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São Luís, Maranhão, Brazil
Homem simples e comum: procuro ser gentil com as pessoas, amigo dos meus amigos e bondoso com a minha família. Sou apaixonado por filmes, internet, livros, futebol e música. Estou tentando sempre equilibrar corpo e mente, manter-me informado das notícias a nível mundial, ministrar aulas de geografia em paralelo às pesquisas acadêmicas que desenvolvo e, no meio de tudo isso, tento achar tempo para o lazer e o namoro. Profissionalmente,sou geógrafo e professor de Geografia no Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Instituto Federal do Maranhão (IFMA ­ Campus Avançado Porto Franco) e Doutorando em Geografia Humana na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Membro do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA) e do Núcleo de Estudos do Pensamento Socialista Pesquisa do Sindicalismo (NEPS), ambos da UFMA. Participo da Rede Justiça nos Trilhos.

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Índios permanecem bloqueando a Estrada de Ferro Carajás

Imagem: Reprodução do G1 MA.
O bloqueio acontece desde a última sexta-feira (21). É a sétima vez que a ferrovia é interditada somente no mês de agosto.
Do G1 MA*
Os índios Guajajaras permanecem interditando a Estrada de Ferro Carajás no município de Alto Alegre do Maranhão, na região oeste do estado, distante 219 km da capital, São Luís. O bloqueio da estrada de ferro acontece desde a última sexta-feira (21). Somente no mês de agosto é a sétima vez que a ferrovia é interditada.
O protesto dos indígenas é contra o não cumprimento de alguns itens presentes em um documento elaborado pela mineradora Vale junto aos índios. O documento em questão trata-se de um acordo entre as partes para tentar resolver um impasse: a mineradora está duplicando a estrada de ferro Carajás, que vai tornar mais rápido o escoamento de minério, mas a obra vai causar alguns impactos. Um dos trechos da duplicação está dentro da terra indígena Caru, e para que as obras continuem, os índios querem compensações.
Durante quase um ano, várias reuniões foram realizadas na tentativa de chegar a um consenso. Os índios apresentavam as propostas que deveriam entrar no documento intitulado Plano Básico Ambiental (PBA). Mas em julho deste ano, quando o plano foi apresentado, vários pedidos feitos pelos indígenas não estavam presentes no documento.
Segundo a Líder do Conselho Indígena das Mulheres, Rosilene Guajajara, o ato é uma forma de cobrar e reafirmar as propostas feitas pela comunidade. “Nós não vamos abrir mão de nenhuma proposta que foi colocada pela nossa comunidade. É o mínimo que a Vale pode fazer pra compensar o prejuízo enorme que ela vem causando ao povo indígena”, disse.
Entre as solicitações estão a construção de casas e uma balsa para facilitar a locomoção de veículos e pessoas doentes. Os índios querem benefícios que não sejam passageiros. Para eles, algumas consequências como a poluição e a dificuldade na prática da caça são difíceis de serem revertidas.
A Vale informou por meio de nota que já ingressou com ação de reintegração de posse visando a desobstrução da ferrovia. A empresa disse que adotará as medidas criminais cabíveis para a responsabilização de todos os invasores e reafirmou o compromisso em manter diálogo aberto e transparente com a comunidade.
*Com informações da TV Mirante

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Atingidas e Atingidos pela Vale lançam documento político sobre V Encontro Internacional, em M


Entre os dias 13 e 15 de agosto deste ano, mais de 100 mulheres e homens do Brasil, Moçambique, Peru, Colômbia, Suíça, Canadá e Argentina estiveram reunidos no V Encontro Internacional das Atingidas e Atingidos pela Vale. Foi uma oportunidade para debater as experiências acumuladas, assim como para traçar estratégias no enfrentamento das violações cometidas pela mineradora Vale por todo o mundo.
O encontro ocorreu na cidade de Ouro Preto, no coração da região mais afetada pela mineração em Minas Gerais, o chamado Quadrilátero Ferrífero. Ele foi precedido por duas caravanas de atingidas e atingidos que percorreram territórios em Minas, Pará e Rio de Janeiro, conhecendo e documentando os crimes cometidos pela empresa. Do acúmulo das caravanas e do Encontro surgiram estratégias de resistência e metas que servirão de base para as ações da Articulação durante todo o próximo ano. Veja abaixo na carta política do Encontro:
Carta de Ouro Preto
Documento Político do V Encontro Internacional das Atingidas e Atingidos pela Vale
Nós, comunidades tradicionais, movimentos socioambientais, sindicatos, organizações sociais do Brasil e do mundo, integrantes da Articulação Internacional das Atingidas e dos Atingidos pela Vale, nos reunimos em nosso V Encontro Internacional após percorrer em caravanas territórios afetados pela empresa no Pará, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Ao longo do percurso, testemunhamos casos de violações de direitos cometidos pela Vale. No Pará, visitamos a Terra Indígena Mãe Maria, onde o povo Akrãtikatêjê sofre com a violação ao seu direito territorial. Em Canaã dos Carajás, os Acampamentos Grotão do Mutum e Planalto Serra Dourada lutam pela devolução do território camponês apropriado pela Vale. Em Parauapebas, os trabalhadores da Vale são vítimas de práticas antisindicais, e de acidentes, mutilações e doenças associadas as precárias condições de trabalho. Por sua vez, os agricultores do assentamento Palmares se opõem ao modelo econômico imposto pela Vale na região. Em Marabá, as comunidades Alzira Mutran e KM 07 sofrem pelo desrespeito ao seu direito à moradia adequada. Em Minas Gerais, comunidades inteiras estão ameaçadas pela privação e contaminação de suas fontes de água pelo projeto da Vale na Serra da Gandarela. Por outo lado, as comunidades do Morro da Água Quente e Catas Altas, e Pires e Plataforma (Congonhas, MG), e Santa Cruz (Rio de Janeiro, RJ) já sentem os efeitos cotidianos da contaminação do ar e da água. A luta pela água, aliás, une todos as atingidas e atingidos pela Vale. O testemunho dos representantes das comunidades atingidas de Piura e Cajamarca (Peru), Tete e Corredor de Nacala (Moçambique), Mendoza (Argentina), da Colômbia e do Canadá, presentes no encontro, confirmam que a Vale reproduz este mesmo padrão violador de direitos em outros estados brasileiros e ao redor do mundo.
Os Estados Nacionais dos países onde a Vale opera são cúmplices dessas violações cometidas pela empresa, em especial o Estado Brasileiro por deter ações da empresa e financiar com recursos públicos subsidiados do BNDES tais operações. A assinatura de convênios e acordos entre Estados e a Vale às custas dos direitos dos trabalhadores e das comunidades e o fomento aos grandes projetos de desenvolvimento econômico contribuem para a perpetuação das desigualdades sociais, como por exemplo no acesso à terra. O resultado é o sacrifício dos direitos conquistados, sob o pretexto da crise econômica. Repudiamos ainda as práticas de evasão fiscal, o desrespeito nos processos de licenciamento ambiental e, sobretudo, a criminalização de defensores e defensoras de direitos humanos e lideranças em resistência.
Denunciamos a degradação das condições de trabalho e a piora permanente do nível de vida dos trabalhadores da Vale. Essa realidade, que mata, mutila e enlouquece milhares de trabalhadores anualmente, representa um ataque da Vale ao único meio que muitos destes trabalhadores têm para viver: a venda, cada vez mais depreciada, de sua força de trabalho. Os idosos, as mulheres, trabalhadoras e das comunidades, e as crianças são especialmente atingidas pela Vale: eles são a memória, o suporte e o futuro das nossas comunidades e lutas. O racismo ambiental é outra face da ação da Vale pois as populações negras e os povos indígenas sofrem de maneira desproporcional os impactos provocados nos territórios onde a empresa está presente. No terceiro aniversário do massacre de Marikana, na África do Sul, nos solidarizamos com os familiares dos trabalhadores da mineradora Lonmin e com os seus companheiros de trabalho.
Nós, comunidades tradicionais, movimentos socioambientais, sindicatos, organizações sociais, defendemos a vida; nos organizamos, nos informamos e formamos. Estamos atentos às constantes violações de direitos humanos e ao saque de recursos naturais praticados pela Vale. A empresa e os governos não querem que nos organizemos e buscam nos dividir para reinar. As políticas de responsabilidade social corporativa e de sustentabilidade, a espionagem e a criminalização praticadas pela Vale pretendem desarticular a luta das comunidades e dos trabalhadores, almejam invisibilizar a luta, porém, unidos e solidários somos mais fortes. A crise da empresa não é uma crise real, mas apenas uma estratégia para maximizar seus lucros através da intensificação da jornada de trabalho dos trabalhadores e ampliação das suas operações, aumentando ainda mais os seus impactos. Não nos calaremos, porque o crescimento da Vale atenta contra os nossos direitos. Contra isso nos insurgimos.
Lutar não é crime! Exigimos nossos direitos!
Minas Gerais, 13, 14 e 15 de agosto de 2015


Justiça anula registro de posse da Vale em Curuçá e proíbe licenciamento do porto de Espadarte


Área pertence a reserva extrativista

Em sentença do último dia 13 de agosto, a Justiça Federal anulou os registros de ocupação da Companhia Vale do Rio Doce no município de Curuçá, nordeste do Pará, e proibiu o licenciamento do porto de Espadarte, que a empresa tentava implantar na região. A área pertence à Reserva Extrativista (Resex) Marinha Mãe Grande de Curuçá, um impedimento legal definitivo para a instalação do porto.

“A incompatibilidade entre o empreendimento que se pretende implantar e  a finalidade da unidade de conservação autorizam desde já a suspensão de qualquer estudo prévio acerca da viabilidade técnica, socioambiental e econômica do empreendimento”, diz a sentença da Vara Federal de Castanhal, assinada pelo juiz Paulo Máximo Cabacinha.

A decisão atende pedido do Ministério Público Federal (MPF) que apontou, desde 2011, a ilegalidade do licenciamento do porto de Espadarte. Além de proibir quaisquer estudos e o licenciamento da atividade, a Justiça ordenou à União que anule quatro registros imobiliários que atualmente estão em nome da Vale e foram repassados pela RDP Empreendimentos Portuários. A União está proibida de conceder novos registros também.

Os registros que a Vale detinha correspondem a terrenos nas ilhas Guarás, Ipemonga e Mutucal, onde seria instalado o porto de Espadarte, de acordo com o projeto apresentado aos moradores de Curuçá desde a década passada. A Mãe Grande de Curuçá é uma das nove reservas extrativistas marinhas existentes no Pará. Oito estão situadas no litoral continental paraense e uma está localizada no arquipélago do Marajó. As nove resex foram criadas com o objetivo de possibilitar a preservação da zona costeira, rica região de mangue, também conhecida como “amazônia atlântica”, que forma, juntamente com o litoral do Maranhão, a maior área de manguezal contínuo do planeta.

Histórico - A resex Mãe Grande de Curuçá, que tem 37 mil hectares e abriga 2 mil famílias, foi criada em dezembro de 2002 por meio de um decreto presidencial. Em 2006, a Companhia Docas do Pará realizou reunião para tratar da concessão para o porto do direito de uso de três ilhas da resex, com área total de 5 mil hectares. Segundo o projeto, em uma delas, a Guarás, seria instalado o porto. Nas outras duas (Ipemonga e Mutucal) seriam implementados sistemas de transporte para ligar o porto ao continente. Naquele ano, o MPF abriu investigação para acompanhar o caso.

Em 2008, a RDP Empreendimentos e Serviços Portuários, que possuía registros de ocupação de imóveis nas ilhas, solicitou ao Ibama termo de referência para dar início aos estudos de impactos ambientais. No início de 2010, a União entregou a área para o Ministério do Meio Ambiente. Pelo acordo, a área só poderia ser utilizada para as atividades da resex. No final do ano, a RDP transferiu para a Vale os registros de ocupação que possuía.

Em 2010 e 2011, o MPF entrou em contato com a Secretaria de Patrimônio da União (SPU), que confirmou que essas áreas integram a resex. A SPU também informou que sugeriu o bloqueio, no sistema de administração patrimonial da União, dos registros de ocupação ou aforamento concedidos, impossibilitando a expedição de certidões de autorização de transferências em áreas situadas em unidades de conservação.

"É totalmente incompatível com a existência de uma unidade de conservação na modalidade reserva extrativista o empreendimento portuário que se estuda implantar", criticam os procuradores da República Bruno Valente, Daniel Azeredo Avelino e Felício Pontes Jr na ação. "Referido empreendimento importaria, necessariamente, em impacto sobre considerável área de manguezal situada no interior da resex, e sobre a qual as milhares de famílias de usuários extraem seu sustento. Além do impacto direto sobre o ecossistema, o fluxo de embarcações que um terminal portuário desse porte atrairia trafegaria em parte da área de espelho d'água que compõe a unidade de conservação, afetando de maneira direta a atividade de pesca realizada no local", observa o MPF.

"É importante, portanto, estabelecer que, independentemente de qualquer juízo de valor a ser formado acerca da importância do empreendimento em relação à das comunidades tradicionais, mostra-se, por força das disposições legais que regem a matéria, a total incompatibilidade entre a presença de uma reserva extrativista e de um empreendimento portuário no mesmo local. Portanto, o empreendimento apenas passaria a ser juridicamente possível se a área onde se pretende instalá-lo deixasse de ser reserva extrativista, o que depende de lei federal para ocorrer", complementam Soares Valente, Azeredo Avelino e Pontes Jr.


Processo nº 0022691-94.2011.4.01.3900 - Justiça Federal em Castanhal

Íntegra da decisão:
http://www.prpa.mpf.mp.br/news/2015/arquivos/Sentenca_Porto_Espadarte_Vale_Curuca-PA.pdf

Acompanhamento processual:
http://processual.trf1.jus.br/consultaProcessual/processo.php?proc=00226919420114013900&secao=CAH


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quarta-feira, 19 de agosto de 2015

David Harvey vê a revolta curda e o pós-capitalismo

De Madri a Kobane, metrópoles são cada vez mais centrais para superar sistema, diz geógrafo — mas esquerda clássica prefere acalentar visão romântica sobre luta de classes
Entrevista a Sardar Saadi, na Roarmag  | Tradução Pedro Lucas Dulci – Outras Palavras
David Harvey é Professor de Antropologia e Geografia no Centro de Pós-Graduação da Universidade da Cidade de Nova York (CUNY). Ele estava na cidade de Diyarbakir, próxima ao Curdistão turco, para uma visita à região e também para participar de um painel na primeira Feira do Livro Amed com seu mais recente livro, Dezessete Contradições e o fim do capitalismo, traduzido em turco pela Sel Publishing. O colaborador da ROAR Sardar Saadi sentou-se com ele para uma entrevista.
Você pode dizer aos nossos leitores o que você trouxe para o Curdistão? Ouvi dizer que esteve em Kobane também?
Esta é a minha terceira visita a esta parte da Turquia, e eu tenho algumas conexões pessoais fortes com algumas das pessoas que ensinam na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Mardin Artuklu. Mardin é um lugar muito bonito para visitar, e eu encontrei uma maneira de combinar o prazer e algum trabalho. Mas também estou aqui por causa da situação geral na Turquia e, em particular, também na região autônoma curda de Rojava, na Síria. O lado sírio da fronteira é fascinante. Ao mesmo tempo, é bastante horrível. Tenho me interessado por ele ultimamente. Tentei chegar a Kobani, também, mas o governo turco basicamente fechou a fronteira.
Os governantes da Turquia e da região curda do Iraque impuseram um embargo a Rojava. Como você conecta isso com o que está acontecendo na região?
Posso apenas especular que ninguém quer que nada do que está acontecendo em Rojava assuma proeminência internacional, e ninguém quer que nada do que está acontecendo lá tenha sucesso. Esse é o meu palpite. E ele é muito óbvio.
Existem muitas iniciativas para reconstruir Kobane. Os ataques aéreos e os bombardeios deixaram a cidade quase inteiramente destruída. Qual é sua perspectiva sobre a reconstrução e sobre as possibilidades de criar alternativas anticapitalistas na área?
Eu vi um mapa com dados de satélite: fica claro que mais de 80% de Kobane foi destruída. A reconstrução é essencial, vai se concentrar nos edifícios de superfície e trazer o povo de volta. Isso oferece uma gama de oportunidades para pensar criativamente sobre uma urbanização alternativa.
Penso que a maior dificuldade será enfrentar os direitos de propriedade existentes, em um grau que a população local possa restabelecer-se. Eles provavelmente querem construir seus direitos de propriedade na forma em que existiam antes: vão querer ter de volta o velho estilo de urbanização, e isso aconteça. Nesse, a questão também será de onde virão os recursos para a reconstrução.
Ainda assim, penso que existem oportunidades para explorar alternativas anticapitalistas. Se essa possibilidade vai ser aproveitada, não sei. Mas, na medida em que os pensadores curdos têm sido influenciados por alguém como Murray Bookchin, eu penso que há a possibilidade de a população explorar algo diferente. Disseram-me que existem formas de governo em assembleias de base em Rojava, mas eu ainda não vi nada. Eu me preocupo um pouco, você sabe, com o romantismo da esquerda. Os zapatistas disseram “revolução” e todo mundo romantizou com o que eles estavam fazendo.
Recentemente, comparei a revolução em Rojava e os zapatistas. Levantei a hipótese de Rojava estar se tornando algo como a Chiapas do Oriente Médio. Você pensa que existe similaridade entre essas duas lutas?
Nem tanta semelhança – no sentido em que os zapatistas organizaram-se, tomaram o controle do seu território e conseguiram protegê-lo de uma maneira particular e em um momento particular. Não foram devastados por uma guerra. Não tiveram tantos problemas como o povo de Rojava está enfrentando. Mas tinham uma estrutura comunal pré-existente, por isso havia uma forma de governo anterior – eles não têm que implementar tudo do zero. Nesse sentido, acho que há grandes diferenças.
Penso que a ideia de similaridade vem da noção que algumas pessoas da esquerda na Europa e na América do Norte ainda têm: “oh, esse é o lugar, finalmente!”. Sempre digo a eles que o lugar que deveria ser construído o socialismo revolucionário é nos Estados Unidos, sem esperar que algo em Chiapas ou no norte da Síria nos livre do capitalismo [risos]. Isso não vai acontecer.
Como você acha que o movimento de solidariedade internacional pode ser produtivo em ajudar Rojava?
Há algumas coisas básicas, eu diria. Não importa o que acontece lá, eu acho que a emancipação do povo curdo – na medida em que existe um nível de autogoverno – é algo que vale a pena apoiar. Eu mesmo estou muito feliz em apoiá-la. Na medida em que essas comunidades estão experimentando novas formas de governança e querem experimentar novas formas de desenvolvimento urbano, penso que vai ser muito interessante falar com eles. Estou contente por perceber que as pessoas pensam fazer algo diferente. Na medida em que eu possa ajudar ou ajudar a mobilizar ajuda, eu gostaria ser capaz fazê-lo.
É claro que haverá barreiras para isso. Teremos que encontrar maneiras de contornar essas barreiras. Por exemplo, há um grupo alternativo de pessoas da Europa e América do Norte que está tentando agora redesenhar a urbanização em Gaza. Eu acho que, se eles forem realmente capazes de fazer alguma coisa lá, poderiam se mobilizar para fazer algo em Rojava também.
Existem possibilidades reais. Mas falando pessoalmente, gostaria de ser cauteloso em dizer, “oh, isso é uma grande coisa que aconteceu, tudo é ótimo”. Ao invés disso, gostaria de dizer: “olha, acho que as coisas estão avançando numa direção interessante, digna de nosso apoio e discussões; devemos fazer o nosso melhor para tentar apoiar o que a própria população está construindo”.
Você mencionou em uma entrevista à agência de notícias Firat, durante uma conferência em Hamburgo, que o Oriente Médio é uma região caindo aos pedaços. No entanto Rojava está florescendo como uma alternativa neste ambiente caótico, você não acha?
Bem, o que está acontecendo nesta região é uma parte crucial do mundo geopolítico. O Oriente Médio está uma verdadeira bagunça. Todo mundo coloca seu dedo: os russos, os chineses, os americanos, os europeus. É uma zona de conflitos, há bastante tempo. Olhe para o que está acontecendo na Síria, a guerra civil libanesa, a situação no Iraque, e agora o que está acontecendo no Iêmen, no Egito, e assim por diante. É um zona geológica muito instável, em meio a uma configuração geopolítica do mundo também muito instável, que está produzindo desastres para as populações locais.
Mas algo que muitas vezes acontece nas catástrofes é que as coisas novas surgem a partir delas. Podem ser muito significativas. A razão pela qual o desastre produz algo novo é que a estrutura de poder burguês típico desaparece, e as classes dominantes são incapazes de governar. Isso cria uma situação onde as pessoas podem começar a governar-se fora dessas estruturas tradicionais de poder. As possibilidades surgem não só em Rojava, mas também em outros lugares. Algumas das novidades, é claro, não serão muito agradáveis – como o ISIS. Ou seja: não estou dizendo que tudo está caminhando na direção certa. É uma zona de oportunidades, bem como de catástrofes.
Gostaria de falar sobre cidades. Na última década, elas têm importância crescente na política curda. Em Diyarbakir, onde estamos agora, a prefeitura pró-curda está intervindo na vida socioeconômica e política da cidade, bem como na reapropriação de espaços urbanos. Além disso, pela primeira vez, a resistência de Kobane é a resistência de uma cidade – ao contrário de revoltas anteriores na história do movimento curdo, que eram tradicionalmente relacionadas a uma tribo, um líder tradicional, ou um partido político nacionalista que liderava resistência. Quero saber se podemos ligar a resistência em Kobane, ou o exemplo do movimento municipalista em Diyarbakir e outras cidades curdas na Turquia, com o movimento global mais amplo surgido nos últimos anos em lugares como a Praça Tahrir, no Cairo, o movimento Occupy que começou em Nova York, os protestos Gezi em Istambul, ou, mais recentemente, os motins em Baltimore. Você vê uma conexão entre essas formas emergentes de política urbanas de rua?
Sim, o mundo está cada vez mais urbanizado e vemos cada vez mais o descontentamento emergente com a qualidade da vida urbana. Esse descontentamento produz revoltas ou protestos de massa, em alguns casos, como Gezi e o que aconteceu no Brasil em 2013. Existe uma longa tradição de revoltas urbanas — a Comuna de Paris em 1871 e outras eclosões muito anteriores — mas penso que a questão urbana está realmente tornando-se central hoje, e a qualidade de vida urbana tomando a dianteira do que são os protestos contemporâneos.
Mas, ao mesmo tempo, cada vez mais, vemos protesto político internalizado dentro das cidades. O que estamos começando a ver, com as Forças de Defesa de Israel confrontando palestinos em Ramallah e outras cidades, é que não se trata mais de disputas estado-versus-estado — mas de tentativas do estado para controlar o restante da população urbana. Isso ocorre até mesmo nos EUA, em um lugar como Ferguson, onde uma força armada saiu para enfrentar o protesto. E em Baltimore, também. Cada vez mais, eu penso, vamos ver esse tipo de conflito urbano de base surgindo das populações, e veremos cada vez mais os aparatos do Estado afastarem-se das pessoas que deveriam servir, tornando-se parte de os aparatos administrativos do capital que estão reprimindo as populações urbanas.
Em suma, esses tipos de revoltas urbanas emergem de forma desigual em todo o mundo: em Buenos Aires, na Bolívia, no Brasil, etc: a América Latina está cheia desse tipo de material. Mas mesmo na Europa tem havido grande agitação urbana: em Londres, Estocolmo, Paris, e assim por diante. O que temos a fazer é começar a pensar em uma nova forma de fazer política, que fundamentalmente é o que o anti-capitalismo deve ser. Infelizmente, a esquerda tradicional ainda se concentra estritamente nos trabalhadores e no local de trabalho, ao passo que agora é a política da vida cotidiana que realmente importa.
A esquerda é, por vezes, muito conservadora em termos do que pensa ser importante. Marx e Engels tinham uma visão de certo tipo de proletariado. Bem, esse proletariado desapareceu em muitas partes do mundo, mesmo que tenha ressurgido em outros, como China e México, sob distintas condições. Por isso, a esquerda tem que ser muito mais flexível na sua abordagem aos movimentos anti-capitalistas emergentes e em torno da questão da vida urbana que eclode nas revoltas em Baltimore, Praça Tahrir e assim por diante. O que não quer dizer que elas são todos iguais — porque não são — mas há claramente certo paralelo entre esses movimentos.
O que você acha dos possíveis desdobramentos das revoltas ocorridas em lugares como Baltimore, para o movimento global contra o capitalismo? São apenas protestos momentâneos, em condições espaço-temporais específicas, ou podem ser vistos como indicadores de algo fundamentalmente errado com o sistema?
Uma das maiores dificuldades, politicamente falando, é levar as pessoas a ver a natureza do sistema em que vivem. O sistema é muito sofisticado em disfarçar o que faz. Uma das tarefas dos marxistas e teóricos críticos é tentar desmistificar, mas você pode ver isso acontecendo de forma intuitiva, às vezes. Tome, por exemplo, o movimento dos Indignados: algo acontece na Espanha e, em seguida, de repente acontece na Grécia e em outros lugares. Pense no movimento Occupy: de repente, há ocupações acontecendo em todo o lugar. Portanto, não há conectividade aqui.
Um evento específico, como a revolta de Baltimore não significa nada em si mesmo. O que ele faz, quando você o relaciona a Ferguson ou a alguns dos novos fenômenos políticos que estão surgindo, é mostrar que grandes populações têm sido tratadas como seres humanos descartáveis. Isso acontece nos Estados Unidos e em outros lugares. De repente as pessoas começam a ver que se trata de um problema sistêmico. Uma das coisas que deveríamos estar fazendo é enfatizar a natureza sistêmica deste tipo de evento, mostrando que o problema está no sistema.
Eu vivi em Baltimore por muitos anos – e o que está acontecendo lá agora é realmente uma repetição do que encontrei em 1969, um ano após uma série de lugares ser incendiada. Ou seja, passaram-se décadas e as coisas ainda são as mesmas! Você poderia se perguntar, “mas o que mantém tudo da mesma maneira?” Apesar de todas as promessas daqueles que alegaram estarem resolvendo a situação na década de 1970, ou daqueles que afirmam ter a saída para hoje, isso não acontece — e simplesmente não vai acontecer. Na verdade, um monte de outras coisas está piorando.
Baltimore é interessante não só por causa do que aconteceu nas áreas pobres. O resto da cidade realmente tornou-se extremamente rico e valorizado — por isso, surgiram na prática duas cidades. Sempre houve duas cidades, mas agora existem duas cidades com um abismo muito maior entre elas, e todo mundo vê a diferença. Li uma entrevista com alguém na Praça Tahrir, e uma das coisas de que se falava é que sempre viveram em condições não muito abastadas, mas algumas pessoas estavam ficando podres de ricas. Os entrevistados não podiam entender por que as pessoas estavam ficando podres de ricas, enquanto o resto estava empobrecendo ou apenas permanecendo igual. E foi a partir da raiva provocada por essa disparidade que se voltaram contra o sistema. Isto é verdade em Baltimore, algo do tipo: “sua parte da cidade é boa, e minha parte da cidade está em despencando”.
Isso acontece com a maioria das cidades. Você olha ao redor e vê isso em Istambul, em todos os lugares. O que o governo está fazendo a respeito? Bem, está varrendo as pessoas das chamadas áreas de favelas, porque elas estão assentadas em terras de alto valor, e tais terrenos poderiam ser dados para desenvolvedores que poderiam, então, construir centros comerciais e espaços de escritório. É diante disso que as pessoas dizem “não está certo!” É assim que chegamos ao ponto que leva as pessoas a começarem a exercer o seu direito à cidade, que é o de usar a cidade para seus próprios propósitos.
Queremos exercer nosso direito à cidade de nossa maneira particular, que é radicalmente diferente daquela do capital. Queremos fazer um tipo diferente de cidade. Como faremos isso? Nós podemos fazê-lo? Estas são perguntas difíceis. Quando as pessoas levantam essa demanda, outra questão surge: você pode fazer isso dentro da estrutura existente dos direitos de propriedade? Existe, nos Estados Unidos, a crença de que a propriedade privada e a propriedade da terra não são um problema. Parte da solução, eu suponho, surgirá quando as pessoas começarem a perceber que essa concepção é parte do problema. Isso as levará a ver que é preciso chegar a uma estrutura alternativa de direitos de propriedade, que não são particulares. São coletivos, comuns.
Termino perguntando o que inspirou sua vinda ao Curdistão. Algo pode trazê-lo de volta aqui?
Como eu disse, toda esta região é bastante crítica. Tive, não muito tempo atrás, fantasias de que iria me mudar para outro lugar. Pensei que eu pudesse me fixar em Atenas e, então, trabalhar parte do tempo na Turquia, um pouco no Líbano, um pouco no Egito, a zona entre a Europa e essa região. O que está acontecendo aqui parece ser fascinante, eu gostaria de estar presente. Também tenho bons amigos aqui, e uma editora maravilhosa, a Sel Publishing. Devo dizer que eles têm feito um trabalho maravilhoso de traduzir e de me convidar para vir aqui e dar uma olhada nas coisas. Se eu conseguir entrar em Kobane, é porque eles têm trabalhado muito duro para isso.
Espero em breve ver seus livros traduzidos em língua curda – e tenho certeza de que o povo de Diyarbakir ficará feliz em recebê-lo, se você quiser se mudar para essa região. Muito obrigado pelo seu tempo, professor Harvey. Eu espero que você entre em Kobane breve.
Sardar Saadi é ativista que mora em Toronto e estudante de doutorado em antropologia na Universidade de Toronto