Quem sou eu

Minha foto
São Luís, Maranhão, Brazil
Homem simples e comum: procuro ser gentil com as pessoas, amigo dos meus amigos e bondoso com a minha família. Sou apaixonado por filmes, internet, livros, futebol e música. Estou tentando sempre equilibrar corpo e mente, manter-me informado das notícias a nível mundial, ministrar aulas de geografia em paralelo às pesquisas acadêmicas que desenvolvo e, no meio de tudo isso, tento achar tempo para o lazer e o namoro. Profissionalmente,sou geógrafo e professor de Geografia no Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Instituto Federal do Maranhão (IFMA ­ Campus Avançado Porto Franco) e Doutorando em Geografia Humana na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Membro do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA) e do Núcleo de Estudos do Pensamento Socialista Pesquisa do Sindicalismo (NEPS), ambos da UFMA. Participo da Rede Justiça nos Trilhos.

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Assustador retrocesso ambiental. Governo mineiro aprova nova legislação que favorece Vale. Entrevista especial com Maria Teresa Viana de Freitas Corujo

gandarela
“Um projeto de urgência nesse momento deveria avaliar quais bacias hidrográficas precisam imediatamente não ter mais perda de água”, diz a integrante do Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela
Por Patricia Fachin – IHU On-Line
“Quando aconteceu a tragédia de Mariana, nós pensamos que o governador retiraria o caráter de urgência do PL, porque não faz o menor sentido priorizar um PL de interesse econômico depois de uma tragédia desse porte. Neste momento há outras ações a serem tomadas em caráter de urgência, como reavaliar as mais de 50 barragens que estão em risco. Mas fomos surpreendidos”.
A declaração é de Maria Teresa Viana de Freitas Corujo, que acompanhou o processo de tramitação e aprovação do PL nº 2.946/2015 na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, na tarde da última quarta-feira, 25-11-2015.
O PL nº 2.946/2015, de autoria do governador Pimentel, propõe alterar o sistema estadual de meio ambiente, mas de acordo com Maria Teresa, ele “altera em muito também diversos aspectos da política ambiental de Minas Gerais”. Ela diz ainda que “o PL foi elaborado em um formato como se fosse apenas uma alteração da estrutura do sistema estadual, no entanto o texto altera os eixos da política ambiental do estado”.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, Maria Teresa explicou que “o texto original – que chamamos de AI-5 ambiental – estava elaborado de tal modo que centralizava no governo toda a política ambiental. Por exemplo, o Conselho de Política Ambiental – Copam, que é o órgão máximo de gestão ambiental, no sentido de propor e deliberar sobre as políticas ambientais do estado, segundo o PL aprovado passa apenas a propor algo em relação à gestão ambiental, porque a deliberação ficou a cargo do governo do poder Executivo”. E complementa: “Decidiu-se, segundo o texto aprovado, que o Conselho Estadual de Desenvolvimento Econômico pode apontar projetos prioritários para o governo, os quais terão atendimento priorizado para facilitar o licenciamento, inclusive criando uma estrutura diretamente ligada ao secretário de Estado de Meio Ambiente, com o papel de finalizar o licenciamento, sem passar pelo Copam”.
Maria Teresa pontua ainda que provavelmente a lista dos projetos prioritários para o desenvolvimento do estado de Minas Gerais “já está pronta, e os processos desses licenciamentos já devem estar adiantados, porque esse PL, em nenhum momento, afirma que avaliaria processos de licenciamento ambiental a partir da promulgação da lei. Ao contrário, eles já sabem quais são os projetos a serem aprovados, e um deles é o da Serra do Gandarela, de Mina Apolo. Para a Vale, a Mina Apolo seria o segundo Carajás do Brasil, porque as outras minas do quadrilátero já estão no fim da exploração de minério de ferro. O Gandarela daria à Vale um tempo bom para continuar com as suas atividades em Minas Gerais”.
Maria Teresa Viana de Freitas Corujo é pedagoga, educadora ambiental e membro do Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Em que consiste o PL 2.946/2015, de autoria do governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel?
Maria Teresa Viana de Freitas Corujo – Consiste numa proposta de alteração do sistema estadual de meio ambiente, mas altera em muito também diversos aspectos da política ambiental de Minas Gerais. Então, o PL foi elaborado em um formato como se fosse apenas uma alteração da estrutura do sistema estadual, no entanto o texto altera os eixos da política ambiental do estado.
IHU On-Line – Quais os pontos mais críticos do texto original e do texto aprovado na última quarta-feira, 25-11-2015?
Maria Teresa Viana de Freitas Corujo – Na realidade, o texto original que foi entregue pelo governadorPimentel no dia 6 de outubro, em regime de urgência, não tem sentido. Na última quarta-feira, foi aprovado o segundo texto do PL, que não alterou o eixo principal do projeto segundo seu texto original. Então, o texto original – que chamamos de AI-5 ambiental – estava elaborado de tal modo que centralizava no governo toda a política ambiental. Por exemplo, o Conselho de Política Ambiental – Copam, que é o órgão máximo de gestão ambiental, no sentido de propor e deliberar sobre as políticas ambientais do estado, segundo o PL aprovado passa apenas a propor algo em relação à gestão ambiental, porque a deliberação fica a cargo do governo do poder Executivo. O Copam é a instância que envolve os três setores da sociedade: governo, empresários e sociedade civil. Então essa proposta original do PL é um absurdo, porque, segundo a nossa avaliação, violava o princípio constitucional que diz o seguinte: “Compete ao estado e à coletividade cuidar do meio ambiente”.
O texto do PL também afirma que outras nove alterações seriam remetidas a decretos e alterações-chave, como a composição do Copam e as normas relacionadas ao tipo de licenciamento, ou seja, tudo isso será remetido a decretos. Outro ponto gravíssimo do texto é que a política ambiental não aparecia mais como parte do sistema estadual de meio ambiente e o eixo econômico permeava tudo, e isso se manteve no texto aprovado ontem.
Decidiu-se, segundo o texto aprovado, que o Conselho Estadual de Desenvolvimento Econômico pode apontar projetos prioritários para o governo, os quais terão atendimento priorizado para facilitar o licenciamento, inclusive criando uma estrutura diretamente ligada ao secretário de Estado de Meio Ambiente, com o papel de finalizar o licenciamento, sem passar pelo Copam. No texto aprovado, isso não está colocado dessa forma, mas diz que o secretário terá o papel de analisar os licenciamentos e encaminhá-los para ser tomada a decisão. Mas o problema é que todos os licenciamentos de classe 1 a 3 terão de ser licenciados ou indeferidos em seis meses, e os empreendimentos que precisam de estudo deimpacto ambiental terão de estar licenciados ou indeferidos em um ano, independente de qualquer coisa; ou seja, inclusive o princípio da precaução ambiental, que rege a lei ambiental, foi ignorado. Esse ponto não foi alterado do primeiro para o segundo texto, apesar de algumas ONGs terem tentado melhorar essas questões.
Esse projeto de lei é um projeto para atender os interesses dos grandes empreendimentos, como de mineração, logística de escoamento de produção, cultivo de eucaliptos, implantação de condomínios, ou seja, tudo que envolve projetos econômicos a fim de agilizar licenciamentos sem tratar da questão do princípio de atenção ao meio ambiente.
IHU On-Line – Que emendas foram incluídas de última hora no PL?
Maria Teresa Viana de Freitas Corujo – O processo todo foi ilegal e inconstitucional porque a sociedade não pode participar e, na última hora, chegaram mais de 80 emendas para o projeto. Dez delas foram acatadas pelo relator e a informação é de que elas teriam vindo do líder do governo, e as demais foram rejeitadas. Uma delas diz para manter o caráter ditatorial dessa futura lei, porque o Copam, apesar de continuar sendo o órgão que tem a função de deliberar, perde essa função segundo uma das emendas incluídas no PL. Essa emenda de parágrafo único diz que, em caso de caráter excepcional e de interesse público, o governador poderá assumir as competências do Copam. É algo assustador.
Como o texto aprovado ontem mudou em relação ao anterior no que diz respeito à função do Copam, mantendo a função deliberativa do órgão, eles quiseram, com essa emenda, salvaguardar a prerrogativa do governo de poder decidir aquilo que for de interesse dos setores econômicos. Estamos diante de um PL que, se for aprovado pelo governador, terá consequências terríveis, porque empreendimentos de classe 1 a 4 poderão ser decididos pelos superintendentes regionais, sem passar pelo Copam.
Quando abordamos os deputados para questioná-los sobre as alterações, eles nos disseram que podemos entrar com recursos. Como? Até que esses recursos sejam analisados, tudo será destruído, porque as empresas desmatam, causam impactos e se algum dia um recurso for pautado e avaliado, não adiantará mais nada. É um conjunto assustador de retrocesso ambiental no estado, que foi pioneiro de uma legislação bacana, mas agora um governador eleito pelo voto popular, e que prometeu que o estado deMinas Gerais entraria em uma nova era, parece mudar tudo. Nós nunca tínhamos visto uma coisa tão assustadora e violentamente antidemocrática no âmbito da gestão ambiental.
IHU On-Line – Como entender esse PL depois do acidente que ocorreu com a barragem em Mariana?
Maria Teresa Viana de Freitas Corujo – Quando ficamos sabendo da tragédia em Mariana, nós já tínhamos entrado na luta para barrar o PL, que foi publicado dia 8 de outubro. Quando as ONGs começaram a tomar conhecimento do texto, nós ficamos chocados, porque ninguém acreditava no que estava lendo, tanto que aconteceu algo inédito: formamos a Frente Ampla contra o PL 2.946, no dia 14 de outubro.
Quando aconteceu a tragédia de Mariana, nós pensamos que o governador retiraria o caráter deurgência do PL, porque não faz o menor sentido priorizar um PL de interesse econômico depois de uma tragédia desse porte. Neste momento há outras ações a serem tomadas em caráter de urgência, como reavaliar as mais de 50 barragens que estão em risco. Mas fomos surpreendidos.
IHU On-Line – E além de manter o PL, o governo cancelou a reunião conjunta do Conselho de Política Ambiental – Copam e do Conselho Estadual de Recursos Hídricos. Você sabe qual foi a justificativa?
Maria Teresa Viana de Freitas Corujo – Primeiro, o governo ainda não tinha feito nenhuma reunião noCopam sobre o PL e a reunião agendada foi cancelada. Segundo informações do site do governo, a reunião havia sido cancelada porque a prioridade era cuidar do meio ambiente e da população, por conta do acidente de Mariana. Quando vimos essa notícia, pensamos que a reunião seria reagendada, mas na semana seguinte as comissões de administração pública e de meio ambiente pautaram reuniões consecutivas para cumprir o ritual que cabia a essas comissões de apresentar os seus relatórios e votar; assim, na semana passada já estava finalizado o processo para o PL ir para plenário. E ontem (25-11-2015) o plenário, depois de uma sequência de reuniões, aprovou o projeto. Isso envolve uma ilegalidade e inconstitucionalidade desde o início do processo.
IHU On-Line – Por que o PL foi votado em caráter de urgência? Já é possível vislumbrar quais empreendimentos serão beneficiados com a mudança da lei?
Maria Teresa Viana de Freitas Corujo – Sim, nossa certeza em relação a isso é quase absoluta. A lista dos tais projetos prioritários que o Conselho de Desenvolvimento Econômico do estado irá aprovar já está pronta e os processos desses licenciamentos já devem estar adiantados, porque esse PL, em nenhum momento, afirma que avaliaria processos de licenciamento ambiental a partir da promulgação da lei. Ao contrário, eles já sabem quais são os projetos a serem aprovados, e um deles é o da Serra do Gandarela, de Mina Apolo. Para a Vale, a Mina Apolo seria o segundo Carajás do Brasil, porque as outras minas do quadrilátero já estão no fim da exploração de minério de ferro. O Gandarela daria à Vale um tempo bom para continuar com as suas atividades em Minas Gerais.
Existe também o projeto em Mato Dentro, no morro do Pilar, onde tem a Anglo American, e a Manabi, que é uma empresa que quer ter o complexo para minerar o morro do Pilar. A Vale quer a Serra da Serpentina, que fica na Bacia hidrográfica do Rio Santo Antônio. São projetos que serão considerados prioritários para o Estado.
Obviamente também serão aprovados os projetos de logística, como os minerodutos, sendo que alguns deles ainda estão parados porque não conseguem licenças e, com essa possibilidade de o PL ser sancionado, eles conseguirão que os licenciamentos sejam agilizados.
Tem ainda um projeto imobiliário assustador, na região de Nova Lima, na Serra da Moeda, que é fundamental para o abastecimento da região do Sul. Esse empreendimento prevê a construção de um condomínio para 220 mil pessoas, mais um aeroporto para atender a esse complexo.
Com o assassinato do Rio Doce, nós somente teremos a Bacia do Rio São Francisco, que já enfrenta graves situações ambientais. No ano retrasado, o rio São Francisco quase ficou sem água, entre a represa de Três Marias e o próximo afluente que chegava no Rio, ou seja, quase 30 quilômetros do Rio São Francisco sem água. Então estamos vivendo situações graves de crise hídrica por conta da má gestão, de outorgas concedidas sem controle, além de problemas causados por conta da mineração, porque em algumas regiões onde se minera ferro, se perde água. Então, dada a situação, um projeto de urgência nesse momento deveria avaliar quais bacias hidrográficas precisam imediatamente não ter mais perda de água.
Por cinco anos consecutivos, Minas Gerais foi campeã no desmatamento da mata Atlântica, e nas outras gestões tivemos graves problemas. O secretário de Meio Ambiente anterior, Adriano Magalhães, está respondendo a processos criminais por conta de favorecer as empresas de Eike Batista. Estamos vivendo uma sequência de 14 anos de gravíssimos problemas de gestão ambiental, mas nunca vimos uma situação tão violentamente criminosa como esse PL. Nós temos provas da ilegalidade e da inconstitucionalidade desse PL. O judiciário não é sensível a essas questões, mas isso não significa que não devemos buscar alternativas. Estamos todos com uma sensação de raiva, indignação e assustados, mas ao mesmo tempo com muita garra, porque não podemos deixar que isso aconteça em Minas Gerais.
aprovação do PL ainda não foi publicada no Diário do Legislativo, mas deve ser publicada hoje (27-11-2015), e, sendo publicado, o governador pode sancionar a lei a qualquer momento. Acreditamos que o Ministério Público pode entrar com um processo de inconstitucionalidade contra o PL.
Veja como a coisa é ilegal: se, conforme determina a legislação atual, é o Copam o órgão responsável por deliberar a política ambiental, esse PL não poderia ter ido direto do governador para a Assembleia, deveria ter passado pelo Copam. Além disso, o Copam tem atas de reuniões em que o secretário de Estado de Meio Ambiente garantiu que depois de o governo estudar a proposta, o PL passaria pelo Copam, mas não passou. Nós protocolamos uma petição à comissão de constituição e justiça nessa tramitação do projeto e a comissão nem nos respondeu, nem analisou, e declarou legal e constitucional o projeto de lei — quando ele não é.
IHU On-Line – E a última notícia é de que o Senado aprovou o projeto para afrouxar o licenciamento ambiental.
Maria Teresa Viana de Freitas Corujo – Sim, essa é outra legislação que pode ser aprovada a qualquer momento. Eu ainda não li o texto, mas é uma proposta quase igual a do Pimentel, só que no âmbito federal. Existe uma articulação grande e macro dos interesses econômicos e eles estão executando todas as suas metas, que precisam apenas de um retrocesso legal para serem executadas.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Maria Teresa Viana de Freitas Corujo – Queria acrescentar que sabemos que isso não acontece somente no nosso estado, mas no país de um modo geral. E não podemos desistir, porque é só assim que vamos mudar esse paradigma para um outro modo de ser, viver e governar a nós mesmos de outra forma. É sempre bom pôr alguma esperança e perspectiva em questões difíceis que vivemos. As pessoas às vezes acham que a luta não vale a pena, mas não podemos perder a capacidade de sonhar, porque só assim mudamos paradigmas.
Mapa: aguasdogandarela.org

ONU critica Brasil, Vale e BHP por resposta ‘inaceitável’ a desastre de Mariana

lama e mar
A Organização das Nações Unidas criticou duramente o governo brasileiro, a Vale e a mineradora anglo-australiana BHP pelo que considerou uma resposta “inaceitável” à tragédia de Mariana.
Por BBC Brasil
E em comunicado divulgado nesta quarta-feira, e que traz falas do relator especial para assuntos de Direitos Humanos e Meio Ambiente, John Knox, e do relator para Direitos Humanos e Substâncias Tóxicas, Baskut Tuncak, a ONU criticou a demora de três semanas para a divulgação de informações sobre os riscos gerados pelos bilhões de litros de lama vazados no Rio Doce pelo rompimento da barragem, no último dia 5. [baixe o comunicado em português AQUI]
“As providências tomadas pelo governo brasileiro, a Vale e a BHP para prevenir danos foram claramente insuficientes. As empresas e o governo deveriam estar fazendo tudo que podem para prevenir mais problemas, o que inclui a exposição a metais pesados e substâncias tóxicas. Este não é o momento para posturas defensivas”, disseram os especialistas no comunicado.
Em entrevistas, a presidente Dilma Rousseff tem negado negligência no caso. A Samarco, por sua vez, tem afirmado que suas operações eram regulares, licenciadas e monitoradas dentro dos melhores padrões de monitoramento de barragens.
Nesta quarta-feira pela manhã, no programa Bom Dia Ministro, os ministros Izabella Teixeira (Meio Ambiente) e Gilberto Occhi (Integração Nacional) disseram que “desde o primeiro momento” o governo “atuou em uma força tarefa com todos os setores na busca de salvar pessoas”.
A ONU menciona a contradição nas informações divulgadas sobre o desastre, em especial a insistência da Samarco, joint venture formada por Vale e BHP para explorar minérios na região, de que a lama não continha substâncias tóxicas. E descreve com detalhes o desastre ecológico provocado pelo vazamento, incluindo a chegada da lama ao mar.
“As autoridades brasileiras precisam discutir se a legislação para a atividade mineradora é consistente com os padrões internacionais de direitos humanos, incluindo o direito à informação. O Estado tem a obrigação de gerar, atualizar e disseminar informações sobre o impacto ambiental e presença de substâncias nocivas, ao passo que empresas têm a responsabilidade de respeitar os direitos humanos”, afirmou Tuncak.
Os dois especialistas classificaram a tragédia como mais um exemplo de negligência de empresas em proteger os direitos humanos e traçam um quadro desolador pós-desastre para as comunidades afetadas.
“Poderemos jamais ter um remédio eficaz para as vítimas, cujos parentes ou ganha-pão podem estar debaixo dessa onda de lixo tóxico, e nem para o meio ambiente, que sofreu danos irreparáveis. Empresas trabalhando com atividades envolvendo o uso de material de risco precisam ter a prevenção de acidentes no centro de seu modelo de negócios.”
A BBC Brasil entrou em contato com a Samarco, a Vale e a BHP. Até a noite desta quarta-feira, a Vale respondeu dizendo que não comentaria a nota da ONU mas que esclarece, em seu site, que os rejeitos de mineração não são tóxicos.
A Samarco afirmou que “respeita o direito de expressão da ONU, porém afirma que todas as medidas estão sendo tomadas para prestar assistência emergencial às famílias e comunidades afetadas e para a mitigação das consequências socioambientais desse acidente” e que “desde a ocorrência do acidente em sua Barragem de Fundão vem permanentemente informando à sociedade, autoridades e imprensa que o material proveniente das barragens não apresenta perigo à saúde humana”

Atingidos pela lama da Samarco (Vale/BHP Billiton) não são só os desabrigados

Propriedade destruída no arraial Camargos, em Mariana-MG. Foto: Joka Madruga
Todos e todas com quem conversamos disseram que não foram avisados pela empresa, mas por um “homem de moto” da região, pai de um trabalhador da Vale. Algumas famílias não acreditaram no alerta. Nesta região o povo ficou ilhado durante 5 dias, pois de um lado a lama encobriu a estrada e do outro levou embora uma ponte.
Abaixo alguns relatos:
Clodoaldo Carneiro, produtor de leite, precisou alugar um pasto do vizinho para manter seus animais. Antes da tragédia ele produzia cerca de 400L de leite por dia. Agora está na média de 250L diários. Carneiro e sua mãe têm 193 hectares de terra, sendo que metade foi engolido pela lama da Vale/BHP-Billiton/Samarco. Só ficou a parte onde tem morro.
Ele e sua mãe foram avisados às 19h, (o rompimento aconteceu por volta das 16h30), quando chegaram na residência, que fica no meio do morro e por isto não tiveram a casa destruída. A lama chegou em Pedras às 21h15 e pouco antes eles passaram pela ponte que foi levada.
Sobre o trabalho do Movimento dos Atingidos por Barragens, em organizar o povo para lutarem por seus direitos, ele é enfático: “tudo que for organizado e fazer o povo se unir, sem ninguém levar vantagem, é válido”. Ele não quis ser fotografado, mas seu olhar denunciava sua indignação.
Manoel da Silva e ao fundo o rio de lama em sua propriedade. Foto: Joka Madruga
Manoel da Silva e ao fundo o rio de lama em sua propriedade. Foto: Joka Madruga
Para o agricultor familiar Manoel da Silva, aumentou o trabalho para dar água para o gado, que não bebe mais do rio, que fica a uns 100 metros de sua residência. Agora tem que levar para um outro lugar mais distante.
Maria Goreti, disse que os animais ficaram 5 dias sem alimentos. “Os animais (vacas leiteiras) ficavam olhando pra gente e berrando pedindo ração. Elas não gostam do pasto no morro, elas querem ficar na pastagem perto do rio (que está coberta de lama)”, relata com os olhos lacrimejando.
Maria Goreti e seus animais. Foto: Joka Madruga
Maria Goreti e seus animais. Foto: Joka Madruga
Cristiana Aparecida, agente de saúde em Pedras, não consegue dormir de preocupação por causa da lama na estrada e a ponte caída. “Deito na cama e fico preocupada. E se alguém adoece? Não tem como sair com rapidez. Minha filha chegava da escola as 11h30, agora leva umas duas horas a mais, pois o motorista do ônibus precisa dar uma volta imensa. Espero recuperem a ponte logo”, desabafa num misto de emoção e revolta.
Maria Goreti e seus animais. Foto: Joka Madruga
Maria Goreti e seus animais. Foto: Joka Madruga
Maria Macedo, agricultora, e seu marido foram avisados, mas não acreditaram. Eles só se deram conta do que vinha pela frente quando ouviram o barulho da lama descendo. “Deu um estalo na cachoeira que tremeu tudo, acabou a luz, desatei os cachorros que estavam amarrados, peguei a bolsa de documentos e subimos o morro. Lá ficamos até o dia clarear e só voltamos quando a lama baixou. Perdemos galinhas, patos, uma roçadeira, plantações de mandioca, milho, feijão e enxadas. Os patos quando andam na lama dão uma pirueta e caem mortos”, explica.
Maria Macedo teve que sair de casa às pressas por causa da lama. Foto: Joka Madruga
Maria Macedo teve que sair de casa às pressas por causa da lama. Foto: Joka Madruga
O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) atua há mais de 20 anos na organização de quem tem suas vidas prejudicadas pela ganância de uns poucos. O MAB defende que todos os atingidos tem direito de ficar em situação igual ou melhor do que antes. E que todas as decisões devem ser tomadas pelos atingidos e atingidas.
Foto: Joka Madruga
Foto: Joka Madruga
Em alguns pontos a lama subiu mais 15 metros, destruindo casas e outras construções. Foto: Joka Madruga
Em alguns pontos a lama subiu mais 15 metros, destruindo casas e outras construções. Foto: Joka Madruga
Cenário de guerra na comunidade de Paracatu de Baixo. Foto: Joka Madruga
Cenário de guerra na comunidade de Paracatu de Baixo. Foto: Joka Madruga
Fotos de Joka Madruga – Repórter fotográfico, diretor do Sindijor-PR, editor do site Terra Sem Males e voluntário do MAB em Mariana-MG.
Destaque: Propriedade destruída no arraial Camargos, em Mariana-MG. Foto: Joka Madruga

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Lama de barragem [da Samarco-Vale-BHP] chega ao mar no Espírito Santo e prefeitura interdita praias

A prefeitura de Linhares espalhou placas ao longo das praias informando que a água está imprópria para o banho - Fred Loureiro/Secom ES
Yara Aquino – Repórter da Agência Brasil
A prefeitura de Linhares (ES) interditou as praias de Regência e Povoação após a chegada ao mar da lama do rompimento de barragem em Mariana (MG). A prefeitura espalhou placas ao longo das praias informando que a água está imprópria para o banho.
A lama com rejeitos de minério vinda pelo Rio Doce atingiu o mar ontem (22), segundo informações da prefeitura. De acordo com a ministra do Meio Ambiente,  Izabella Teixeira, a lama deve se espalhar por uma extensão de 9 quilômetros no mar.  A população de Regência e Povoação vive da pesca e do turismo e tem as atividades prejudicadas com a água barrenta que avança sob o mar.
Na sexta-feira (20) o titular da 3ª Vara Civil de Linhares, juiz Thiago Albani, determinou que a Samarco retirasse as boias de contenção instaladas e abrisse a foz do Rio Doce para que a lama de rejeitos se dissipe no mar. Para a decisão, foram ouvidos técnicos ambientais do município e de órgãos como o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema).
A ação foi ajuizada pela procuradoria da prefeitura de Linhares. Conforme técnicos do Iema, reter a chegada da lama ao mar traria mais prejuízos como o risco de inundações e decantação do sedimento em lagoas da região.
A decisão de abrir a foz do Rio Doce contraria a determinação da Justiça Federal do Espírito Santo, que exigia da mineradora a tomada de medidas para impedir a chegada da lama ao mar.
A Samarco divulgou nota informando que toma as providências definidas pelo Ministério Público, Iema, Instituto Chico Mendes e Tamar, de modo a direcionar a lama para o mar e proteger a fauna e flora na foz do Rio Doce.
De acordo com a nota, a empresa fornece equipamentos para abertura do banco de areia que impede a chegada do rio ao mar no lado sul da foz. “Quatro máquinas trabalham 24 horas por dia nas escavações, com apoio de uma draga e bombas que ajudam no bombeamento da pluma”.
O documeno informou também que a barreira de contenção continua sendo instalada nas margens do rio com o objetivo de proteger a fauna e flora, sem impedir o escoamento da lama para mar.
“Os nove mil metros de barreiras continuam sendo instalados em sentido longitudinal nas duas margens do rio e algumas ilhas localizadas no estuário. Cabe ressaltar que o objetivo das barreiras é isolar a fauna e a flora que vivem nesse entorno, sem que impeça a chegada da pluma ao mar”, acrescentou a nota.
Nesta tarde, a ministra Izabella Teixeira sobrevoa a área atingida pela lama na foz do Rio Doce e se reúne com o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, representantes de instituições da sociedade civil e demais instituições envolvidas.
Edição: Armando Cardoso
Imagem: A prefeitura de Linhares espalhou placas ao longo das praias informando que a água está imprópria para o banho – Fred Loureiro/Secom ES

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Mariana: A culpa da política que acha que Vale “progresso” a qualquer preço, por Leonardo Sakamoto

Desabrigada que perdeu a casa após o rompimento da barragem da Vale e BHP em Mariana (MG), aguarda notícias da filha de 17 anos, depois de ser levada ao Ginásio Arena, no bairro Jardim dos Inconfidentes. Foto: Cristiane Mattos /Futura Press /Estadão Conteúdo
Há tanta groselha política sendo postada sobre a questão do caos ambiental provocado pela Samarco (=Vale + BHP) a partir do rompimento de uma barragem de resíduos da exploração de minério de ferro em Mariana (MG), que resolvi resgatar algumas reflexões. Enquanto governo federal e oposição vomitam discursos pré-fabricados e hipócritas de choque diante de uma realidade de Casa da Mãe Joana que ambos ajudaram a instalar no meio ambiente brasileiro, a onda de lama mudou completamente a vida em Minas Gerais, no Espírito Santo e, agora, segue livre para criar problemas para a costa do Atlântico.
Sim, porque a ideia de que Vale crescimento acima de qualquer coisa (o trocadilho com o nome da empresa está permitido enquanto a bacia do rio Doce não estiver devidamente limpa até a última gota), que norteia uma ideia bizarra de desenvolvimento professada pelos principais partidos políticos do Brasil, PT e PSDB, está também na gênese das catástrofes. Desta. Das que já aconteceram. E das que virão.
Por isso, não creio que a grande diferença virá de partidos políticos ou mesmo de pessoas que já estão aí há um bom tempo e sim de formas de organização que passam ao largo da política institucional tradicional. A discussão pode parecer estranha em um momento em que parte da esquerda parece ter vergonha de se declarar assim (ou mudou de ideia, passando para o outro lado) e parte da ultradireita sai do armário e não tem medo de mostrar a cara – o que é ótimo, porque traz o debate para a rua, que é o seu lugar por excelência.
Há um problema entre a velha e a nova esquerda, forjado no contexto histórico em que seus atores foram criados. Não adianta mostrar uma nova luz para a interpretação da realidade: há grupos que fecham e não abrem com o padrão de desenvolvimento da ditadura. A meu ver a solução se dará através de renovação geracional, ou seja, os mais antigos se retirando com a idade para dar lugar aos mais novos, como veremos adiante.
Não sei se todos se deram conta, mas estamos vivendo tempos interessantes – para usar a expressão do finado professor Hobsbawn – no que diz respeito ao “ser” de esquerda no Brasil. Um período de mudanças em que um dos efeitos é a falta de entendimento entre grupos que, teoricamente, defendem o mesmo objetivo. A questão ambiental é um dos palcos principais dessa batalha, em que a razão tem sido morta e enterrada – principalmente pelo grupo que está no poder, auxiliado indiretamente pelos grupos que estão fora dele e não conseguem apresentar alternativas dignas.
Tivemos três grandes ciclos da esquerda no país durante o século 20. Grosso modo, o primeiro deles, anarquista, foi fomentado pelos imigrantes europeus que vieram trabalhar na então nascente indústria paulista e difundiram seus ideais. O segundo, com os movimentos comunistas e socialistas, da intentona à resistência à ditadura militar dos anos de chumbo. O terceiro veio com o processo de redemocratização do país e a liberdade de organização civil e tem um forte tom partidário.
Ou seja, a esquerda durante o século 20 variou de acordo com a relação que firmava com o Estado. Do anarquismo, que não acreditava que ele fosse fundamental para o desenvolvimento da sociedade, passando pelo comunismo, que defendeu a necessidade de destruir o Estado para depois reconstruí-lo sob a direção do proletariado, até o momento em que a esquerda acreditou que seria possível tomar o Estado dentro das regras do jogo da classe dominante, ou seja através da disputa político-eleitoral.
Veio o século 21 e uma das poucas certezas que tenho é que o paradigma do sistema político representantivo está em grave crise por não ter conseguido dar respostas satisfatórias à sociedade. Bem pelo contrário, apesar de ser uma importante arena de discussão, ele não foi capaz de alterar o status quo. Apenas lançou migalhas através de pequenas concessões, mantendo a estrutura da mesma maneira e a população sob controle. O Estado, assim como há 100 anos, continua servindo aos interesses de alguns privilegiados detentores dos meios de produção. E a maioria das disputas relevantes no seio do Estado são eminentemente intra-classe, no caso a elite.
Os atores desse terceiro ciclo da esquerda, que tem seu cerne no petismo, fracassaram (ou abandonaram, conforme é confessado na Carta ao Povo Brasileiro, já em 2002) em sua idéia original de mudar o Estado por dentro. Grande parte do PT (deixando claro que há notáveis exceções) adotou práticas que ele mesmo abominava. Bem, todos conhecem a história.
Onde está a força transformadora da esquerda hoje? Em novos movimentos sociais e em grupos de base. Ou seja, atores que dialogam com o Estado, mas que estão fora dele, atuando na transformação da sociedade pelo lado de fora. Creio que isso deve-se à desilusão com a política partidária tradicional, à incapacidade dessa velha esquerda em dar alternativas para os jovens e ao fortalecimento de grupos que nunca adentraram no sistema partidário por não acreditarem em sua natureza ou por serem dele alijados. A discussão não é, portanto, apenas criar um novo partido, mas se partidos são capazes de suprir os anseios por participação direta.
A incapacidade do sistema representativo de gerar respostas satisfatórias levou ao fortalecimento da luta da sociedade civil em frentes, como trabalho, comunicação, direitos humanos e meio ambiente. Mais recentemente e, com grande força, vieram à cena novos movimentos urbanos pela mobilidade, a legalização da maconha e contra a violência de gênero e o assédio sexual.
Ressalte-se, apenas, que sociedade civil não é a mesma coisa que organizações não-governamentais, pois, a despeito das tantas e tantas ONGs comprometidas com mudanças estruturais, muitas delas apenas reforçam as condições atuais.
O interessante é que esse quarto ciclo de esquerda, dos movimentos e da sociedade civil organizada não tem muito a ver com o primeiro, lá no início do século 20. Ao questionar o papel do Estado e agir por conta própria, adota nuances de anarquismo.
Alguns podem falar que o que chamo de nuances de anarquismo seria, na verdade, um processo de aprofundamento do Estado mínimo em que o governo se exime de suas responsabilidades entregando ao mercado a gestão da sociedade. Há, por isso, de se ter cuidado e não confundir programas como “Amigos da Escola do Joãozinho” – que, na verdade, são mais daquelas migalhas que falei acima – de um processo sério de organização popular pela transformação da realidade social, econômica, cultural, política. Mas essa separação é fácil de ser feita, basta verificar quais são os impactos da ação de determinado grupo. Se elas não se encaixam em um panorama maior, de transformação real, e limitam-se à sua pontualidade, estamos falando de migalhas.
Por exemplo, ocupações de escolas por estudantes, de espaços midiáticos por movimentos feministas, de avenidas por ciclistas, de prédios abandonados por sem-teto têm um objetivo muito maior do que apenas obter concessões de curto prazo. Elas não servem apenas para impedir que escolas fechem, garantir a voz que é de direito das mulheres, criar ciclovias ou destinar um lar a quem pouco tem. Os problemas enfrentados pelos movimentos envolvidos nesses atos políticos não são pontuais, mas sim decorrência de um modelo de desenvolvimento que deprecia a coisa pública (quando ela não se encaixa em seus interesses) ou a privatiza (quando ela se encaixa) e transforma a cidade no maior e mais integrado espaço de exploração do trabalho, de concentração de renda e de favorecimento de classes de abastados.
Ou seja, as ocupações são uma disputa de poder feita simultaneamente em âmbito local e global cujo fracasso ou sucesso, no horizonte histórico, poderá levar à manutenção da pilhagem econômica, social e cultural da grande maioria da sociedade ou levar à implantação de um novo modelo – mais humano e democrático.
O problema é que toda mudança leva a um enfrentamento. No caso da questão ambiental, por exemplo, há uma disputa sendo travada entre pessoas da velha e da nova esquerda via mídia. O discurso de que o desenvolvimento é a peça-chave para a conquista da soberania (o que concordo) e que, portanto, deve ser obtido a todo o custo (o que discordo) tem sido usado por pessoas que foram comunistas, tornaram-se petistas e hoje fazem coro cego ao PAC do governo federal.
Mantém viva a ideia de que, na prática, é necessário sacrificar peões para ganhar o jogo. E, até agora, não vi por parte de nenhuma partido político que ergue a bandeira ambiental um discurso de mudança estrutural, o que inclui bater de frente com o próprio capitalismo. Porque, convenhamos, “capitalismo verde” é banqueiro com camisa do meu eterno Palmeiras. Dá para obter concessões com muita pressão, mas o principal causador de impactos ainda é o próprio modo de produção.
Do outro lado, os movimentos sociais e ONGs sérias que atuam nesse campo defendem que o crescimento não pode ser um rolo compressor passando por cima de pessoas e do meio ambiente. Por suas ações, que impedem um laissez-faire generalizado, são taxados de entreguistas e de fazerem o jogo do capital internacional. Nos últimos tempos, presenciamos isso nas críticas levantadas contra os movimentos que protestaram contra a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte ou a do rio Madeira, nos impropérios lançados às comunidades que protestaram contra as obras de transposição de parte das águas do São Francisco e na lentidão para que a responsabilização dos grandes atores envolvidos na tragédia de Mariana (Vale e BHP) não seja cosmética.
O Congresso Nacional está discutindo um novo Código de Mineração que deveria ser rigoroso na responsabilidade das empresas, nas ações de prevenção, na garantia de estrutura para fiscalização e nas situações em que a proibição de exploração é o único caminho. Sim, porque às vezes para manter o interesse da maior parte do público, o minério deve ficar onde está até que se encontre uma maneira verdadeiramente racional de extraí-lo. Mas muitos políticos, do Executivo e do Legislativo, da base a aliada e da oposição, foram eleitos com recursos da Vale e de outras mineradoras. Daí, fica difícil.
É claro que os países do centro querem que nós arquemos com o ônus da preservação do planeta. O mercado de carbono, na prática, é isso: compra-se créditos de terceiros (que vão adotar práticas ou projetos que absorvam carbono da atmosfera) para que se possa poluir. Ao mesmo tempo que isso acontece, esses países se beneficiarão do alargamento da já grande distância de desenvolvimento entre o centro e a periferia.
Mas o atual modelo, em plena vigência no Brasil, tem um potencial destruidor muito grande, além de ser extremamente concentrador. Ou seja, o resultado da pilhagem dos recursos naturais e do trabalho humano, mantendo o padrão adotado até aqui, continuará nas mãos de poucos, sejam eles brasileiros ou estrangeiros. Distribuição real é uma ideia que pouco se ouve por aqui.
Como se resolve esse enfrentamento? Na minha opinião, não se resolve. O problema entre a velha e a nova esquerda está no contexto histórico em que seus atores foram formados. Para alguns desses atores, simplesmente mudar de partido não resolve nads, continuam sendo as mesmas pessoas.
Não adianta mostrar fatos novos ou uma nova luz para a interpretação da realidade, há grupos que fecham e não abrem com o padrão de desenvolvimento forjado na ditadura – paradoxalmente a mesma ditadura que os torturou. A meu ver a solução se dará através de renovação geracional, ou seja, os mais antigos se retirando com a idade para dar lugar aos mais novos. É triste que seja assim, mas tendo em vista os últimos embates, não acredito em conciliação possível.
E, provavelmente, partidos políticos, novos ou velhos, não serão a estrutura adotada por aqueles que construirão esse quarto ciclo. Eles trabalham junto com o Estado de forma tática, mas possuem discordâncias gritantes de longo prazo que ditarão outras formas de agir e pensar.
Tudo o que foi discorrido aqui, é claro, diz respeito aos grupos que se vêem como progressistas. Agora, como diria o mestre GARRINCHA, Manuel (1958), falta combinar com o inimigo.
Porque a história mostra que apesar da esquerda ter capacidade de influenciar a realidade no país, ela não foi capaz de transformá-la radicalmente.
E a menos que algum dos novos ciclos traga respostas para romper com a estrutura atual, continuaremos vendo eles se repetirem nos fracassos.
E a lama de Mariana será apenas mais uma foto triste em um livro de história do futuro, mostrando como o Brasil se tornou inviável no século 21.
Desabrigada que perdeu a casa após o rompimento da barragem da Vale e BHP em Mariana (MG), aguarda notícias da filha de 17 anos, depois de ser levada ao Ginásio Arena, no bairro Jardim dos Inconfidentes. Foto: Cristiane Mattos /Futura Press /Estadão Conteúdo