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Homem simples e comum: procuro ser gentil com as pessoas, amigo dos meus amigos e bondoso com a minha família. Sou apaixonado por filmes, internet, livros, futebol e música. Estou tentando sempre equilibrar corpo e mente, manter-me informado das notícias a nível mundial, ministrar aulas de geografia em paralelo às pesquisas acadêmicas que desenvolvo e, no meio de tudo isso, tento achar tempo para o lazer e o namoro. Profissionalmente,sou geógrafo e professor de Geografia no Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Instituto Federal do Maranhão (IFMA ­ Campus Avançado Porto Franco) e Doutorando em Geografia Humana na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Membro do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA) e do Núcleo de Estudos do Pensamento Socialista Pesquisa do Sindicalismo (NEPS), ambos da UFMA. Participo da Rede Justiça nos Trilhos.

terça-feira, 25 de junho de 2013

Os segredos da monocultura no Baixo Parnaíba Maranhense

Os ativos da Suzano no Maranhão e o projeto de reflorestamento com eucalipto da empresa no Piauí apontam para a ponta de um iceberg financeiro bem maior que se desloca da região de Mata Atlântica para os biomas de pouca expressão midiática como os Pampas, no estado do Rio Grande do Sul, o Cerrado e a Caatinga, na região meio-norte – estados do Maranhão, Piaui e Tocantins.
Os interesses do setor florestal se espraiam por regiões ainda “adormecidas” do ponto de vista econômico na certeza que chegou a hora da ampliação da área plantada. Talvez nas mentes desses interesses já tenha mais que passado da hora como bem se viu no município de Santa Quitéria, Baixo Parnaíba maranhense, no começo de maio de 2009.
As relações entre o setor florestal, o Estado e a sociedade civil inexistem e isso decorre justamente porque o que o setor florestal busca, à medida que enceta conversações com os governos sobre projetos de reflorestamento, são condições favoráveis a partir do local, do regional, do nacional e do internacional.
As instituições financeiras multilaterais ditaram as condições favoráveis exigidas em várias reuniões com os órgãos do Estado como se estes fossem bonecos de presépio. Nesse caso, a sociedade civil nem encenava os diálogos, pois todas as falas haviam sido distribuídas para uns poucos sabichões.
Uma monocultura por natureza requer uma conspiração de sabichões em torno de si porque os segredos a protegem de inquirições de parte da sociedade civil. A monocultura comparece como uma barreira para qualquer outro atrativo, uma barreira que assusta a agricultura familiar e os extrativistas, porque a monocultura responde uma pergunta ou outra e depois vai embora deixando o espaço vazio. Os sabichões cobrem esse espaço vazio com o manto das ciências econômicas, sociais e biológicas.
Perante a sociedade, o maior segredo guardado seria justamente o que de biodiversidade se perde quando um projeto de reflorestamento com eucalipto ou plantio de grãos se instala em um determinado bioma. Os profissionais contratados pela empresa para figurar os dados da realidade sócio-ambiental e os funcionários do órgão ambiental destacados para analisar esses dados deveriam desvendar esse segredo. O que muitas vezes se preconiza como a norma da figuração e da análise dos dados é a complacência.
Em vez da figuração e da análise se contraporem ao iceberg financeiro, elas acabam cerrando fileiras ao lado dos sabichões; em parte porque acham os caras mais sabidos mesmo e finalmente porque querem ser como eles.
Desde o meio do ano passado a Suzano Papel e Celulose planta informações na mídia como quem dá um doce para uma criança, quer dizer, querendo parecer que não quer nada a não ser o bem-estar da sociedade civil do Maranhão e do Piaui. Uma hora planta a noticia que investirá tantos milhões em reflorestamento com eucalipto. Outra hora que pode investir em duas fábricas no Piaui para o processamento da madeira. O espaço concedido na mídia torna bem desfavorável qualquer debate a respeito da implantação da Suzano no Maranhão há quase vinte anos e como foram feitas as negociações para os projetos de reflorestamento com eucalipto envolvendo a empresa e os governos do Maranhão e do Piaui porque como foi escrito anteriormente corre nas raias vários segredos que fica difícil ver qual primeiro mostra a cara para o fotógrafo.
Em certo dia do mês de junho, um representante da Suzano em São Luis do Maranhão ligou para o Fórum Carajás pedindo para agendar uma conversa com alguém muito importante da empresa que estaria no estado. A conversa giraria em torno das denúncias divulgadas no sítio do Fórum Carajás. Pensou-se em aceitar a proposta, mas primeiro se consultou a Sociedade dos Direitos Humanos. Esta se posicionou rigorosamente contra qualquer conversa com a Suzano pelo fato da empresa ter desrespeitado o acerto feito com as comunidades do Pólo Coceira, em Santa Quitéria. A Secretaria do Fórum Carajás informou as razões da negativa ao funcionário da Suzano.
A conversa que o funcionário importante da Suzano queria ter não era só com o Fórum Carajás. Ele esteve em Santa Quitéria conversando com o prefeito da cidade que se dispôs a ajudar a demover as comunidades do Pólo Coceira da sua postura de resistência com auxilio da policia militar do estado do Maranhão. O mesmo prefeito chantageia moradores que apóiam a luta das comunidades afirmando que vai retirar um agrado que a prefeitura dá todo mês.
Mayron Régis

Quem são os Vândalos e os violentos?, por Gilvander Luís Moreira

Por racismoambiental, 22/06/2013 09:11
Nos primeiros dias dos justos e necessários protestos na capital de São Paulo, do Movimento Passe Livre, a TV Globo e a mídia em geral estavam chamando todos os manifestantes de vândalos e arruaceiros, atitude criminalizadora.
Quando as manifestações se espalharam pelo país, a mídia começou a fazer uma distinção: “O movimento é pacífico, mas tem uns vândalos no meio que promovem quebradeira”. Provavelmente, os donos do poder midiático, principal “partido” no Brasil, querem conduzir as massas e reduzir as manifestações somente a “paz e amor”, o que não estremecerá o status quo podre do sistema capitalista, ora vigente no Brasil. É hora de resgatarmos a história e fazermos algumas reflexões.
Quem eram os Povos Vândalos? “Os Vândalos eram um povo germânico oriental que penetrou no Império Romano durante o século V e criou um estado no norte da África ocupando a cidade de Cartago, antiga cidade fenícia que fora ocupada pelos romanos desde o fim das Guerras Púnicas. A localização de Cartago às margens do Mediterrâneo era estratégica para os Vândalos. Ali centralizaram seu Estado, e logo após se estabelecerem, saquearam Roma no ano de 455.”[2]
“Ao longo da marcha para o oeste, os Vândalos atingiram a margem do Danúbio e alcançaram o rio Reno, onde entraram em combate com os francos. Aproximadamente vinte mil vândalos morreram no choque entre esses dois povos, sendo que os francos só foram derrotados quando os alanos entraram no combate para auxiliar os vândalos. Em ações ousadas, os Vândalos saquearam Roma durante duas semanas no ano de 455 e foram capazes de resistir ainda a uma frota enviada pelo Império Romano para combatê-los.”[3]
Portanto, a história demonstra que os Vândalos eram um povo digno que lutou aguerridamente contra o imperialismo romano. Logo, não é justo se referir aos Vândalos apenas como arruaceiros. Eles lutavam por direitos.
Ontem, o império romano. Hoje, o império do capital, liderado pelos capitalistas. Assim como os Vândalos lutavam contra a opressão do Império Romano, hoje milhões de brasileiros, nas ruas, lutam não apenas por migalhas, mas por direitos. Vândalos, hoje, não são os que revelam a infinita indignação que toma conta do povo diante de tanta violência provocada por um Estado vassalo do capital e dos capitalistas. Assim, a revolta iniciou com a luta por 0,20 centavos, mas irá muito longe. Não se encerrará sem mudanças substanciais no modelo econômico e político que desgoverna o Brasil.
Quem são os violentos hoje no Brasil?  São os políticos, salvo raras exceções, que não representam o povo, mas, via de regra, defendem interesses de grandes empresas e latifundiários.
Violentos são juízes do Poder Judiciário que não respeitam os princípios constitucionais de respeito à dignidade humana, republicanismo, função social da propriedade e criminalizam os movimentos sociais populares e absolutizam o direito a propriedade para apenas alguns.
Violentos são os administradores públicos e os juízes que abarrotam as prisões, verdadeiros campos de concentração, jogando lá somente os pobres, negros e jovens.
Violentos são os grandes empresários que lucram, roubam e saqueiam a  classe trabalhadora pagando míseros salários e, com intensificação do trabalho e do produtivismo, arrebentam com a saúde dos trabalhadores, empurrando-os para avia crucis do SUS.
Violentos são as grandes mineradoras que, como em Conceição do Mato Dentro, MG, causam uma devastação socioambiental sem precedentes na história. Com coração de pedra, vão dizimando as nascentes de água e deixando crateras, um rastro de destruição.
Violentos são os grandes empresários do transporte público privatizado que lucram bilhões carregando o povo trabalhador como se esse fosse gado para ser transportado em condições indignas e por preço que esfola o povo diariamente.
Violentos são os banqueiros que cometem cotidianamente o pecado da usura e especulando com o dinheiro do povo engordam seu poder econômico às custas de muito sangue humano.
Violentos são os latifundiários que não cumprem a função social da propriedade e sequestram a terra em poucas mãos gananciosas expulsando milhões de camponeses para as periferias das cidades.
Enfim, violentos são os dirigentes da classe dominante que há séculos vêm pisando, humilhando e violentando a classe trabalhadora brasileira. Eis um exemplo: na época da escravidão formal, um cortador de cana cortava de três a quatro toneladas de cana por dia. Hoje, um boia-fria dos canaviais paulistas corta de doze a quatorze toneladas por dia. Por isso, de 2004 a 2006, mais de vinte trabalhadores morreram por exaustão no trabalho.
É contra esses violentos que o povo se rebelou e estará nas ruas até que seus direitos sejam conquistados e efetivados. A luta é por justiça social, por justiça agrária, por justiça ambiental e por direitos humanos. Feliz quem dela participar e também contribuir para que espertalhões de plantão não venham golpear o povo já tão oprimido, mas que está se levantando.
Belo Horizonte, MG, Brasil, 21 de junho de 2013.
Frei Gilvander Luís Moreira – www.gilvander.org.br – gilvanderlm@gmail.com

[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; doutorando em Educação pela FAE/UFMG; assessor da CPT, CEBI, SAB e Via Campesina; conselheiro do Conselho Estadual dos Direitos Humanos de Minas Gerais – CONEDH; e-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.twitter.com/gilvanderluis - Facebook: Gilvander Moreira
[2] http://pt.wikipedia.org/wiki/V%C3%A2ndalos , acesso em 21/06/2013.

[3] Antônio Gasparetto Júnior in http://www.infoescola.com/povos-germanicos/vandalos/ , acesso em 21/06/2013.

quinta-feira, 13 de junho de 2013

ES – Novo dossiê da Vale aponta investigação a militantes dos movimentos sociais no Estado

Por , 12/06/2013 16:54
Gustavo De Biase e Valdinei Tavares foram citados em documento encaminhado por ex-gerente que denunciou a empresa de espionagem
Manaíra Medeiros, Século Diário
Um novo dossiê revelado pelo ex-gerente da área de Inteligência da Vale, André Almeida, aponta investigação da empresa ao articulador da Rede Sustentabilidade no Estado, Gustavo De Biase, e ao coordenador estadual do Movimento Nacional por Moradia e vice-presidente da ONG Amigos da Barra do Riacho, Valdinei Tavares. Eles são citados no relatório “Recuperação de posse do terreno Bicanga”, produzido em setembro de 2011 pelo Departamento de Segurança Empresarial (Dies).
O dossiê feito pela Vale detalha uma ocupação do Movimento Terra, Trabalho e Liberdade (MTL) a uma área objeto de litígio, localizada em Bicanga, na Serra, com 72 hectares. Na ocasião, cerca de 400 pessoas ocuparam o local durante seis dias. A Justiça determinou a reintegração de posse à empresa, em operação que contou com 90 policiais do Batalhão de Missões Especiais (BME) e da cavalaria da Polícia Militar, culminando com duas prisões.
No documento, a Vale trata como de “cunho político” a ocupação e associa o MTL ao Psol, antigo partido de Gustavo De Biase, que respondia pelo comando do diretório de Vitória na época. “As duas organizações, desde o início deste ano [2011], vem liderando vários movimentos sociais e políticos como invasões e protestos”, afirma o Dies.
O material apresenta foto de Valdinei Tavares e reprodução de informações divulgadas no blog da MTL, tratando Biase como “líder dos protestos [estudantis] em Vitória, e uma pessoa ligada e que orgulha o MTL”. Além de Valdinei, a Vale aponta como outro líder da ocupação Erick Tavares.
Sobre De Biase, a Vale acrescenta ainda tratar-se de um “pseudo líder dos protestos, que já foi candidato a deputado federal e atualmente é presidente do diretório municipal do Psol em Vitória, mesmo partido político do membro do MTL no Espírito Santo, Valdinei Tavares, que capitaneou a invasão em Bicanga”.
Na tentativa de criminalizar o movimento e os apoiadores da ocupação, a empresa recorda dos protestos de reivindicação da redução da passagem de ônibus na Grande Vitória. “Esse movimento causou graves transtornos à rotina do Estado, principalmente pelos confrontos entre os manifestantes e a força policial. Um evento com participação de vários ministros e do vice-presidente Michel Temer [PMDB] foi cancelado, em virtude da violência das manifestações. Pressionado pela opinião pública, o governador [Renato Casagrande] se viu obrigado a recuar com o uso da força militar”.
Ao contrário das matérias jornalísticas que divulgaram a ocupação, a Vale informa em seu dossiê a presença de 500 famílias, chegando a duas mil pessoas. A atuação do BME foi citada como “um exemplo” pela área de Inteligência da Vale.  “A solicitação do GAESR para a presença imediata da força policial no local, mesmo antes de qualquer decisão judicial, foi prontamente atendida”. E completa a empresa: “a presença do BME mostra a força da Vale junto às autoridades policiais”.
As considerações do setor indicam que a operação foi positiva para Vale, já que não gerou mídia negativa, a exemplo do que havia acontecido em duas situações anteriores, a reintegração de posse do terreno em Aracruz e os protestos dos estudantes. “Em nenhum momento a Vale teve sua imagem atingida por ações de força, nem por parte do BME e nem por parte dos invasores”.
A Inteligência da empresa afirma que o terreno já havia sido mapeado pela Segurança Empresarial como alvo potencial de invasões, tendo resultado em trabalhos ostensivos como “retirada de andarilhos, grupo de ciganos e outras possíveis ameaças à propriedade”.
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Habitação, instalada na Assembleia Legislativa com o objetivo de apurar irregularidades nos processos de regularização de imóveis, também foi citada no dossiê. Um dos focos dos trabalhos foi o terreno de Bicanga.
Litígio
A área em questão faz parte do espólio de Orzina Ribeiro Araújo e Malvino Coutinho de Araújo e é pleiteada pelos herdeiros. O grileiro José Olímpio Gomes havia comprado um terreno de mil metros quadrados na Praia de Carapebus, também no município da Serra, mas loteou e vendeu, em 1970, uma área de 181 hectares, ou seja, 1,81 milhão de m².
Para conseguir esta multiplicação de hectares, José Olímpio invadiu a terra vizinha ao terreno de 1000 m², separada pela Estrada de Manguinhos, fez uma planta de medição, numerou-a como GENP 10-01-105 e cadastrou-a no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), com o número 505.021.100-2. Após o registro, vendeu 580 hectares das terras para a Vale, na época Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), apenas com base na planta e sem a documentação, registrando a companhia no Registro Geral de Imóveis como proprietária da área, que era, de fato, dos herdeiros de Orzina e Malvino.
Em 1992 os herdeiros entraram com uma ação reivindicatória contra a Vale, que acabou por anular tanto a compra quanto a venda da área por José Olímpio. Já em 2000, depois de extensa batalha judicial, os herdeiros conseguiram que a Vale depositasse em juízo mais de R$ 62 milhões, valor da área comprada indevidamente. No entanto, os herdeiros jamais tiveram acesso ao montante, que hoje está avaliado em mais de R$ 300 milhões.
Quando a Vale foi privatizada, nos anos 1990, recebeu um incentivo do governo federal para custear despesas com as indenizações e a compensação dos herdeiros era uma delas, mas nada do que devia foi pago. Depois de passar pelas instâncias locais e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), de recursos em todas as instâncias e até mesmo depois do desaparecimento de 800 folhas do processo dentro do STJ, sua tramitação  ocorre no Supremo Tribunal Federal (STF).

terça-feira, 11 de junho de 2013

Suzano Papel e Celulose passa a integrag o Conselho Consultivo do Parque Nacional Chapada das Mesas

Por que uma empresa que destroi os cerrados maranhenses faz parte do conselho consultivo de uma unidade de conservação que conserva os cerrados?



Publicação: 10/06/2013 22:24

A Suzano Papel e Celulose passa a integrar, a partir de agora, oConselho  Consultivo do Parque Nacional da Chapada das Mesas (PNCM), localizado no Sul do estado do Maranhão, nos municípios de Carolina, Estreito e Riachão. A nomeação foi publicada no Diário Oficial da União no dia 05 de setembro de 2012 e a posse da representante da empresa ocorreu em cerimônia realizada no próprio no dia 24 de maio. O parque foi criado em 2005, em uma área de aproximadamente 160 mil hectares em região de cerrado, muito próximo da Amazônia e da caatinga.

O Conselho Consultivo trabalha na construção do projeto de gestão do parque, com foco em ações para a preservação e conservação desse importante extrato da fauna e da florabrasileiros que é um dos 25 hot spots mundiais, ou seja, áreas de prioridade extremamente alta para conservação da biodiversidade por sua importância biológica. O parque reúne cachoeiras, mesetas, morros, serras, riachos cristalinos, vales exuberantes com brejos de buritizais e veredas, paisagem que atrai muitos turistas para a região sertaneja do Maranhão.

Justiça reconhece fraude na privatização da Vale

Escrito por  Da Redação
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Se você tivesse um cacho de bananas que valesse R$9,00, você o colocaria à venda por R$0,30? Óbvio que não. Mas foi isso que o governo federal fez na venda de 41% das ações da Companhia Vale do Rio Doce para investidores do setor privado, em 1997. Eles pagaram R$3,3 bilhões por uma empresa que vale perto de R$100 bilhões. Quase dez anos depois, a privatização da maior exportadora e produtora de ferro do mundo pode ser revertida.
Por Maíra Kubík Mano
Em 16 de dezembro do ano passado, a juíza Selene Maria de Almeida, do Tribunal Regional Federal (TRF) de Brasília, anulou a decisão judicial anterior e reabriu o caso, possibilitando a revisão do processo. “A verdade histórica é que as privatizações ocorreram, em regra, a preços baixos e os compradores foram financiados com dinheiro público”, afirma Selene. Sua posição foi referendada pelos juízes Vallisney de Souza Oliveira e Marcelo Albernaz, que compõem com ela a 5ª turma do TRF.
Entre os réus estão a União, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Eles são acusados de subvalorizar a companhia na época de sua venda. Segundo as denúncias, em maio de 1995 a Vale informou à Securities and Exchange Comission, entidade que fiscaliza o mercado acionário dos Estados Unidos, que suas reversas de minério de ferro em Minas Gerais eram de 7.918 bilhões de toneladas. No edital de privatização, apenas dois anos depois, a companhia disse ter somente 1,4 bilhão de toneladas. O mesmo ocorre com as minas de ferro no Pará, que em 1995 somavam 4,97 bilhões de toneladas e foram apresentadas no edital como sendo apenas 1,8 bilhão de toneladas.
Outro ponto polêmico é o envolvimento da corretora Merrill Lynch, contratada para avaliar o patrimônio da empresa e calcular o preço de venda. Acusada de repassar informações estratégicas aos compradores meses antes do leilão, ela também participou indiretamente da concorrência por meio do grupo Anglo American. De acordo com o TRF, isso comprometeu a imparcialidade da venda.
A mesma Merrill Lynch, na privatização da Yacimientos Petrolíferos Fiscales (YPF) da Argentina, reduziu as reservas declaradas de petróleo de 2,2 bilhões de barris para 1,7 bilhão.
Nova perícia
Depois da venda da Vale, muitas ações populares foram abertas para questionar o processo. Reunidas em Belém do Pará, local onde a empresa está situada, as ações foram julgadas por Francisco de Assis Castro Júnior em 2002. “O juiz extinguiu todas as ações sem apreciação do mérito. Sem olhar para tudo aquilo que nós tínhamos dito e alegado. Disse que o fato já estava consumado e que agora analisar todos aqueles argumentos poderiam significar um prejuízo à nação”, afirma a deputada federal doutora Clair da Flora Martins (PT/PR).
O Ministério Público entrou com um recurso junto ao TRF de Brasília, que foi julgado no ano passado. A sentença determinou a realização de uma perícia para reavaliar a venda da Vale. No próximo passo do processo, as ações voltam para o Pará e serão novamente julgadas. Novas provas poderão ser apresentadas e os réus terão que se defender.
Para dar visibilidade à decisão judicial, será criada na Câmara dos Deputados a Frente Parlamentar em Defesa do Patrimônio Público. A primeira ação é mobilizar a sociedade para discutir a privatização da Vale. “Já temos comitês populares em São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Pará, Espírito Santo, Minas Gerais e Mato Grosso”, relata a deputada, uma das articuladoras da frente.
“Precisamos construir um processo de compreensão em cima da anulação da venda da Vale, conhecer os marcos gerais dessas ideias a partir do que se tem, que é uma ação judicial, e compreendê-la dentro de um aspecto mais geral, que é o tema da soberania nacional”, acredita Charles Trocate, integrante da direção nacional do MST. Ele participa do Comitê Popular do Pará, região que tem forte presença da Vale.
Entre os marcos da privatização, que serão estudados e debatidos nos próximos meses nos comitês, está o Plano Nacional de Desestatização, de julho de 1995. A venda do patrimônio da Vale fez parte de uma estratégia econômica para diminuir o déficit público e ampliar o investimento em saúde, educação e outras áreas sociais. Cerca de 70% do patrimônio estatal foi comercializado por R$60 milhões, segundo o governo. “Vendendo a Vale, nosso povo vai ser mais feliz, vai haver mais comida no prato do trabalhador”, disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em 1996. A dívida interna, entretanto, não diminuiu: entre 1995 e 2002 ela cresceu de R$108 bilhões para R$654 bilhões.
Na época, a União declarou que a companhia não custava um centavo ao Tesouro Nacional, mas também não rendia nada. “A empresa é medíocre no contexto internacional. É uma péssima aplicação financeira. Sua privatização é um teste de firmeza e determinação do governo na modernização do Estado”, afirmou o deputado Roberto Campos (PPB/SP) em 1997. No entanto, segundo os dados do processo, o governo investiu R$2,71 bilhões durante toda a história da Vale e retirou R$3,8 bilhões, o que comprova o lucro.
“O governo que concordou com essa iniciativa não tinha compromisso com os interesses nacionais”, diz a deputada doutora Clair.
Poder de Estado
A Vale se tornou uma poderosa força privada. Hoje ela é a companhia que mais contribui para o superávit da balança comercial brasileira, com 54 empresas próprias nas áreas de indústria, transporte e agricultura.
“Aqui na região de Eldorado dos Carajás (PA), a Vale sequestra todo mundo: governos municipais e governo estadual. Como o seu Produto Interno Bruto é quatro vezes o PIB do estado Pará, ela se tornou o estado econômico que colonizou o estado da política. Tudo está em função de seus interesses”, coloca Charles Trocate.
Trocate vivência diariamente as atividades da empresa no Pará e a acusa de gerar bolsões de pobreza, causados pelo desemprego em massa, desrespeitar o meio ambiente e expulsar sem-terra e indígenas de suas áreas originais.
“Antes da privatização, a Vale já construía suas contradições. Nós temos clareza de que a luta agora é muito mais ampla. Nesse processo de reestatização, vamos tentar deixar mais claro quais são as mudanças que a empresa precisa fazer para ter uma convivência mais sadia com a sociedade na região”, diz Trocate. De acordo com um levantamento do Instituto Ipsos Public Affairs, realizado em junho de 2006, a perspectiva é boa: mais de 60% dos brasileiros defendem a nacionalização dos recursos naturais e 74% querem o controle das multinacionais.
Patrimônio da Vale em 1996
● maior produtora de alumínio e ouro da América Latina
● maior frota de navios graneleiros do mundo
● 1.800 quilômetros de ferrovias brasileiras
● 41 bilhões de toneladas de minério de ferro
● 994 milhões de toneladas de minério de cobre
● 678 milhões de toneladas de bauxita
● 67 milhões de toneladas de caulim
● 72 milhões de toneladas de manganês
● 70 milhões de toneladas de níquel
● 122 milhões de toneladas de potássio
● 9 milhões de toneladas de zinco
● 1,8 milhão de toneladas de urânio
● 1 milhão de toneladas de titânio
● 510 mil toneladas de tungstênio
● 60 mil toneladas de nióbio
● 563 toneladas de ouro
● 580 mil hectares de florestas replantadas, com matéria-prima para a produção de 400 mil toneladas/ano de celulose
Fonte: Revista Dossiê Atenção – “Porque a venda da Vale é um mau negócio para o país”, fls. 282/292, da Ação Popular nº 1997.39.00.011542-7/PA.
Quanto vale hoje
● 33 mil empregados próprios
● participação de 11% do mercado transoceânico de manganês e ferro-liga
● suas reservas de minério de ferro são suficientes para manter os níveis atuais de produção pelos próximos 30 anos
● possui 11% das reservas mundiais estimadas de bauxita
● é o mais importante investidor do setor de logística no Brasil, sendo responsável por 16% da movimentação de cargas do Brasil, 65% da movimentação portuária de granéis sólidos e cerca de 39% da movimentação do comércio exterior nacional
● possui a maior malha ferroviária do país
● maior consumidora de energia elétrica do país
● possui atividades na América, Europa, África, Ásia e Oceania
● concessões, por tempo ilimitado, para realizar pesquisas e explorar o subsolo em 23 milhões de hectares do território brasileiro (área correspondente aos territórios dos estados de Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Paraíba e Rio Grande do Norte)
Fonte: 5ª Turma do TRF da 1ª Região- Brasilia.

domingo, 9 de junho de 2013

ESBOÇO SINTÉTICO PARA UMA CRÍTICA ONTOLÓGICA: LÉA ANASTASIOU E A DIALÉTICA DOS PROCESSOS DE ENSINAGEM

José Arnaldo dos Santos Ribeiro Junior[1]

Para Saulo Pinto Silva, pelas aulas.

O trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens”.
(Demerval Saviani, A pedagogia histórico-crítica).

A premissa supracitada de Demerval Saviani nos revela o quanto o trabalho[2] educativo, ou seja, a educação como práxis criadora, como atividade prática dos homens, é direta e intencionalmente uma relação mediada e concreta, no qual cada indivíduo, dotado de características particulares, singulares e subjetivas, estabelecem um nexo teleológico-causal[3] com a Humanidade[4], compreendida aqui no sentido lato, o Homem como um Todo, nunca acabado, pois permanente em fazer-se (Homem). Esta Humanidade que se faz e ao mesmo tempo em que se faz produz historicamente e coletivamente necessidades e novas possibilidades educacionais, põe-nos a refletir objetivamente acerca daquilo que Anastasiou (2005) chamou de processo de ensinagem. Na síntese crítica por ora escrita, pretendemos buscar apresentar objetivamente as ideias centrais que constituem o foco de análise e intelecção da autora. O artigo de Anastasiou está subdividido em oito tópicos, a saber: 1) Ensinar, 2) Aprender e Apreender, 3) Processo de Ensinagem, 4) Processo de Ensinagem: o movimento necessário, 5) O movimento e o método dialético: breve incursão, 6) As operações de pensamento, 7) Dos passos aos momentos, e 8) Na busca de uma síntese possível. Todos os oito tópicos apresentam uma coerência interna (em-si) simultaneamente em que constituem um nexo histórico, causal e objetivo dotado de coesão interna e externa (em-si e para-si).
No primeiro tópico Ensinar, Anastasiou (2005, p.12) escreve que:

Um dos elementos básicos de discussão da ação docente refere-se ao ensinar, ao aprender e ao apreender. Essas ações são muitas vezes consideradas e executadas como ações disjuntas, ouvindo-se até de professores afirmações do tipo: “eu ensinei, o aluno é que não aprendeu”.
Isso decorre da ideia de que ensinar é apresentar ou explicar o conteúdo numa exposição, o que a grande maioria dos docentes procura fazer com a máxima habilidade de que dispõe; daí a busca por técnicas de exposição ou oratória como elementos essenciais para a competência docente.

A escritora vai começar a esboçar aqui uma diferença entre aprender e apreender no qual, o processo de ensino, transforma-se numa mediação entre os dois momentos supracitados. Por essa via não há disjunção, mas sim uma conexão entre o que é exposto ou explicado com a forma de apresentação e o conteúdo histórico. Entender a história[5], a gênese do ensinar, significa compreender os processos históricos objetivos que estão em permanente movimento. Daí decorre a crítica da autora ao modelo jesuítico, o Ratio Studiorum, que transformava as aulas em passos descompassados sem a preocupação do processo de humanização, mas fixando categorias eternas via técnica da memorização.
Se o insignare é um processo de mediação entre aprender e apreender (tópico dois), o que diferencia estes dois momentos do processo de ensinagem?

O apreender, do latim, apprehendere, significa segurar, prender, pegar, assimilar mentalmente, entender, compreender, agarrar.  [...] O verbo aprender, derivado de apreender por síncope, significa tomar conhecimento, reter na memória mediante estudo, receber a informação de... (ANASTASIOU, 2005, p.14)

Essa diferença que a escritora faz é de fundamental importância. Apreender é uma ação muito mais complexa que aprender posto que o sujeito do conhecimento (o aluno, p.ex.) se apropria do conteúdo e da forma que o professor leciona o mesmo, através de um processo de assimilação. O aprender, unicamente, jesuiticamente, reduz o apreender a uma memorização mediante o estudo. É claro que aprender é um momento importante do movimento de ensinagem; todavia enquanto a apreensão é uma totalização em curso[6], o aprender é uma totalidadefixada, fechada, memorizada.
Por isso tudo, é que a autora escreve no tópico três (Processo de Ensinagem) que:

Foi diante dessas reflexões que surgiu o termo ensinagem, usado então para indicar uma prática social complexa efetivada entre os sujeitos, professor e aluno, englobando tanto a ação de ensinar quanto a de apreender, em um processo contratual, de parceria deliberada e consciente para o enfrentamento na construção do conhecimento escolar, decorrente de ações efetivadas na sala de aula e fora dela (ANASTASIOU, 2005, p. 15).

O neologismo ensinagem significa justamente que ensinar, aprender e apreender são momentos do movimento educativo. Uma educação em movimento, com seus devidos sujeitos históricos (corpo docente e discente), deve estar atenta às novas práticas de ensino e aprendizagem que visem à humanização do homem pelo ato educativo. Isto posto nos revela o quanto a ação de ensinar é uma efetiva sociabilidade prática na medida em que cria mediações complexas (novos conteúdos, novas formas, novas técnicas de ensino, etc.) onde o contrato entre professor e aluno expressa que, pelo ato educativo, pela práxis criadora da educação, ambos sujeito-objeto do processo de ensinagem, tornam-se cada vez mais sociais e sociabilizados pela educação. Há, portanto, um recuo do Estado de Natureza hobbesiano rumo a uma socialização da natureza e do próprio homem, seja pelo trabalho (Marx) ou pela arte (Lukács)[7]. O homem quando se educa vai paulatinamente eliminando o poder da “miséria, da imundície, da solidão, da barbárie, da ignorância e da crueldade” (HOBBES, 2006, p.138). Como se vê a partir deste uso linguístico hobbesiano, o saber educar é conhecer a existência de novas necessidades e novas possibilidades que se abrem no constante processo elaboração de questionamentos e respostas, de formas do conteúdo e do conteúdo das formas, da aula expositiva e a exposição da aula, saber e sabor (como prega a autora) enfim, a lista é infindável. A ação de ensino pela mediação docente e a aprendizagem do estudante coagem o tempo inteiro se, e somente se, o ato teleológico-causal educativo trabalhar objetivamente as processualidades subjetivas em uma relação de objetivação que vise à compreensão, apreensão do conteúdo objetivo a ser ensinado de forma satisfatória. O desafio da educação como práxis é claramente tornar a práxis educativa, educadora e ativa.
No tópico quatro, processo de ensinagem: o movimento necessário, Anastasiou (2005, p.18) escreve que:

Para entender o movimento do pensamento, é importante retomar  os elementos da metodologia tradicional. Como a inteligência era associada à memorização, o trabalho docente se dirigia à explanação do conteúdo e à manutenção da atenção do aluno. A exposição era o centro do processo, acompanhado da anotação e memorização: a estratégia predominante era a da aula expositiva tradicional.

É salutar entender que a autora não abdica totalmente da metodologia tradicional. Claramente isso seria um equívoco porque a preleção do docente, as dúvidas dos alunos, a feitura de exercícios para fixação e a memorização são momentos importantes da aprendizagem. Só que eles não esgotam em si tal processo. A historicidade aqui deve ser enfatizada posto que hodiernamente o foco está na apreensão do conteúdo a ser apre(e)ndido. O aprender e o apreender levam dialeticamente a produção de uma nova forma-conteúdo: o processo de ensinagem.
É justamente essa dialética, presente o tempo inteiro no texto de Anastasiou, que ela vai enfatizar no tópico cinco intitulado: o movimento e o método dialético: breve incursão. O foco da autora está na defesa da lógica dialética perante a lógica formal no que tange a apropriação do conhecimento e de como esse conhecer (saber da existência) deve se tornar próprio e propriedade de indivíduos-sociais. Bebendo em autores como Georges Politzer, Vieira Pinto, Wachowicz, a filósofa brasileira Marilena Chauí, o filósofo marxista/lukacsiano Leandro Konder e Karel Kosik, Anastasiou insistirá na superioridade epistemológica da lógica dialética sobre a lógica formal, como um processo espiráleo de totalização. De fato, a lógica formal (presente em autores como Michel Foucault[8]) suprime o conflito, a contradição. Quando a educação, a ação de educar, se torna apenas uma análise formal, não-dialética, qualquer autor que adote esse percurso epistemológico deixa de se preocupar com as contradições objetivas da realidade social (no nosso caso, a sala de aula, p.ex.). Ou como escreveram dois velhos filósofos alemães:

Não é a consciência que determina a vida, mas a vida é que determina a consciência”.
(Marx & Engels, A Ideologia Alemã).

Apesar de a compreensão metodológica remeter a uma subjetividade (a escolha pessoal do método), o modo como uma determinada sociedade se reproduz materialmente põe a questão para o plano da objetividade. A objetividade, portanto, implica no estudo efetivo da realidade que independe das representações, das vontades[9] humanas. Deste modo, voltando à citação de Marx e Engels, não se explica a vida material pela consciência, mas sim se explica a consciência pelas contradições da vida material. Para o nosso caso, não se explica o processo de ensinagem pela consciência[10], mas sim pelas contradições da vida material.
Nos termos da dialética, destaque especial merece ser dado ao filósofo alemão George W. F. Hegel (1770-1831). A dialética é em Hegel idealista posto que concebe a realidade como manifestação do Espírito a partir dos movimentos de exteriorização (manifestação nas obras produzidas) e interiorização (sabedoria, reconhecimento e compreensão de que as obras são produto do Espírito). Além disso, a filosofia da história de Hegel apresenta como motor interno a contradição, bem como essa mesma história é, na verdade, a história do Espírito[11].
Todavia, Marx e Engels vão opor-se a esse entendimento da história partindo de concepções basilares do seu pensamento: 1) a contradição, que em Hegel é do Espírito consigo mesmo, aparece em Marx e Engels concretamente como luta de classes; 2) a dialética, que em Hegel é idealista, em Marx e Engels torna-se materialista.

Meu método dialético, por seu fundamento, difere do método hegeliano, sendo a ele, inteiramente oposto. Para Hegel, o processo do pensamento - que ele transforma em sujeito autônomo sob o nome de ideia - é o criador do real, e o real é apenas sua manifestação externa. Para mim, ao contrário, o ideal não é mais do que o material transposto para a cabeça do ser humano e por ela interpretado[12].

Como se vê, é a dialética materialista e a cosmovisão materialista que nos permite criticar o entendimento da história como desenvolvimento progressivo da Ideia e a filosofia “celestial” de Hegel.
Nos termos do materialismo histórico fundado por Marx e Engels n’A Ideologia Alemã, a análise de determinada realidade deve ter como foco as relações sociais de produção, posto que, justamente, permite a satisfação das necessidades básicas dos homens (comer, beber, vestir-se). Na mesma linha, pontuo a importância de se considerar a luta de classes como fundamento de uma totalização em curso e, simultaneamente, de apreensão das relações sociais concretas. Possibilita-se dessa maneira enxergar a unidade na diversidade como um processo de síntese de várias determinações, ou seja, permite conceber o pensamento como resultado do real[13].
Assim, uma verdadeira e autêntica educação dialética, toma como base a realidade, busca compreender nas contradições sociais da vida a concretude do seu fazer educativo. Uma educação ativa, dialética, concreta, visa em última instância sempre a emancipação do Homem, fazer do homem sujeito e objeto de si mesmo: é uma educação reflexiva, atenta aos problemas da sala de aula, da escola, da cidade, do estado, do país, do mundo, ao mesmo tempo em que partindo da realidade problematiza questões e fornece respostas, sempre parciais, sempre provisórias, mas cada vez mais próximas da realidade.
Feito isto, todo este pequeno excurso metodológico em diálogo com a autora, Anastasiou nos apresenta no tópico seis as operações de pensamento: comparação, resumo, observação, classificação, interpretação, crítica, busca de suposições, imaginação, obtenção e organização dos dados, levantamento de hipóteses, aplicação de fatos e princípios a novas situações, decisão e, por fim, planejamento de projetos e pesquisas. Nas palavras da própria autora:

Essas operações estão também presentes nas ações que operacionalizamos com os alunos, nos três momentos propostos na metodologia dialética: mobilização, construção e elaboração da síntese do conhecimento, visando ao conhecimento da visão inicial ou sincrética, à efetivação da análise e à busca de uma síntese qualitativamente superior (ANASTASIOU, 2005, p. 27).

Todas estas operações se apropriam da memorização, mas indo além dela. Esse ir além é ir além da “decoreba”, do conteúdo aprendido pelas regras formais da linguagem. Ir além é buscar uma educação e uma escola que encarne valores democráticos, ou, melhor ainda, que esteja em constante processo de democratização[14]. O alunado e o professorado devem saborear o saber, para fazer um jogo de palavras da autora, a fim de que suas vivências pessoais e sua relação contratual visem à humanização de si mesmo e dos outros.
No penúltimo tópico, de número 7, a autora vai tratar dos passos aos momentos. Isso significa que preparação, aplicação, generalização, simbolização e abstração (os passos), são momentos importantes do movimento educativo que deve relacionar a sociabilidade prática do discente e do docente, a fim de que ambos reelaborem suas práticas sociais. Metodologicamente, Anastasiou nos escreve que isso passa por três momentos do método dialético: a mobilização para o conhecimento, a construção do conhecimento  e a elaboração da síntese do conhecimento. Dessa forma, conhecer (saber da existência) nos impulsiona para a constituição objetiva do conhecimento prático, porque teórico. Teórico, pois problematiza, critica, historiciza pela práxis numa busca de totalização desvendar a realidade, identificar a essência da relação pedagógica: “a interação intencional, planejada e responsável entre aluno, professor e objeto de conhecimento” (ANASTASIOU, 2005, p. 34).
Por fim, no último tópico, na busca de uma síntese possível, a autora faz uma balanço fundamental do que expôs e confrontou com o processo de ensinagem, a saber: a visão de conhecimento, a consideração dos limites e possibilidades dos sujeitos atuantes no processo, a superação da alienação, a construção contínua da metodologia dialética, a busca dos percursos e a formação profissional continuada. Assim o processo de ensinagem se direciona para um fazer solidário e como um “desafio a uma ação docente inovadora e comprometida” (idem, p. 36).

REFERÊNCIAS

ANASTASIOU, Léa das Graças Camargos. Ensinar, aprender, apreender e processos de ensinagem. In: ANASTASIOU, Léa das Graças Camargos; ALVES, Leonir Pessate (orgs.). Processos de ensinagem na universidade: pressupostos de trabalho em aula. 5.ed. Joinville, SC: UNIVILLE, 2005. p.11-36.
COUTINHO, Carlos Nelson. O estruturalismo e a miséria da razão. 2ªed. São Paulo: Expressão Popular, 2010.
HOBBES, Thomas. Do Cidadão. TRAD. Fransmar Costa LIMA. São Paulo: Martin Claret, 2006.
LUKÁCS, György. Socialismo e democratização: escritos políticos 1956-1971. Organização, introdução e tradução de Carlos Nelson Coutinho e José Paulo Netto. 2ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2011.260p.
LUKÁCS, Georg. As Bases Ontológicas do Pensamento e da Atividade do Homem. Tradução de Carlos Nelson COUTINHO. Cf.<http://sergiolessa.com/BibliotecaLukacs.html>. Acesso em 01 set.2012a. p.1-20.
LUKÁCS, G. O trabalho. In Per una Ontologia dell’Essere Sociale. Trad. Ivo Tonet. Disponível em < http://sergiolessa.com/BibliotecaLukacs.html>. Acesso em 01 set. 2012b.
NETTO, José Paulo. Marxismo Impenitente: contribuição à história das ideias marxistas. São Paulo: Cortez, 2004.
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política: livro I. Trad. Reginaldo SANT’ANNA. 27ªed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira: 2010.
RODRIGUES, Mavi. MICHEL FOUCAULT SEM ESPELHOS: um pensador proto pós-moderno. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: UFRJ/ESS, 2006.
SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. 4ªEd. 2ª Reimpr. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 15ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2008.
SARTRE, Jean Paul. Questão de Método. São Paulo: Nova Cultural, 1987.



[1] Geógrafo e Professor de Geografia do Programa de Educação Pré-Vestibular para Jovens Afrodescendentes “Agadá”.  Mestrando em Geografia Humana na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP).  Membro do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA) e do Núcleo de Estudos e Pesquisas do Sindicalismo (NEPS) ambos da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Integrante da Rede Justiça nos Trilhos. E-mail: aj_ramone@hotmail.com
[2] “O processo de trabalho, que descrevemos em seus elementos simples e abstratos, é atividade dirigida com o fim de criar valores-de-uso [sic], de apropriar os elementos naturais às necessidades humanas; é a condição necessária do intercâmbio material entre o homem e a natureza; é condição natural e eterna da vida humana, sem depender, portanto, de qualquer forma dessa vida, sendo antes comum a todas as suas formas sociais” (MARX, 2010, p.218). O filósofo marxista húngaro György Lukács, na trilha deixada por Marx, atentou para a centralidade ontológica do trabalho: “A essência do trabalho consiste precisamente em ir além dessa fixação dos seres vivos na competição biológica com seu mundo ambiente. O momento essencialmente separatório é constituído não pela fabricação de produtos, mas pelo papel da consciência, a qual, precisamente aqui, deixa de ser mero epifenômeno da reprodução biológica: o produto, diz Marx, é um resultado que no início do processo existia "já na representação do trabalhador", isto é, de modo ideal” (LUKÁCS, 2012a, p.5).
[3] É bom deixar claro, como faz Mavi Rodrigues (2006, p.84) que “A teleologia limita-se a ação humana singular. Além disso, devemos ter em conta que mesmo reduzida ao agir humano singular, a teleologia abre alternativas; portanto, ela está associada a efeitos que independem das intenções conscientes”. Isso significa que a teleologia não pode ser concebida como algo fechado, um fim da história, mas sim de uma projeção ideal subjetiva no plano do mundo objetivo, mundo este que independe da consciência subjetiva/singular/individual do sujeito que realiza o movimento da prévia-ideação. O filósofo brasileiro Carlos Nelson Coutinho (1943-2012) assim dissertou sobre a relação entre teleologia e causalidade: “Com a vida social, introduziu-se no ser dos processos uma realidade nova, uma nova categoria ontológica: o ato teleológico. Enquanto na realidade natural ocorre apenas causalidade, na sociedade a causalidade relaciona-se estreita e organicamente com a teleologia. O ato teleológico primário, sobre o qual se organiza uma rede de complexos teleológicos de nível superior, verdadeiras objetividades teleológicas, é o trabalho econômico” (COUTINHO, 2010, p.87).
[4] Que na visão do geógrafo Milton Santos (2008) nunca houve, apenas está começando os primeiros ensaios. Quando analisamos tal observação vemos que Milton pôs a discussão sobre humanidade em seu sentido mais amplo, no plano da totalidade do homem.
[5] A História, sob o ponto de vista lukacsiano, é a produção e a reprodução das objetivações humanas ao longo do tempo (NETTO, 2004). Nesse sentido a história da educação deve ser vista pelo prisma da objetivação, ou seja, de como o ser humano em seu processo de humanização se apropria de objetos naturais para trazê-los para o campo das significações objetivas do seu próprio ser. Nessa linha, a educação, enquanto processo de humanização, faz do homem um “ser educado”. Traduzindo: um ser que ontologicamente busca se educar na exata medida em que se educa para continuar se fazendo homem.
[6] “[...] totalização como processo de revelação dialética, como movimento da Historia e como esforço teórico e prático para ‘situar’ um acontecimento, um grupo, um homem” (SARTRE, 1987, p.158). Na Geografia, foi Milton Santos (2006, p.76-77) que, baseando-se em Sartre, atentou para o espaço geográfico como uma totalização, um processo: “A Totalidade está sempre em movimento, num incessante processo de totalização, nos diz Sartre. Assim, toda totalidade é incompleta, porque está sempre buscando totalizar-se. Não é isso mesmo o que vemos na cidade no campo ou em qualquer outro recorte geográfico? Tal evolução retrata o movimento permanente que interessa à análise geográfica: a totalização já perfeita, representada pela paisagem e pela configuração territorial e a totalização que se está fazendo, significada pelo que chamamos de espaço”.
[7] Nesse sentido, ouso escrever que o processo de ensinagem pode ser pensado como uma crescente socialização do homem, mas também como um progresso na sociabilidade e nas formas de objetivação desta sociabilidade, seja pelo trabalho (como atestou primariamente Marx) ou pela arte (como enriqueceu Lukács). A sociabilidade em questão, na qual a educação é mediação indelével, põe-se como uma característica ineliminável do próprio ser humano em seu processo de humanização que é, por seu turno, um processo espaço-temporal (da escola, da sala de aula, dos horários, etc.) na medida em que os seres humanos travam relações sociais em espaços-tempos determinados não importando se tais relações ou processos de ensinagem (para o nosso caso) se dão no campo ou na cidade, na comunidade rural ou no bairro, na universidade ou na escola. É justamente este processo amplo de desenvolvimento educativo que relaciona sociabilidades espaços-temporais com formas de objetivações que conformam o conteúdo do próprio ser humano.
[8] De modo contrário posicionou-se o estruturalista francês Michel Foucault (1926-1984) em relação à dialética. Nos Ditos e Escritos IV – Estratégia, Poder-Saber Foucault foi claro: “Não aceito essa palavra dialética. Não e não! É preciso que as coisas estejam bem claras. Desde que se pronuncia a palavra 'dialética', se começa a aceitar, mesmo que não se diga, o esquema hegeliano de tese e da antítese e, com ele, uma forma de lógica que me parece inadequada, se quisermos dar uma descrição verdadeiramente concreta desses problemas. Uma relação recíproca não é uma relação dialética [...] Veja, a palavra 'contradição' tem, em lógica, um sentido particular. Sabemos bem o que é uma contradição na lógica das proposições. Mas quando se considera a realidade e se procura descrever e analisar um número importante de processos, descobre-se que essas zonas de realidade estão isentas de contradições [...] Tomemos o domínio biológico. Nele encontramos um número importante de processos recíprocos antagonistas, mas isso não quer dizer que se trate de contradições. Isso não quer dizer que haja, de um lado do processo antagonista, um aspecto positivo e, do outro, um aspecto negativo. Penso que é muito importante compreender que a luta, os processos antagonistas não constituem, tal como o ponto de vista dialético pressupõe, uma contradição no sentido lógico do termo [...] Se repito, de modo permanente, que existem processos como a luta, o combate, os mecanismos antagonistas, é porque encontramos esses processos na realidade. E não são processos dialéticos” (apud RODRIGUES, Mavi. MICHEL FOUCAULT SEM ESPELHOS: um pensador proto pós-moderno. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: UFRJ/ESS, 2006. p. 154).
Contra Foucault, trago a bela explanação do filósofo brasileiro Leandro Konder: “Durante séculos, a hegemonia do pensamento metafísico nos acostumou a reconhecermos somente um tipo de contradição: a contradição lógica. A lógica, como toda ciência, ocupa-se da realidade apenas em um determinado nível; para alcançar resultados rigorosos, ela limita o seu campo e trata de uma parte da realidade. [...] Existem, porém, dimensões da realidade humana que não se esgotam na disciplina das leis lógicas. Existem aspectos da realidade humana que não podem ser compreendidos isoladamente: se queremos começar a entendê-los, precisamos observar a conexão íntima que existe entre eles e aquilo que eles não são. [...] As conexões íntimas que existem entre realidades diferentes criam unidades contraditórias. Em tais unidades, a contradição é essencial: não é um mero defeito do raciocínio. Num sentido amplo, filosófico, que não se confunde com o sentido que a lógica confere ao termo, a contradição é reconhecida pela dialética como princípio básico do movimento pelo qual os seres existem. A dialética não se contrapõe à lógica, mas vai além da lógica, desbravando um espaço que a lógica não consegue ocupar” (KONDER, Leandro. O que é dialética. São Paulo: Brasiliense, 2008. p.46-47).
[9] Faço alusão aqui ao filósofo irracionalista, anti-dialético e anti-humanista Arthur Schopenhauer: “O mundo é minha representação. Esta proposição é uma verdade para todo ser vivo pensante, embora só o homem chegue a se transformar em conhecimento abstrato e refletido. A partir do momento em que é capaz de o levar a este estado, pode-se dizer que nasceu nele o espírito filosófico. Possui então a inteira certeza de não conhecer nem um sol nem uma Terra, mas apenas olhos que veem este sol, mão que tocam esta Terra, em uma palavra, sabe que o mundo que o cerca existe apenas como representação, em sua relação com um ser que percebe, que é o próprio homem. Se existe uma verdade que se possa afirmar a priori é esta, pois exprime o modo de toda experiência possível e imaginável, conceito muito mais geral que os de tempo, espaço e causalidade que o implicam” (SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e representação. Trad. M. F. Sá CORREIA. Rio de Janeiro: Contraponto, 2001. p.9).
[10] Isso não quer dizer que a consciência, por ser abstrata, não tenha implicações reais. Ora, quando Lukács (2012b) diz que a consciência deixa de ser um epifenômeno biológico está justamente alertando-nos para o papel da consciência em servir ao homem, ao ser social. O ser social progride, pelo desenvolvimento do trabalho, a consciência progride, ou seja, o homem torna-se cada vez mais consciente de suas realizações. Esse tornar real é produto do ato teleológico humano-singular mediado pelo trabalho (a práxis criadora).
[11] CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. 2ªed. São Paulo: Brasiliense, 2008.
[12] MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política: livro I. Trad. Reginaldo SANT’ANNA. 27ªed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira: 2010.p.28.
[13] MARX, Karl. Contribuição à crítica da economia política. 2ªed. Lisboa: Editorial Estampa, 1973.
[14] Lukács (2011, p.85) entendia a democratização como um processo ontológico, pois para o mestre húngaro “trata-se sobretudo de um processo e não de uma situação estática”. Mais a frente (idem, p.111) o filósofo marxista nos escreve que a democracia socialista é “o órgão desta auto-educação do homem (na perspectiva histórico-universal, ou seja, da auto-educação para ser efetivamente homem no sentido de Marx)”. Ademais, na página 117, Lukács anota: “a tarefa da democracia socialista é penetrar realmente na inteira vida material de todos os homens, desde a cotidianidade, até as questões decisivas da sociedade; é dar expressão à sua sociabilidade enquanto produto da atividade pessoal de todos os homens”. E quando fala de educação mesmo, o mestre húngaro não é menos brilhante: “a educação pode deixar de ser uma superestrutura produzida automaticamente em certo grau de desenvolvimento econômico para transformar-se assim em fator de ampliação e aprofundamento da vida individual de cada indivíduo, em força social criada pelo homem consciente, força que, em sua real sociabilidade, faz com que a redução do tempo de trabalho necessário para própria reprodução torne cada pessoa capaz de produzir o que Marx chamava de ‘supérfluo’ e de se apropriar deste ‘supérfluo’ para construir e aperfeiçoar a si mesmo” (idem, p. 142).