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São Luís, Maranhão, Brazil
Homem simples e comum: procuro ser gentil com as pessoas, amigo dos meus amigos e bondoso com a minha família. Sou apaixonado por filmes, internet, livros, futebol e música. Estou tentando sempre equilibrar corpo e mente, manter-me informado das notícias a nível mundial, ministrar aulas de geografia em paralelo às pesquisas acadêmicas que desenvolvo e, no meio de tudo isso, tento achar tempo para o lazer e o namoro. Profissionalmente,sou geógrafo e professor de Geografia no Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Instituto Federal do Maranhão (IFMA ­ Campus Avançado Porto Franco) e Doutorando em Geografia Humana na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Membro do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA) e do Núcleo de Estudos do Pensamento Socialista Pesquisa do Sindicalismo (NEPS), ambos da UFMA. Participo da Rede Justiça nos Trilhos.

terça-feira, 21 de julho de 2015

Canibalismo: O Maranhão que adota métodos de terror do Estado Islâmico, por Leonardo Sakamoto

Ronalton, que havia sido preso por assalto, foi desossado. Separaram pés, mãos, vísceras, coração, rins, fígado e seus pedaços foram colocados em sacolas. Cozinhado na água com sal para evitar o mau cheiro, teve alguns órgãos comidos em rituais pelos próprios presos e o restante jogado no lixo em sacolas. Quando o advogado conseguiu um alvará de soltura, havia literalmente desaparecido.
O relato – que mais parece conto de terror e está em matéria de Marcelo Sperandio, na revista Época – foi dado por um funcionário do setor de inteligência da Secretaria de Segurança Pública do Maranhão à CPI do Sistema Carcerário da Câmara dos Deputados.
Já o resto de Rafael, preso por homicídio qualificado, foi encontrado, também desossado, em pedaços dentro de um saco plástico. Não encontraram seu crânio, nem a pele do rosto. Mas o couro cabeludo, pés, órgãos genitais. O funcionário mostrou fotos que do que restou do corpo à CPI.
O local do suposto canibalismo não poderia ser outro além do Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís, onde, provavelmente, fica um dos sete portais do Inferno.
O complexo acumula dezenas de mortes violentas, decapitações, esfolamentos e mulheres entregues para serem estupradas a fim de garantir a segurança de seus familiares presos. De lá de dentro, presos já mandaram incendiar ônibus na capital, com passageiros queimando até a morte. Segundo a matéria, o funcionário informou que os casos de canibalismo teriam sido abafados pelo antigo secretário.
Herdada pelo governador Flávio Dino, que agora tem o dever de desarmá-la, a bomba foi construída ao longo de seguidas administrações da família Sarney e amigos no Estado.
Decapitar e comer pessoas, estuprar parentes de presos, atear fogos em passageiros parecem atos de pessoas fora de si, mas há uma ação racional por trás de ações ou relatos: demonstrar força para outros grupos ou facções em disputas de poder, questionar a capacidade do poder público para punir, controlar a população que está em seu território de influência, ganhar aquela parte da mídia que divulga fatos de forma acrítica em nome da audiência.
De certa forma, o que aconteceu em Pedrinhas assemelhava-se às práticas dos assassinos do grupo terrorista Estado Islâmico. A publicidade, interna e externa, de seus feitos ajudam no controle da população e a afastar os inimigos. Narrativas de terror não precisam ser todas verdadeiras. Precisam que as pessoas acreditem nelas para funcionar – e tanto facções criminosas quanto o EI são bons nisso.
A penitenciária de Pedrinhas se tornou terra de ninguém, um depósito superlotado de gente, juntando presos de facções criminosas rivais no mesmo espaço. Não consigo acreditar nas justificativas do poder público dadas no ano passado de que isso era uma reação às suas políticas de segurança. Pelo contrário, isso é consequência de sua incapacidade de dar respostas.
O Maranhão se acostumou a ser um Estado seletivo: presente para garantir a qualidade de vida de alguns poucos em detrimento da maioria da população. Prova disso é que apresentava a menor expectativa de vida na média de homens e mulheres (68,6 anos) de acordo com dados divulgados pelo IBGE – cinco anos abaixo da média nacional (73,76). E possuía a segunda pior taxa de mortalidade infantil do país, apenas atrás de Alagoas, com 29 crianças com menos de um ano mortas para cada mil nascidas vivas. A média nacional era de 16,7 para 1000. E as três piores cidades em renda per capita pertenciam ao Maranhão, de acordo com o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal.
O Maranhão, sob o domínio dos Sarney por décadas, não só permaneceu nas piores posições nos indicadores sociais, mas também viu suas terras serem desmatadas e poluídas, latifúndios crescerem, trabalhadores serem escravizados e assassinados, comunidades tradicionais serem ameaçadas e expulsas, a educação ser sucateada, os meios de comunicação ficarem concentrados nas mãos de poucos políticos.
Isso é assustador, considerando que o Maranhão é um Estado rico. Possui jazidas minerais e gás natural. Água doce em abundância. Partes de seu território estão na Amazônia e no Cerrado. Tem localização privilegiada, com um porto mais próximo dos Estados Unidos e da União Europeia do que os do Sul e Sudeste.
Por que então não foram construídos e finalizados outros presídios antes? Por que a polícia não foi realmente empoderada para investigar crimes e o sistema penitenciário para gerir aquele portal do Inferno? Por que recursos não foram gastos na implementação de políticas públicas de segurança, mas também de educação, saúde, transporte, cultura, habitação, alimentação…?
Os relatos violentos de Pedrinhas, tratados de forma crítica e não pelo sensacionalismo espreme-que-sai-sangue são fundamentais para que nos lembremos que são pessoas os seres depositados nesses ambientes insalubres. Eles têm contas a prestar com a sociedade mas, de acordo com a legislação, isso não inclui serem devorados.
Nós, jornalistas, temos nossa parcela de culpa no processo desumanização dos presos através das histórias que contamos de forma incompleta e sensacionalista, visando a audiência. Ajudamos a desconectar os presídios do restante do tecido social, tornando-os uma espécie de limbo para onde vai quem atentou contra a sociedade. E o que acontece no limbo, fica no limbo mesmo. Afinal de contas, foram eles que pediram isso, não?
O problema é que não fica. E o ódio gestado nos outros presos durante esse processo bisonho de “ressocialização”, por tudo o que viram e viveram, será levado para fora quando retornarem ao convívio social. E quem vai sofrer não são os governantes, mas a população que não tinha nada a ver com a história.
A assessoria de comunicação do governo do Estado do Maranhão entrou em contato com o blog após a publicação do post para informar que não houve mais rebeliões durante a gestão Flávio Dino. E que ,de janeiro a junho, o número de mortes caíram 64% e o de fugas, 70%, em comparação ao mesmo período do ano passado. Ações para melhorar a estrutura do presídio e para humanizá-lo, o que inclui educação para, até agora, 130 presos e melhoria do serviço médico, foram implementadas.
***
E por falar em Maranhão: No dia 5 de março desde ano, este blog publicou um questionamento ao governador Flávio Dino (PC do B) sobre a indicação de Camilo Figueiredo, ex-deputado estadual que era sócio em uma empresa agropecuária flagrada com trabalho análogo ao de escravo, como assessor especial da Casa Civil do governo do Estado do Maranhão.
Dino havia assinado, durante a campanha eleitoral, a Carta-Compromisso contra o Trabalho Escravo, iniciativa da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho escravo (Conatrae), assegurando que não teria pessoas em cargos de confiança com esse histórico.
A Secretaria de Estado de Comunicação Social informou, na época, que Camilo Figueiredo foi nomeado “após análise de todos os requisitos legais”. E que “não foi verificado qualquer impedimento previsto em lei”. E a nota encerra afirmando que Flavio Dino reitera os termos da Carta-Compromisso contra o Trabalho Escravo.
O frei Xavier Plassat, coordenador da campanha de combate ao trabalho escravo da Comissão Pastoral da Terra, uma das entidades mais importantes no combate a esse crime nacionalmente, considerou que a indicação violou o compromisso. A resposta, do meu ponto de vista, realmente foi insuficiente para um governo que diz querer mudar o Maranhão.
Depois disso, o silêncio.


Afonso Cunha respira ares de desleixo e resignação

Imagem: Reprodução do Blog O Quarto Poder.
A vida é cheia desses casos. Casos que levam a nada. As portas compõem um caso a parte em Afonso Cunha. Elas não são centrais para qualquer analise sobre a realidade do município. Duvida-se que haja análises sérias sobre o município de Afonso Cunha. Já que é bastante provável que não haja análises sérias sobre qualquer assunto em Afonso Cunha, poderia se pensar, então, uma análise dos cotidianos urbano e rural desse município a partir da observação das portas e das casas.
As portas, em Afonso Cunha, “respiram” um ar de desleixo e de resignação. Elas não respiram, alguém diria. Um dia respiraram, mas cortaram as árvores de algum lugar e fizeram delas portas. Tudo bem. Contudo, a frase é apropriada para expressar uma sensação que atravessou a mente após alguns minutos de observação das casas que se encontravam fechadas no centro de Afonso Cunha.
Aguardava-se o almoço para seis pessoas num restaurante pequeno. Um restaurante que divide espaço com um posto de combustível que não funciona. Havia um sétimo componente no grupo. O rapaz da moto largou os demais assim que eles voltaram da Chapada. Nem esperou pelo almoço. O Lindomar, diretor do STTR de Afonso Cunha, também não estava muito a fim de almoçar com a rapaziada. Queria almoçar em casa com a esposa. Aceitou o convite e comeu carne de sol paga pelo vereador Manim, município de Chapadinha. Na mesa, a conversa rolou mais tranquila.
Na Chapada, a conversa transcorreu de forma mais tensa, especialmente, no momento em que entraram na carvoaria da FW Reflorestamento que queimava as árvores nativas das Chapadas das Veredas e do São Gonçalo. A reação dos funcionários da carvoaria, depois de responderem algumas perguntas, foi de aumentar os tons de voz como forma de demonstrarem suas irritações com aquelas pessoas que apareceram do nada.
Todos sentiram um pouco de medo, para não escrever muito medo. Depois, numa conversa rápida na comunidade de São Pedro, o rapaz admitiu seu medo ainda mais por já ter visto os funcionários da carvoaria em Afonso Cunha.
Imagem: Reprodução do Blog O Quarto Poder


terça-feira, 14 de julho de 2015

Rosiane Cardoso, pescadora do Maranhão, denuncia na ONU as violações cometidas pela Vale

Imagem: Reprodução da Justiça Global.
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Rosiane Cardoso, membro de uma comunidade pesqueira do Maranhão afetada pela Vale, denunciou as violações cometidas pela mineradora na reunião do Grupo de Trabalho sobre o Tratado no âmbito do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. Leia o pronunciamento:
“Bom dia
Falo pela organização Amigos da Terra Internacional e pela Campanha para desmantelar o poder corporativo.
Sou pescadora, moro numa comunidade tradicional pesqueira diretamente afetada pela empresa Vale, no povoado Sitio do Meio 2, no município de Santa Rita, no estado do Maranhão, Brasil.
Vivemos diretamente da pesca, e somos afetados pela empresa desde o inicio da extração de minério de ferro ha 30 anos.
La nós temos nossos direitos violados.
O direito de ir e vir, porque a ferrovia de Carajás, que leva o minério do estado do Pará para o porto de Itaqui, na cidade de São Luis do Maranhão, passa no meio do nosso povoado, nos impedindo, assim, de atravessar a tempo de levarmos o nosso pescado para vender na cidade.
Direito de produzir nosso alimento, pois, na obra de duplicação da linha de trem de Carajás, a empresa já aterrou 15 lagos, onde pescávamos.
Lá não somos visibilizados.
A empresa fez o estudo para conseguir a licença ambiental e não incluiu algumas comunidades em todo o corredor da estrada de ferro Carajás, inclusive no povoado onde eu resido, impedindo as reparações e a aplicação de medidas de mitigação dos impactos causados nesses territórios atingidos. Somos invisibilizados para o IBAMA, para a empresa e pelo próprio governo, é como se nós não existíssemos.
Para empresa eu não existo para estar cadastrada nos programas de mitigação, mas sou criminalizada por uma ação judicial da Vale. Nesta ação, estou impedida de vender meu peixe na cidade pois não posso me aproximar da ferrovia, como se eu, Rose, pudesse fazer mal a empresa. De fato a empresa alega que um protesto pacifico das comunidades afetadas durante 3 dias na ferrovia, teria gerado um prejuízo 600 milhões por dia. Ou seja, a empresa é quem vai a justiça como se fosse a parte prejudicada pela comunidade.
E qual é o meu prejuízo pela violação do meu direito a alimentação, ao meu direito de ir e vir, de respirar um ar puro, e direto de exigir os meus direitos?
Nós não temos meios nem mecanismos para alcançar a justiça e cobrar nossos direitos. Por isso, temos que procurar outras organizações e movimentos para denunciar os fatos e para apresentar as nossas propostas aos estados, que devem ouvir a sua população e nãos as corporações.
O governo brasileiro, assim como outros, não está pra fazer a defesa do povo, e sim das próprias empresas, já que muitos políticos tem suas campanhas financiadas pelas empresas.
E o congresso brasileiro quer criminalizar nossas crianças mas não as transnacionais que violam os direitos humanos tanto no Brasil como em outros países.
Se eu for removida da minha comunidade, para dar lugar a ampliação da empresa, e tiver que ir pra uma metrópole, os meus filhos, ao invés de serem o futuro do Brasil, eles serão os futuros criminalizados pelo Brasil. O que eu sei fazer dentro da comunidade é pescar, cultivar a terra, como poderia criar meus filhos numa cidade grande?
Por que os Estados agem para criminalizar os nosso filhos, como esta acontecendo hoje no Brasil no debate da maioridade penal, e não agem para criminalizar as corporações transnacionais?
A facilidade que a empresa tem de nos criminalizar não é a mesma que nós temos para criminalizar a empresa e conseguir acesso a justiça.
Por isso estamos aqui como atingidos pelas empresas transnacionais para apresentar aos estados propostas para levar as empresas à justiça pelas suas violações aos nossos direitos.
Então, nós apoiamos a proposta da campanha para desmantelar o poder corporativo para a criação de um centro publico para o controle das empresas transnacionais. Esse centro teria a função de analisar, investigar, documentar e inspecionar as práticas das transnacionais e seus impactos sobre os direitos humanos, e deve contar com a participação de governos, movimentos sociais, sindicatos e populações afetadas.
Eu não falo apenas por mim e pela comunidade de onde venho, mas por todos os povos atingidos pelas empresas transnacionais. Nós queremos ser consultados, participar da decisão e da fiscalização das empresas. É por isso que estou essa semana aqui em Genebra: para dizer sim ao desmantelamento das corporações transnacionais”.

“Mineração é luta de classes”

Foto: CAA-NM
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Por Fabiano César e Indinayara Gouveia, no CAA NM
O Norte de Minas vem recebendo, nos últimos anos, diversas investidas do setor minerário internacional. Contudo, essa não é uma realidade exclusiva, nem da região, nem do Brasil. A América Latina vem sendo explorada por várias multinacionais, que extraem desde ouro a minério de ferro. No país, a mineração vem sendo tratada como um assunto que se refere diretamente à soberania nacional. Para entender mais sobre as consequências da entrada desses investimentos financeiros entrevistamos Márcio Zonta, coordenador Nacional do Movimento dos Atingidos por Mineração – MAM. A entrevista relata um pouco a forma como os empreendimentos chegam às regiões, a mudança na vida das comunidades atingidas e a relação do Estado com os empreendimentos. 
CAA/NM: Márcio, o que é o MAM e qual o seu objetivo?
Márcio Zonta: O MAM surge de uma acumulação da experiência de espoliação histórica da mineração no Brasil, alinhada às últimas lutas amazônicas em torno da expansão da mineração na região de Carajás e outros pontos da Amazônia. É no Pará, sobretudo, que camponeses, nas suas mais vertentes faces: quilombola, indígena, ribeirinha, cabocla, camponês de fronteira (que já migrou de outros espaços), rivalizam com maior intensidade contra os projetos de exploração e escoamento da mineração. São eles, e principalmente na Amazônia, que serão prejudicados pelo desapossamento territorial de um capital em crise estrutural, que encontra na natureza (terra, água, minério) uma acumulação extraordinária para manutenção de seus lucros.
O objetivo do MAM é ser um movimento social não conjuntural, mas que incida perenemente no processo político brasileiro, no que tange às destinações e apoderações dos recursos naturais desse país. Somos um movimento que, ao empoderar as massas espoliadas, poderemos discutir ritmo de extração mineral, e onde se pode ou não minerar. Mais do que isso, influenciar o ideário da classe trabalhadora para além da reivindicação economicista. Temos que debater, no seio dessa classe mineira, o anseio por uma indústria de mineração que se desenvolva por intermédio da pesquisa e tecnologia, e não somente no produtivismo desvairado, que tem vitimado de maneira exorbitante os trabalhadores da mineração.
CAA/NM: Atualmente existe uma grande preocupação com a votação do Novo Código Minerário. Qual o problema desse novo Código Minerário? No que ele pode prejudicar as comunidades?
Márcio Zonta: O código da mineração é mais um acordo entre Estado e capital para aumentar a espoliação mineral no país. O Estado enquanto um coletivo capitalista tem dado todas as benesses para o capital avançar sobre a natureza através de leis de barragens, código florestal, e agora o código da mineração. Para se ter uma ideia, se aprovado hoje o novo código da mineração, teríamos a aprovação pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM)  de 4,3 mil requerimentos. Serão 10,3 milhões de hectares do território nacional. Na prática, estão sob embargo 10,3 milhões de hectares do território nacional, área equivalente ao Estado de Santa Catarina.
Se no campo do trabalhador a mineração é atividade empregatícia que mais mata, mutila e enlouquece, para as comunidades qualquer atividade de mineração traz consigo a militarização do espaço, a espionagem, a criminalização, a violência entre os jovens, a judicialização contra lideranças comunitárias e o fim de muitas perspectivas econômicas, por exemplo, a agricultura.
CAA/NM: Qual o problema desse Código dentro da realidade brasileira?
Márcio Zonta: Na realidade brasileira é o aprofundamento da reprimarização da economia e de um pensamento socioeconômico neocolonial. Ou seja, tanto em nível nacional ou internacional o avanço de uma mineração, cujo metabolismo parece ensandecido, deve agudizar os conflitos pela disputa de território. A pensar pela exploração de minério de ferro, o ouro negro nesse segundo ciclo histórico de espoliação mineral no Brasil. Nossa capacidade de exportação é de 35 milhões de toneladas métricas anuais de minério de ferro. Porém, chegamos ao incoerente e absurdo recorde de 400 milhões de toneladas métricas ao ano, o que desabilita qualquer forma de soberania nacional sobre esse bem natural finito.
CAA/NM: Os empreendimentos minerários, mesmo com diversas irregularidades, conseguem licenças de operação, como é o caso da Carpathian Gold em Riacho dos Machados – MG. Como as comunidades devem se mobilizar diante dessa situação?
Márcio Zonta: A correlação de forças pelo poder político, judiciário e econômico das transnacionais mineradoras tem dificultado muito a organização e mobilização das comunidades. Entretanto, mineração é luta de classes, há um capital estrangeiro, sobretudo financeirizado, alinhado à burguesia nacional brasileira, que historicamente nunca teve um projeto nacional e sempre foi vassala dos interesses internacionais, que coloca às comunidades somente uma saída: a mobilização de massas, a formação política de seus moradores e a aliança solidária e de classe com outras comunidades atingidas a nível nacional. O capital nos ataca em bloco, teremos que responder à altura, e fazer luta isoladamente, uma comunidade aqui, outra acolá, dificilmente esbarrará o anseio acumulativo dessa fase histórica do capital.
CAA/NM: Porque a América Latina vem recebendo grandes investimentos do setor minerário? E quando essas empresas chegam, como é a relação delas com as comunidades?
Márcio Zonta: O roteiro de espoliação de um país para o outro na América Latina sofre poucas variações. Por exemplo, no México as transnacionais mineiras conseguem licença para minerar em apenas quatro dias. O que não difere de outros países, que tem assegurado e garantido soberania de territórios pela mobilização social, como no caso do Peru. Mas o capital sempre transfere suas crises dos países do norte para os países do sul. O que acontece agora com a mineração não é diferente.
Aponte uma cidade mais acumulativa no cone sul para o capital estrangeiro se recuperar, que Parauapebas, no sudeste paraense, onde está localizada a maior e melhor mina de ferro do mundo (67% de pureza). Lá, o capital nacional e estrangeiro fizeram um acordo: os acionistas da Vale (como, por exemplo, o maior banco financiador dos Estados Unidos, JP. Morgan), se deliciam com a rentabilidade da exploração de minério, mais de um milhão mensal embolsado. Tudo isso à custa de muita máquina e pouca mão de obra. Enquanto as grandes construtoras brasileiras, entre elas, a Ordebrecht e a Camargo Correa, embolsam a mais valia de uma massa de trabalhadores na construção civil que constrói uma não cidade, mas um amontoado de prédios sem sociabilidade alguma.
Dias atrás, os bancos chineses fecharam um acordo milionário com a Vale para ter exclusividade no minério de ferro do maior empreendimento mineral do mundo, o S11D, em Carajás. Serão 90 milhões de toneladas métricas de minério espoliado anualmente e enviado à China. Ademais, em tempos de espionagem dos Estados Unidos e Canadá ao Ministério de Minas e Energia (MME), o S11D, seria inclusive uma das preocupações dos concorrentes, pois demarcaria ainda mais a liderança do mercado global da Vale frente a Rio Tinto e BHP Billinton.
A Rio Tinto, com os custos operacionais abaixo de US$20/t, já se achava no topo da pirâmide e a BHP estava fazendo de tudo para também chegar lá.  Todos sabiam, mas negligenciavam, da entrada no mercado, em menos de um ano, do minério de 67% de Ferro do S11D que tem custos operacionais estimados em US$11/t. Entende porque a América Latina é tão lucrativa para o capital? Nessa dinâmica as comunidades sofreram o que já citei acima.

sexta-feira, 10 de julho de 2015

Vale S/A deve depositar R$ 1.576,00 em favor de cada indígena afetado pelo empreendimento Onça Puma no Pará

Imagem: Reprodução de Justiça nos Trilhos
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O desembargador federal Souza Prudente, do TRF da 1ª Região, determinou que a Vale S/A eleve o valor dos depósitos mensais a ser efetuado em favor das comunidades indígenas atingidas pela exploração das atividades do empreendimento Mineração Onça Puma (MOP) para o montante de R$ 1.576,00, para cada integrante da comunidade, independentemente da idade. Esses valores deverão ser depositados em conta judicial na Caixa Econômica Federal (CEF). A decisão foi tomada após análise de agravo de instrumento interposto pela Associação Indígena Bayprã do Povo Xikrin do O-dja e pela Associação Indígena Porekrô de Defesa do Povo Xikrin do Catatê contra decisão do Juízo Federal da Subseção Judiciária de Redenção (PA).
Em suas alegações recursais, as associações sustentam, em resumo, que a despeito de o juízo monocrático ter reconhecido a efetiva ocorrência dos impactos etno-ambientais decorrentes da implementação do empreendimento, o valor arbitrado na decisão, num montante de R$ 379,30, “afigurar-se-ia insuficiente para a manutenção da subsistência dos membros de tais comunidades, mormente diante da elevada capacidade do faturamento bruto anual do empreendimento”.
Com esses argumentos, as instituições agravantes requereram a concessão da antecipação da tutela, a fim de que se determine que a Vale S/A realize depósitos mensais para cada comunidade indígena atingida, “a título de compensação de quantia pecuniária para compensação das medidas do Plano de Gestão ainda não implementadas, no valor de R$ 1.576,00, correspondente ao dobro do salário mínimo vigente”.
Ao analisar o caso, o relator, desembargador Souza Prudente, concordou com as razões apresentadas pelas recorrentes. Na decisão, ele salientou que o juízo monocrático acertou quando reconheceu, em caráter precário, o direito postulado no feito de origem, de forma a atenuar, ainda que provisoriamente, os reflexos danosos dos impactos etno-ambientais suportados pelas comunidades indígenas. Pecou, no entanto, ao determinar o montante a ser depositado pela Vale S/A com base na média inicial regional do Programa Bolsa Família estipulada para a Região Norte.
“Há de ver-se, porém, que o valor fixado pelo juízo monocrático, em valor correspondente ao dobro da média inicial regional do Programa Bolsa Família, estipulada para a Região Norte do país, no montante de R$ 379,30, calculado, proporcionalmente, sobre cada integrante de cada comunidade, independentemente da idade, afigura-se, em princípio, insuficiente para o custeio das despesas básicas dos membros de tais comunidades, mormente em face da circunstância de que a prática de caça e pesca de que dispunham encontra-se obstada, em virtude dos aludidos impactos etno-ambientais da implantação do empreendimento Onça Puma”, fundamentou o magistrado.
Com essas considerações, o desembargador deferiu o pedido de antecipação de tutela para elevar o valor dos depósitos mensais a serem efetuados pela Vale S/A em favor de cada integrante de cada comunidade indígena de R$ 379,30 para R$ 1.576,00.
Do empreendimento – O projeto Mineração Onça Puma da Vale S/A é um empreendimento de lavra, processamento e transporte de minério de níquel em processo em extração mineral nas Serras da Onça e do Puma localizadas na microrregião de São Félix do Xingu, na sub-bacia do Rio Cateté.
Processo nº 0033323-06.2015.4.01.0000/PA
Imagem: Reprodução de Justiça nos Trilhos

Indígenas acorrentados na galeria da Assembleia reivindicam melhorias na educação

Imagem: Reprodução da Agência Assembleia
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Jéssica Barros, Agência Assembleia
Presos a correntes, um grupo formado por 26 índios da tribo Guajajaras ocupou, na manhã desta terça-feira (7), a galeria do plenário da Assembleia Legislativa.  Os deputados estaduais Wellington do Curso (PPS), Zé Inácio (PT), Sousa Neto (PTN), Andrea Murad (PMDB) e Adriano Sarney (PV) estiveram no local e ouviram suas reivindicações que tratam, principalmente, de melhorias na educação indígena.
Na lista de solicitações os índios pedem construção de escolas; contratação de diretores, vigilantes e merendeiras; ativação do conselho indígena, seguindo a recomendação do Ministério Público; cursos de formação continuada para professores indígenas; cursos profissionalizantes para indígenas que já terminaram o ensino médio; reconhecimento das escolas indígenas; construção de ginásio poliesportivo; programa do PAC nas aldeias e a construção de casas populares; e a implantação da agricultura familiar para combater a fome.
Entre tantas reivindicações, os Guajajaras ainda denunciaram o desaparecimento de um dos índios, ocorrido na última sexta-feira (7), durante manifestação em frente à sede do governo do estado, no Palácio dos Leões.
O presidente da Comissão de Direitos Humanos, deputado Zé Inácio, relatou as reclamações ao presidente da Assembleia Legislativa, deputado Humberto Coutinho (PDT) que, de forma imediata, se disponibilizou a intermediar diálogo com o governador Flávio Dino (PCdoB), além de dar todas as garantias de segurança, acomodação, alimentação e água para os índios lotados na galeria.
“Não é uma oposição desta Casa oprimir a manifestação. Nós só pedimos que eles tenham um comportamento de modo a preservar o patrimônio público e nós estamos dialogando com lideranças indígenas no sentido de tentar intermediar um diálogo com o governo de tão modo que possamos ter a pauta deles atendida, mesmo que não seja toda, mas que eles estabeleçam prioridades para que nós possamos avançar e eles sejam atendidos”, explicou Zé Inácio.
Sobre o desaparecimento de um dos índios, Zé Inácio disse que irá entrar em contato com a FUNAI (Fundação Nacional dos Índios) para ajudar nas buscas. “Constatamos com os índios que um de seus companheiros sumiu do Centro Histórico de São Luís em meio a manifestação. Ele pode ter ficado sem rumo por não conhecer a cidade e está desaparecido. Mas, nós vamos entrar em contato com a FUNAI pra ver a possibilidade de enviarem um servidor deles para nos ajudar na busca do índio”, esclareceu.
Wellington do Curso, vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos, também garantiu apoio a fim de contemplar as reivindicações apresentadas. “No fim da sessão plenária de hoje fomos surpreendidos com a ocupação pacífica de índio de várias  aldeias indígenas do Maranhão. Assim que chegaram aqui já se algemaram no intuito de permanecer, mas estão aqui de forma pacífica e não serão retirados a força.  Nós damos essa garantia como parlamentar. Vamos procurar ouvir as suas reivindicações e levá-las para o governo”, acentuou.
Imagem: Reprodução da Agência Assembleia

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Violência no campo impera no estado do Maranhão

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CPT – Nos últimos dias, uma onda de violência rural, patrocinada pelo agronegócio, promoveu diversas violações aos direitos de povos originários e de trabalhadores e trabalhadoras rurais no Maranhão. A história de violência e tragédia se repete, com a vigorosa omissão do Estado brasileiro. No artigo, confira alguns casos recentes de conflitos: 
Por Diogo Cabral, advogado CPT/MA
1. No dia 16.06.2015, a liderança rural Francisco de Souza dos Santos, do território Campestre, zona rural de Timbiras (MA), sofreu tentativa de homicídio quando retornava para sua casa, localizada no Povoado Canafístula. Francisco vinha sendo ameaçado de morte há algum tempo por conta de sua luta pela emancipação do território tradicional ocupado por mais de 300 famílias. Em que pese referida situação, não se tem notícia de instauração de Inquérito Policial a fim de apurar tal crime, notadamente um crime político. Vale lembrar que em fevereiro de 2014, nesse mesmo território, Raimundo Brechó, também liderança camponesa, foi barbaramente assassinado, em razão do conflito, que perdura há mais de 30 anos, sem que o Estado intervenha para acabar com essa situação. 
2. Na comunidade quilombola de Aldeia Velha, localizada em Pirapemas (MA), tratores destruíram o território quilombola, que é ocupado há anos por mais de 150 famílias. Apesar das várias denúncias e solicitações feitas pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), em maio de 2015, ao governo do Maranhão e ao governo federal, não foi instaurado inquérito policial para investigar crimes ambientais e milícias rurais comandadas por fazendeiros da região, que ameaçam constantemente os quilombolas, com armas de toda a espécie. Mais recentemente, a própria Promotoria Especializada em Conflitos Agrários do Maranhão encaminhou Ofício de Nº 84/2015, datado de 26.06.2015, solicitando ao Estado do Maranhão, por meio da Secretaria de Segurança Pública, que apurasse a responsabilidade criminal, face a existência de indícios de crimes contra os moradores posseiros da mencionada área em que se concentra o conflito, bem como crimes ambientais e possivelmente formação de milícia armada (artigo 288-A do Código Penal). No entanto, até o presente momento, nenhuma viatura policial foi até o local do conflito a fim de realizar as designações do Ministério Público do Maranhão. De janeiro até junho, as lideranças quilombolas já fizeram uma centena de registros de ocorrências, todos sem nenhum tipo de andamento.
3. O Poder Judiciário do Maranhão expediu, em 24 de junho de 2015, por intermédio das Comarcas de Urbano Santos e Coelho Neto, respectivamente, duas ordens de despejo contra as comunidades de Guarimã (zona rural de São Benedito do Rio Preto) e Feitoria (Duque Bacelar), situação esta que culminará com o desalojamento de pelo menos 60 famílias camponesas que trabalham e vivem nessas áreas há mais de 100 anos e que dependem, única e exclusivamente, da Terra para sobreviverem. Os despejos poderão ocorrer a qualquer instante. As áreas são disputadas por produtores de soja (Guarimã) e cana-de-açúcar (Feitoria).
4. Em 26.06.2015, a liderança indígena do povo Kaapor, Kapiti Kaapor, foi perseguido por homens armados que, em ato contínuo, apontaram armas para sua cabeça numa tentativa de intimidação da liderança. O índio tem participado ativamente da luta pela retirada dos madeireiros do interior da Terra Indígena Alto Turiaçu. Em 09.06.2015, a Comissão de Direitos Humanos da OAB/MA encaminhou Ofícios ao Ministério Público Federal, Polícia Federal e à Secretaria de Segurança Pública do Maranhão para que os órgãos tomassem as devidas providências quanto à onda de violência e selvageria realizadas contra o Povo Kaapor, que vitimou, em 26 de abril de 2015, Eusébio Kaapor, crime este que sequer foi esclarecido. No entanto, apesar da escalada de violência, patrocinada por prefeitos e fazendeiros da região de Centro do Guilherme, Maranhãozinho e Centro Novo do Maranhão, o Estado nada fez, restando aos guerreiros Kaapor violência bruta e impunidade.
5. Em 28.06.2015, por volta das 14 horas, vários homens armados e com coletes balísticos com o emblema da Polícia Militar do Maranhão, invadiram o Assentamento Campo do Bandeira, localizado em Alto Alegre do Maranhão, área ocupada por dezenas de camponeses, e incendiaram casas e depósitos de arroz. Além do incêndio criminoso, os pistoleiros atiraram em vários bens das famílias. A área em conflito decorre de um litígio que envolve a fazenda Caxuxa Agropastoril. Os trabalhadores rurais já foram despejados pelo menos sete vezes. Além disso, já foram registradas pelo menos 32 ocorrências policiais, no entanto não há um inquérito tramitando na delegacia local, apesar da gravidade da coação sofrida pelos lavradores há anos, realizada por organização paramilitar.
Diante deste cenário trágico, que atesta as reais condições de vida do campesinato maranhense, é necessário que o governo do Maranhão determine a constituição de grupo de delegados para investigar as condutas criminosas aqui especificadas, o mais rápido possível, tendo em vista que nas cidades em que ocorreram esses crimes não há estrutura alguma para garantir as devidas investigações. Além disso, é necessário que a Polícia Militar atue preventivamente nos locais de maiores concentrações de conflitos agrários, especificamente em Codó, Timbiras, Alto Alegre do Maranhão, Duque Bacelar, Coelho Neto, Pirapemas, São Benedito do Rio Preto, Centro Novo do Maranhão, Centro do Guilherme, Maranhãozinho.
Todavia, não sendo possível o envio de policiais militares para essas localidades, é necessário que o governador do Maranhão solicite ao Ministro da Justiça agentes da Força Nacional para intervir nos conflitos agrários. Igualmente, que o Ministério Público Estadual instaure procedimentos a fim de verificar os crimes aqui relacionados, tendo em vista a gravidade da situação elencada e, finalmente, que o Poder Judiciário do Maranhão, por meio dos Juízes Cristiano Simas (que responde interinamente pela Comarca de Urbanos Santos) e Raquel Castro Teles de Menezes (titular da 1º Vara da Comarca de Coelho Neto) suspendam as decisões contra as famílias camponesas, respectivamente de Guarimã (Processo Nº 13772014) e Feitoria (Processo Nº4522015), visto que as famílias dependem da terra para sobreviverem

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Vale: o paradoxo da destruição

Créditos da foto: Vinicius Depizzol / Flickr
Para a empresa privatizada pelo tucanato, o que vale é o minério a ser extraído: dane-se a água, o ar, o solo e as sociedades locais.
Najar Tubino, Carta Maior
A empresa está entre as maiores mineradoras do mundo, é a número um na extração de ferro, nas manufaturas chamadas pelotas e em níquel. Em 2014, teve receita líquida de US$37,5 bilhões, pagou US$4,2 bilhões em dividendos, contabilizou oito mortes por acidentes de trabalho e recebeu 3.096 reclamações e demandas das comunidades, a maioria em Minas Gerais e Pará, embora atue em 30 países. No Relatório de Sustentabilidade 2014 da empresa também constam 44 casos de conflitos pelo uso da terra, com 33 ocupações “indevidas” e remoções de 8.406 famílias em Moçambique e Malauí, para construção do Corredor de Nacala, cujo objetivo é transportar carvão mineral da mina de Moatize para o porto via ferroviária. Com 73 anos de operação, 18 deles como empresa privada, negociada por US$3,4 bilhões em 1997, certamente a maior barbada que o mercado mundial conheceu no século XX – uma das grandes obras do tucanato brasileiro – criou uma ouvidoria há um ano.
É uma multinacional brasileira, e uma das quatro maiores mineradoras do mundo, juntamente com a Rio Tinto, a BH Billiton e a Anglo American. Todas destroem o ambiente onde atuam, provocando alterações no ar, no solo e na água, extinguindo espécies animais, vegetais e vidas humanas. O que fazem atualmente, nesta fase histórica do capitalismo esclerosado, são compensações pelo estrago. A linguagem poética, lúdica e apaixonante destes relatórios de sustentabilidade cheira a ovo podre, é uma mistura de hipocrisia com demagogia barata. O relatório da Vale tem 119 páginas, bem ilustradas. Este ano também foi divulgado o Relatório Insustentabilidade 2015, do Movimento dos Atingidos pela Vale, com 32 páginas.
Hipocrisia – paixão pelas pessoas e pelo planeta
O texto é baseado nos dois, além de incluir informações do livro do Centro de Tecnologia Mineral sobre Recursos Minerais e Comunidade.
“- Acreditamos que o relacionamento pautado pela ética e transparência com as comunidades é fundamental para a sustentabilidade dos negócios. Procuramos gerenciar e mitigar os riscos e os impactos sociais”, diz um trecho do relatório da Vale, que traz a frase “para um mundo com novos valores”, como eixo. A Vale pretende “ser a empresa de recursos naturais global número um em criação de valor a longo prazo, com excelência, paixão pelas pessoas e pelo planeta”.
A área operacional da empresa no mundo é de 2,6 mil quilômetros quadrados e para isso diz proteger 15 mil quilômetros quadrados, junto com governos locais. O negócio da extração mineral, como qualquer outra atividade do capitalismo esclerosado, é obter lucros aos seus acionistas. A Vale é controlada pela Valepar, que por sua vez é controlada pelos fundos de pensão, a maior fatia é da Previ, na empresa Lintel/Litela, outros 17,4% são da Bradespar, empresa do Bradesco, 15% da Mitsui, multinacional dos EUA e 9,5% do BNDES. Outros 39,1% estão pulverizados em ações do mercado financeiro espalhados pelas bolsas do Brasil, Nova York, Hong Kong, Paris e Madri. O Bradesco participou da comissão que analisou os ativos da Vale do Rio Doce, a estatal, junto com a insuspeita Merril Lynch, que posteriormente quebrou em 2008 e foi incorporada pelo Bank of America.
Importante não é a água, mas o ferro
Correm muitas ações na justiça pedindo a anulação da privatização não somente pela subavaliação das riquezas já conhecidas pela estatal – entre elas a principal que é a Província Mineral de Carajás-, mas pela própria participação do Bradesco, como avaliador e depois concorrente no leilão. Porém, as ações no STF caíram nas mãos do ministro Gilmar Mendes, que é o relator. O caso é que mineradora quer minério barato e precisa colocar no porto mais próximo, também de maneira barata. Se, por acaso, o morro onde está o ferro, fica na última reserva de transição da mata atlântica para o cerrado, considerada como patrimônio da biosfera pela UNESCO, como é o caso da Serra do Espinhaço, onde fica a Serra do Gandarela (MG), não tem importância alguma. O fundamental não são as nascentes dos mananciais que inclusive abastecem Belo Horizonte e a região metropolitana, mas sim o ferro que a China, a Índia, os EUA, seja lá quem for, precisam para produzir aço.
O governo federal criou um parque para proteger a Serra do Gandarela, mas com 31,2 mil ha, quando o próprio Instituto Chico Mendes recomendara 38 mil hectares. Sete mil ficaram para a Vale operacionalizar seu projeto Apolo, vai ocupar quase dois mil hectares. E na Floresta Nacional Tapirapé-Aquiri, área de conservação na Amazônia, o Projeto Salobo, de extração de cobre – a maior mina descoberta no Brasil- ocupa uma área de 190 mil hectares. Neste caso, a Vale está associada a Anglo American, e no ano passado já extraiu 98 mil toneladas, das 379,9 mil do total das minas. O preço do ferro caiu 47% em 2014, mas a quantidade continua aumentando – 379,7 milhões de toneladas. A Vale também bateu recorde na produção de ouro – 321 mil onças – e na exploração do níquel – 275 mil toneladas.
Especulação imobiliária tomou conta
A verdade é que as mineradoras não estão interessadas na vida de quem está no caminho de suas explorações. A Estrada de Ferro Carajás, com 892 km, é um exemplo disso, desde 1985, quando foi inaugurada. Ela corta 22 municípios, 19 deles no Maranhão e três no Pará. O corredor aberto pela ferrovia foi totalmente desmatado, ocupado por grileiros, pecuaristas de ocasião e guseiros, que montaram fornos de carvão terceirizados e suas siderúrgicas, para limpar o ferro de Carajás, propriedade da Vale. A especulação imobiliária tomou conta da região, os conflitos se acirraram, as populações se multiplicaram e a compensação ambiental ou social atende uma ínfima parcela desse cenário conturbado. A Vale também tem “interface” – faz parte da linguagem do capitalismo esclerosado – com 34 comunidades tradicionais e 12 povos indígenas. Trata-se de um número oficial. Mesmo assim com o “Método de Gestão Integrada”, processo de diálogo social por meio de metodologias participativas, a ferrovia foi interditada por protestos de índios e quilombolas.
Encrencas judiciais e administrativas
Também estão anotadas no Relatório de Sustentabilidade 2014 no tema chamado “Conformidades Ambientais”, algumas encrencas judiciais ou administrativas da Vale:
“- Auto de infração do Instituto Chico Mendes (ICMBIO) contra a Salobo Metais S.A em consequência de um incêndio ocorrido na Floresta Nacional de Carajás.
-Autuação do IBAMA por insumos utilizados na ampliação da Estrada de Ferro Carajás que geraram impactos ambientais.
-Ação civil pública no Espírito Santo em razão da poluição do Complexo de Tubarão, afetou os moradores da Baía de Camburi – são oito usinas de pelotização no Complexo de Tubarão.
-Em Omã, em função da poluição de particulados – usina de pelotização – aberto um processo contra a empresa.
-Pescadores de Ubu e Parati – Espírito Santo – aguardam decisão judicial sobre indenização causada por poluição, que causou danos à pesca.
– Em Itabira (MG), onde algumas minas já encerraram atividade, duas ações de indenização por danos sociais e ambientais.
– Quatro ações contra o licenciamento da mina Capão Xavier.
– No Maranhão, processo em fase inicial, cobra indenização pela interferência na atividade pesqueira.
– Ação de anulação do licenciamento do Ministério Público Federal da expansão da ferrovia de Carajás.”
A Vale pagou uma das multas do IBAMA de US$6,47 milhões.
Custos de operação transformados em preservação
A empresa divulga e faz marketing dos gastos em preservação ambiental e ações sociais totalizando US$1,1 bilhão. Os dados são discriminados no relatório, para quem encara a leitura. Do total citado, US$864,8 milhões foram destinados à proteção e conservação, sendo 37% voluntários e 63% referentes a requisitos legais – ou seja, cumpriram a legislação da área. Dos US$270,4 milhões para projetos sociais 58% foram voluntários e 42% obrigatórios, certamente compensações pelos impactos. Vamos detalhar ainda mais: dos dispêndios ambientais US$314,8 milhões foram para construção de barragens de rejeitos, diques e pilhas de estéril, justamente o estrago causado pela extração mineral e que fazem parte dos custos da empresa. Outros US$87 milhões para tratamento de resíduos. Isso engloba quase a metade dos dispêndios ambientais, na verdade deveriam ser enquadrados como custos de operação. No caso dos dispêndios sociais, o maior volume de verba está no item Desenvolvimento Humano e Econômico – de acordo com o PNUD, da ONU, “situa as pessoas no centro do desenvolvimento, trata da promoção do potencial das pessoas…do desfrute da liberdade de viver que valorizam” e recebeu US$102,6 milhões. O segundo maior item a receber verba foi “gestão de impacto” com US$62,4 milhões.
Cabe registrar um tópico do relatório de sustentabilidade 2014 da Vale – “potenciais impactos biofísicos”. São 28 tipos de estragos que a mineração causa no ambiente onde atua, desde desmatamento, perda de solo, contaminação e redução da disponibilidade hídrica, perda de hábitat de espécies redução de biomassa, alteração na vida das comunidades, entre outros. Para finalizar: dos 206,4 mil empregados da Vale, a maioria no Brasil, 129,9 mil são terceirizados e 76,5 mil são próprios, e nos últimos três anos, quase 10 mil postos fecharam – em 2012 eram 85,3 mil funcionários