, o lucro líquido de uma das donas da mineradora, a Vale, foi de 7,89 bilhões de reais nos três primeiros meses deste ano, um valor 25% maior que o mesmo período de 2016.
No Espírito Santo, todas as seis multas aplicadas pelo Governo estão em fase de recurso. Elas totalizam cerca de 1,25 milhão de reais, segundo o secretário de Meio Ambiente, Aladim Cerqueira. “Nenhuma até agora foi paga. A empresa entrou com recurso. Essa questão dos prazos [para o pagamento de multas] é algo estrutural, de muito tempo. Reconhecemos que temos que melhorar o sistema e estamos investindo nisso”, afirma ele, que aponta processos na secretaria que estão tramitando há cinco anos. Ele ressalta, entretanto, que apesar da demora, as empresas multadas costumam sanar a situação flagrada. No caso da Samarco, ressalta ele, foi feito um acordo para que sejam implementados programas para diminuir os danos provocados.
A Samarco afirma que recorre das multas por entender que “há aspectos técnicos e jurídicos nas decisões que precisam ser reavaliados e, por isso, aguarda a decisão administrativa das defesas apresentadas”. A empresa afirmou, ainda, que em 2016 aplicou dois bilhões de reais nas ações de reparação e compensação assumidas em um Termo de Transação de Ajustamento de Conduta (TTAC), firmado em 2016 com os governos federal, de Minas Gerais e do Espírito Santo. “Outros investimentos continuam sendo feitos pela Fundação Renova, entidade sem fins lucrativos que assumiu em agosto de 2016 a responsabilidade de implementar todos os programas do TTAC”.

Morosidade das punições

O não pagamento das multas é mais um exemplo de como o desastre tem sido punido a passos lentos. O processo criminal, que pode levar para a cadeia diretores da Samarco e de suas proprietárias, a Vale e a BHP Biliton, foi paralisado pela Justiça federal, para a análise de um pedido da defesa que argumenta que houve o uso de provas ilegais no processo. Segundo o juiz do caso, que deferiu a suspensão, as alegações da defesa, se comprovadas, podem acabar por cancelar o processo, levando-o à estaca zero. A ação criminal julga a denúncia do Ministério Público Federal, que acusou a Samarco, a Vale, a BHP Billiton e 21 diretores das três empresas por suspeita de homicídio com dolo eventual (quando se assume o risco de matar), inundação, desabamento, lesões corporais graves e crimes ambientais em decorrência da tragédia.
Dois destes diretores — o ex-presidente da Samarco Ricardo Vescovi e o ex-diretor de operações da mineradora Kleber Terra— alegaram à Justiça que a investigação usou informações de grampos telefônicos coletadas fora do período autorizado pela Justiça. O processo está suspenso até que as companhias telefônicas informem o período exato de coleta das informações. O procurador-geral da República Eduardo Aguiar nega que os grampos duraram para além do prazo autorizado e diz que a confusão de datas pode se dever à demora na notificação da Justiça às companhias telefônicas para o início da interceptação telefônica, cujo prazo de vigência é de 15 dias.
Aguiar é um dos oito procuradores da força-tarefa montada pelo MPF para investigar o desastre da barragem de Fundão. Eles também são responsáveis pela ação civil pública movida contra a empresa, que pode gerar um ressarcimento estimado em 155 bilhões em compensações. Ela também está parada para a confecção dos termos do acordo, planejado para sair em outubro, véspera do segundo aniversário da tragédia —ele é negociado há pelo menos um ano.
Também foram temporariamente suspensas na Justiça comum de Minas Gerais, em julho, milhares de ações judiciais contra a Samarco de pessoas que afirmam terem sido afetadas pelo rompimento da barragem para que o Judiciário analise um pedido da empresa. A mineradora quer que a Justiça aplique uma medida chamada de Incidente de Demanda Repetitiva nos processos, o que faria com que todas as causas tenham a mesma solução, independentemente da demanda. Segundo afirmou ao site G1 a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Governador Valadares, onde estão 50.000 processos parados, a medida já foi adotada no Espírito Santo e o valor estabelecido para as indenizações foi de 1.000 reais. A Samarco afirma que não vai comentar sobre as ações na Justiça.
Foto: Corpo de Bombeiros/MG

A Samarco, a justiça brasileira e a nudez em praça pública


Por Thiago Alves*, do MAB
A semana começou com o noticiário nacional sendo surpreendido pela informação de que Jacques de Queirós Ferreira, juiz federal na mineira Ponte Nova, acatou o argumento da defesa dos dirigentes da Samarco Mineração S.A à época do rompimento da barragem de Fundão, em 5 novembro de 2015, e suspendeu o processo criminal referente à tragédia.
A decisão beneficiou, além do presidente atualmente afastado da Samarco, Ricardo Vescovi de Aragão, o diretor de Operações e Infraestrutura, Kleber Luiz de Mendonça Terra, três gerentes operacionais da empresa, 11 integrantes do Conselho de Administração da Samarco e cinco representantes das empresas Vale e BHP Billiton na governança da empresa que respondem na ação penal por dolo eventual.
O argumento utilizado pela defesa e acolhido pelo juiz federal é que as escutas telefônicas foram utilizadas de forma ilícita. Na decisão, Jacques argumenta que a Polícia Federal teria “desrespeitado a intimidade dos acusados” ao realizar os grampos. O Ministério Público Federal (MPF) nega ter usado o conteúdo apontado como ilícito.
Não adianta entrar pelo labirinto dos argumentos jurídicos. Como “torre de vigia” da classe dominante, o direito e o poder judiciário existem na sociedade de classes para garantir privilégios de quem detêm o poder, legitimar o discurso da dita “necessária ordem social” que, em tempos de Golpe de Estado e retirada de direitos, não passa de desordem imposta pela violência do Estado e das quadrilhas empresarias instaladas nele.
Este mesmo argumento foi utilizado para anular importantes investigações no país como as deflagradas pelas operações Castelo de Areia e Satiagraha, que já denunciavam o conluio e a corrupção historicamente conhecidas entre banqueiros, empreiteiros e políticos no Brasil.
Por claras razões políticas, as operações foram anuladas, delegados suspensos ou demitidos e juízes punidos ou processados. Alguns anos depois, começava a Operação Lava Jato investigando os mesmos crimes. Apesar de usar métodos parecidos e sendo acusada de várias irregularidades, a Lava jato continua sendo usada como instrumento político-partidário demostrando, claramente, como a “Justiça” atua com dois pesos e duas medidas.
Antes de argumentos, gostaria de convidar o juiz federal Jacques de Queirós para visitar as famílias atingidas. Dar um passeio nas cidades vizinhas à sua Ponte Nova. Pode vir por asfalto mesmo até Barra Longa, que já pertenceu ao seu município. Levo-o na casa da dona Geralda Maria Bento, uma idosa de 78 anos que está sem casa desde o rompimento. Junto com integrantes das 9 famílias do distrito de Gesteira, aguarda pelo reassentamento que as duas maiores mineradoras do mundo foram incapazes de sequer apresentar estudos decentes para a construção.
Ainda em Barra Longa posso apresentá-lo ao Riso, cuja casa ainda cheia de lama está cercada por tapumes para não “estragar” a reforma feita pela Samarco no centro da cidade. Exercendo o direito de mexer no próprio lar destruído, Riso está retirando por conta própria a lama deixada pela empresa. Ao fazer isto, leva os rejeitos novamente à praça. E a poeira e o mau cheiro voltam a perturbar os vizinhos atingidos.
Também podemos mostrá-lo o caso de Eva, moradora da beira do rio Carmo que teve sua casa completamente devastada. Foram meses até as obras de sua nova casa começarem, outros meses de avaliação do andamento e já são mais meses de paralisação total. Ela não sabe quando volta com o marido, a filha e neta para onde moravam. Com grave problema nas pernas, olha através da janela da casa alugada todo o movimento de trabalhadores e caminhões e se pergunta quando o trabalho de tanta gente vai devolver sua vida.
O juiz pode vir em carro oficial do poder judiciário, já que estaria vistoriando a cena do crime para entender melhor o caso e ter condições de julgar com mais tranquilidade. Daria para visitar muitas pessoas em Barra Longa e Mariana que estão sem casa e cuja lista não cabe neste texto.
Moram de aluguel em casas que não gostam, que não tem espaço para os filhos e netos, sem quintal ou lugar para plantar, que a cozinha é pequena, que tem escadas, etc. E muitos destes ainda são obrigados a sofrer com os preconceitos existentes em uma sociedade atrasada e ignorante, que é manipulada para o interesse das empresas criminosas.
Se vamos falar de intimidade, falemos primeiramente destas pessoas. Todos estes atingidos e suas famílias estão sem moradia há quase dois anos. E não há previsão para o retorno. Estão nus em praça pública. Alguém fora do seu lar, do seu espaço, da sua convivência originária, dos seus utensílios, muitos de profunda estimação, à mercê de um contrato de aluguel, do humor de proprietários, da boa vontade da Samarco em pagar em dia o que ela assumiu… estão nus, com a intimidade moral e psicológica exposta diante de quem quiser ver.
Quem vai responder por este crime? Até quando a Justiça será rápida em atender os criminosos e paralisada para garantir os direitos das vítimas? Até quando os acordos judiciais servirão apenas para dar mais poder a quem deveria estar preso? Como diz um atuante atingido de Barra Longa: “o Brasil está à deriva e jogaram o leme ao mar”. Em meio a este desalento e descrença, a única saída é a organização pela base e a luta de massas, como reafirma o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) em sua nota oficial.
Está difícil de acreditar em martelos de juízes. O único martelo que está fazendo a diferença é o que simboliza a luta dos trabalhadores e atingidos e atingidas do campo e da cidade que devem permanecer reunidos e em luta, que é a única maneira de garantir os direitos e a intimidade ainda não devolvida. Excelentíssimo Jacques Queirós Ferreira, os atingidos pela Samarco aguardam sua visita!
*Thiago Alves é jornalista e militante do MAB.
Imagem: Bento Rodrigues, destruída no crime cometido pela Samarco / Foto: Daniela Fichino