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Homem simples e comum: procuro ser gentil com as pessoas, amigo dos meus amigos e bondoso com a minha família. Sou apaixonado por filmes, internet, livros, futebol e música. Estou tentando sempre equilibrar corpo e mente, manter-me informado das notícias a nível mundial, ministrar aulas de geografia em paralelo às pesquisas acadêmicas que desenvolvo e, no meio de tudo isso, tento achar tempo para o lazer e o namoro. Profissionalmente,sou geógrafo e professor de Geografia no Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Instituto Federal do Maranhão (IFMA ­ Campus Avançado Porto Franco) e Doutorando em Geografia Humana na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Membro do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA) e do Núcleo de Estudos do Pensamento Socialista Pesquisa do Sindicalismo (NEPS), ambos da UFMA. Participo da Rede Justiça nos Trilhos.

terça-feira, 17 de junho de 2014

Índios voltam a protestar em empreendimento da Vale, no Pará


Por CombateRacismoAmbiental, 16/06/2014 15:46
Carolina Gonçalves – Repórter da Agência Brasil
Um grupo de índios da etnia Xikrin retomou hoje (16) os protestos na entrada do empreendimento de extração de níquel Onça Puma, no município de Ourilândia do Norte, no Pará. Segundo assessores do Ministério Público Federal no estado (MPF/PA), as atividades extrativistas estão paralisadas.
Uma equipe de procuradores do órgão está no local para tentar negociar uma solução para o impasse. Assessores do MPF informaram que só depois dessa reunião será possível avaliar os resultados das negociações.
Os índios xikrins querem que a Vale, responsável pelo empreendimento, cumpra os compromissos feitos em função dos impactos causados pela extração de níquel na região.
No último sábado (14), mais de 120 índios das aldeias Djudjekô, Kateté e Oodjam bloquearam a portaria do local, paralisando a produção do mineral. De acordo com o MPF, os manifestantes permitiram a passagem de ônibus com trabalhadores que fazem a manutenção dos fornos e a saída dos funcionários do local. Não houve reféns no protesto.
Na página da internet, o MPF destacou que o projeto afeta diretamente os xikrins, “mas até agora a Vale não iniciou nenhum programa de compensação de impactos, nem cumpriu nenhuma das condicionantes previstas no licenciamento do projeto”. Os procuradores acionaram a Justiça Federal contra a Vale e em defesa dos direitos dos Xikrin afetados pelo projeto.
Edição: Denise Griesinger.

Vale enfrenta dificuldade para venda de ativos


Por Francisco Góes | De Moatize (Moçambique)
Empresa estuda a entrada de sócios com fatias minoritárias na produção de carvão, área em que tem minas em Moçambique e Austrália, e no corredor ferroviário
As negociações conduzidas pela Vale para venda de uma parte dos ativos da empresa em Moçambique tendem a ficar mais difíceis com a conjuntura existente no país africano para a produção de carvão, na avaliação de especialistas ouvidos pelo Valor. A Vale questiona os altos custos para se produzir carvão em Moçambique, país novo nessa indústria extrativa, no momento em que os preços da commodity estão no patamar mais baixo dos últimos sete anos. "O valor a ser capturado pela Vale [nas negociações] fica mais difícil na situação atual", disse um analista.
A Vale quer vender metade de sua participação no Corredor Nacala, formado por ferrovia de 912 quilômetros e por um porto, ambos em construção. A empresa estuda ainda a entrada de sócios com fatias minoritárias na produção de carvão, segmento em que tem minas em Moçambique e na Austrália. A mineradora vinha trabalhando para fechar as vendas no corredor e no negócio de carvão até o fim deste mês. Mas a venda dessas participações deve demorar mais um pouco. A expectativa é que as transações possam ser fechadas em julho ou agosto, embora não haja garantia de que isso vá ocorrer até essa data. No mercado, a aposta é que entre os potenciais parceiros da Vale estão investidores asiáticos, sobretudo japoneses e chineses, e fundos soberanos.
O interesse dos investidores nos dois ativos (minas e corredor), negociados separadamente, é diferente. A atratividade de cada ativo também é distinta. O investidor que resolver associar-se à Vale na produção de carvão correrá um risco maior. Mas terá a possibilidade de obter ganhos também maiores caso o preço do carvão se recupere. O preço do carvão metalúrgico, usado pelas siderúrgicas, situava-se, na sexta, na faixa de US$ 120 por tonelada tendo por base contratos trimestrais na Austrália, a principal referência do mercado. É uma queda de cerca de 60% em relação aos preços de 2011, que superaram US$ 300 por tonelada.
Ter a garantia de uma participação na produção de carvão interessa, sobretudo, a países que precisam assegurar acesso a recursos naturais, como os asiáticos. No Corredor Nacala, o risco para o investidor é menor, assim como o retorno sobre o investimento também deve ser mais baixo. O atrativo neste caso está no fato de que o corredor terá retorno mínimo garantido por contrato firme de transporte com a mina da Vale em Moatize, no norte do país.
Esse contrato envolve a Vale Moçambique, detentora da concessão de Moatize, e as quatro concessionárias do Corredor Nacala, cada uma responsável por um trecho da ferrovia. A mineradora detém 95% da Vale Moçambique e o governo local os outros 5%. O contrato entre a Vale Moçambique e as quatro concessionárias começará a valer em 2015 e os volumes vão crescer até atingir a capacidade de 18 milhões de toneladas de carvão por ano. Haverá ainda capacidade adicional no corredor para carga geral, grãos e passageiros.
Quando a mina de Moatize estiver duplicada no fim de 2015, terá capacidade de produzir 22 milhões de toneladas de carvão por ano, sendo 55% do tipo metalúrgico e 45% térmico, para geração de energia elétrica. Para escoar essa produção, a Vale pretende utilizar o Corredor Nacala e continuar valendo-se da ferrovia Linha do Sena até o porto da Beira, no centro do país. Nesse trecho, a Vale também tem contrato firme de transporte com a estatal Portos e Caminhos de Ferro de Moçambique (CFM) válido até 2017 com capacidade para movimentar 4,5 milhões de toneladas de carvão por ano. Em 2014, a Vale vai produzir acima de 6 milhões de toneladas de carvão em Moatize, mas poderá embarcar somente até 4,5 milhões de toneladas, que é a capacidade no terminal portuário da Beira.
Os novos sócios da Vale no carvão deverão entrar diretamente na holding Vale Emirates, dos Emirados Árabes, holding que consolida as participações da Vale no carvão em Moçambique e também as ações que a mineradora tem nas quatro concessionárias do Corredor Nacala. Na soma das quatro concessionárias, considerando o valor investido em cada trecho, a Vale tem uma participação de 70% no corredor logístico. Os outros 30% pertencem à CFM. Após a venda, os investidores devem ficar com 35% do Corredor Nacala, a Vale com 35% e a CFM com 30%.

Vale coloca projeto de carvão de Moçambique em xeque


Por Francisco Góes | De Moatize (Moçambique)
Gutemberg, diretor global de carvão da Vale: “Moçambique não reúne as melhores condições em função dos custos de insumos e da logística no atual cenário de preços”
O "El Dorado" de Tete está em xeque. Na lenda, o "El Dorado" era uma cidadela tão rica que o imperador tinha o hábito de deitar-se no ouro em pó para ficar com a pele dourada. A província de Tete, no norte de Moçambique, também passou a ser percebida como um "El Dorado". Mas ao invés do ouro, Tete abriga uma das últimas reservas inexploradas de carvão do mundo. Parte desses recursos está em poder da Vale, que tem a concessão do governo moçambicano para explorar o carvão das minas de Moatize, em Tete, por 25 anos, renováveis por igual período.
Desde 2007, quando assinou os contratos de concessão de Moatize, a Vale investiu em Moçambique US$ 4,5 bilhões em projeto integrado de mina, ferrovia e porto. É o projeto de produção de carvão de Moatize, em fase de duplicação, ligado a uma ferrovia de 912 quilômetros - o Corredor Nacala - e a um porto de águas profundas na localidade de Nacala-à-Velha, província de Nampula. Quando a expansão de Moatize for concluída, no fim de 2015, a Vale e seus parceiros terão desembolsado, no total, algo como US$ 8,3 bilhões.
Mas agora, perto da fase final de implantação desse grande empreendimento a Vale passou a questionar a posição competitiva de Moçambique na indústria de carvão. A discussão foi motivada pela queda nos preços da commodity, cujas cotações estão em um dos menores níveis dos últimos anos. E também pelos custos de produção em Moçambique em relação à Austrália, concorrente e maior exportador mundial de carvão. Nesse cenário, a Vale abriu um debate com o governo moçambicano e com fornecedores sobre o que denomina "competitividade da cadeia de valor do carvão". O objetivo é reduzir custos e tornar viáveis suas operações no país, nas quais vem perdendo dinheiro. Só no primeiro trimestre de 2014, a empresa registrou prejuízo de US$ 44 milhões em Moçambique.
"Moçambique não reúne as melhores condições para a produção de carvão em função dos custos de insumos e da localização logística no atual cenário de preços", disse Pedro Gutemberg, diretor global de carvão da Vale e executivo responsável pela operação da mineradora em Moçambique. Ele está no país há mais de dois meses. Nesse período, Gutemberg se envolveu em uma "cruzada" pela redução de custos, essencial para salvaguardar o negócio da Vale a longo prazo. O executivo tem se reunindo com ministros, fornecedores e parceiros, como é o caso da estatal Portos e Caminhos de Ferro de Moçambique (CFM). Ele surpreendeu os moçambicanos ao questionar a capacidade competitiva do país no carvão.
Desde que ganhou a concessão para explorar as minas de Moatize, em 2005, a Vale não havia levantado essa discussão. E não ocorreu antes, segundo Gutemberg, porque não havia um sentido de urgência, o que foi acelerado com a queda nos preços do carvão. Nos últimos anos, o governo difundiu a ideia de que o carvão de Tete vai representar uma nova riqueza para o país. Mas, para observadores, as metas e os prazos fixados foram ambiciosos demais. Moçambique mantém a aspiração de ser um grande produtor mundial de carvão com a produção atingindo 100 milhões de toneladas por ano em um prazo de cinco anos, disse Eduardo Alexandre, diretor nacional de minas do Ministério dos Recursos Minerais de Moçambique.
Hoje, a capacidade instalada em Tete é de 40 milhões de toneladas por ano, considerando a Vale e outras empresas, como a Rio Tinto e a indiana Jindal. O acréscimo de produção em Tete será feito via expansões e novos entrantes, disse Alexandre. Há dúvidas no mercado se a meta de 100 milhões de toneladas por ano será atingida.
Na visão de analistas, enquanto o governo alimentou expectativas "irreais" em relação à velocidade de crescimento da exploração do carvão, a Vale aceitou a ideia do "El Dorado" representada pelos grandes volumes e pela qualidade do carvão de Tete. A mineradora brasileira procurou destacar os aspectos positivos do projeto: uma reserva de "classe mundial", com volume em escala; a qualidade do carvão, entre os cinco melhores do mundo; e a oportunidade de operar uma logística integrada entre Moatize e o porto de Nacala-à-Velha, na província de Nampula. A competitividade da cadeia de valor não parecia estar em jogo.
A queda nos preços do carvão fez a Vale mudar o discurso e antecipou a discussão. A mineradora propôs uma análise sobre a carga tributária incidente sobre toda sua base de custos. Além de royalties e imposto de renda, a empresa está analisando as taxas e impostos que encarecem os custos de insumos e serviços. A discussão com o governo passa pela redução de impostos cobrados sobre insumos como explosivos e óleo diesel e pela renegociação de tarifas com a estatal CFM com quem a Vale tem contrato para usar a Linha do Sena, ferrovia por onde a mineradora escoa hoje o carvão até o porto da Beira, na província de Sofala.
Os resultados da negociação ainda não estão claros. O governo estaria disposto a reduzir a curto prazo o imposto sobre explosivos, custo importante na mineração. Outras reduções de tributos também poderão ocorrer uma vez que a Vale e o governo de Moçambique têm mantido uma posição alinhada desde a chegada da empresa brasileira ao país, em 2004.
O Centro de Integridade Pública (CIP), organização não governamental especializada em temas de governança e transparência pública, acredita que o governo deverá ceder às pressões da Vale. Mas teme que o caso abra precedente para outras empresas também pedirem reduções de impostos. Na visão da Vale, se outros setores seguirem o mesmo processo poderão melhorar sua competitividade e, como resultado, também a posição competitiva de Moçambique em termos globais.
"Este caso [da Vale] traz um debate sobre como Moçambique está estruturado para lidar com o setor extrativo mineral", disse Fátima Mimbire, pesquisadora do CIP. Ela afirmou que, apesar de a Vale estar certa de reclamar dos custos em Moçambique, a mineradora conta com uma série de incentivos fiscais do governo. Neste momento, no entanto, o governo pode ter dificuldades em conceder reduções tributárias para a Vale.
Moçambique está em período pré-eleitoral, com eleições presidenciais marcadas para outubro. O calendário torna difícil a concessão de benefícios fiscais, uma vez que o governo criou a expectativa sobre a riqueza a ser gerada com a exploração de recursos naturais. Mas até agora os efeitos econômicos dessa exploração não se fizeram sentir em todo o seu potencial, diz Fátima. Moçambique continua a ser um dos países com pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do mundo.
Outro elemento de dificuldade para a redução de custos está na aprovação de novas medidas fiscais. Discute-se um regime fiscal para o setor de mineração e petróleo segundo o qual o governo tem interesse em participar de ganhos extras que sejam obtidos pelas mineradoras. "Houve proposta de se colocar uma taxação extra a partir de determinada taxa de retorno", disse um executivo. A indústria mineral está preocupada ainda com a regulamentação de regras de conteúdo local para fornecedores. Uma das propostas faria com que as empresas tivessem de comprar de fornecedores locais desde que o preço seja até 10% mais caro que a cotação internacional. "Estaria se introduzindo 10% de ineficiência", disse a fonte. Há dois anos o governo obrigou fornecedores estrangeiros a se associar a empresas locais para atender demandas de companhias mineradoras.
"O governo tem sido visto, até recentemente, como um 'otário' em que as multinacionais levam tudo e não fica nada para o país, o que não é verdade. Mas essa imagem deixou o governo preocupado e o levou a mostrar às pessoas que cobra impostos, que há moçambicanos trabalhando nos grandes projetos de infraestrutura e que ele [governo] vai buscar a cobrança de mais valias [receitas extras]", disse Fernando Lima, presidente do conselho de administração da Medicoop, um grupo de comunicação com sede em Maputo.
Lima avaliou que as primeiras reações do governo ao pleito da Vale não foram positivas. Houve, segundo ele, sinais do governo de que a empresa tinha de olhar para os seus problemas internos. É isso que a Vale vem fazendo, segundo o diretor da empresa no país. Na semana em que o Valor visitou as minas de Moatize, no começo do mês, havia técnicos da consultora australiana Partners in Performance (PIP) avaliando os ganhos que podem ser obtidos a partir de mudanças e ajustes. Gutemberg disse que a Vale levou para Moçambique especialistas em carvão da empresa na Austrália para ajudar nas operações. Parte dessas pessoas foi aproveitada em Tete depois que a Vale paralisou algumas de suas minas australianas.

Em debate em uma tevê de Maputo este mês, Gutemberg respondeu à pergunta se a Vale poderia fechar ou vender uma parte do negócio de carvão em Moçambique. "Temos esperança de conduzir essa discussão de forma madura. E ter a colaboração e o entendimento de todos os interlocutores, de quem tivemos boa receptividade. Acredito que vamos achar solução conjuntamente. Não é interesse da Vale vir para Moçambique, com um projeto de expansão em andamento, e considerar hipóteses extremas." Mas seja qual for a saída para o dilema da Vale, o "El Dorado" de Tete foi posto em xeque.

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Raquel Rolnik: “Crise enfrentada hoje pela USP não é somente por 0%”


Por , 08/06/2014 09:33
Alunos da USP realizam ato em frente à reitoria em defesa do sistema de cotas. Setembro de 2013
Alunos da USP realizam ato em frente à reitoria em defesa do sistema de cotas. Setembro de 2013
Blog da Raquel Rolnik
Comentários sobre “mais uma crise na USP” têm povoado o noticiário desde que a nova reitoria, no comando da universidade desde o início do ano, anunciou a existência de graves problemas financeiros e, portanto, a impossibilidade de conceder reajuste aos professores e funcionários.
A impressão que fica é que a USP é uma instituição problemática, que gasta milhões de recursos públicos sem dar à sociedade um retorno à altura.
Além disso, a narrativa que vai ganhando hegemonia é a de que ela serve a estudantes de elite que deveriam pagar pelos cursos.
Completa o raciocínio a ideia de que, além de cobrar mensalidades, a USP deveria vender todos os seus ativos: realizar pesquisas para quem está disposto a financiá-las, alugar seus espaços e vender serviços… como se isso fosse solução para os problemas. Nada mais equivocado!
A crise que vivemos hoje na USP é a mesmíssima dos últimos anos, quando se passava a imagem de que nossas contas estavam muito equilibradas. Continuamos diante de um grave problema de gestão, que tem a ver com as arcaicas estruturas de poder da universidade.
Há muito tempo está claro que o modelo de gestão baseado na hierarquia acadêmica não fica mais de pé.
Nas últimas décadas, vimos diversas experiências de gestão pública democrática e participativa no Brasil, muitas formuladas dentro da própria USP, mas a universidade se manteve impermeável e, simplesmente, não se democratizou.
Só agora, depois de muita pressão da comunidade acadêmica, estamos iniciando um positivo processo de discussão sobre a necessária reforma de seu estatuto.
Para os que —como eu— acham um descalabro os mais pobres financiarem uma universidade que pouco os absorveu, o remédio proposto por alguns —cobrança de mensalidades— não enfrenta esse problema.
RECURSOS
Se a maior parte dos recursos da universidade vem do ICMS, que é um imposto regressivo, majoritariamente pago pelos mais pobres, este é um defeito não da universidade, mas do sistema tributário e do financiamento do setor público no Brasil.
São os mais pobres que pagam por todas as políticas públicas, inclusive as que transferem maciçamente recursos públicos para grandes conglomerados privados.
Reformemos, então, nosso sistema tributário!
Por fim, cabe uma reflexão: com todos os seus problemas, a USP devolve ou não à sociedade o que nela se investe? Não tenho dúvidas de que sim: isso está não só no papel que ela tem em formar recursos humanos para o próprio sistema geral de ensino do país, mas também na importância de sua pesquisa e extensão.
É justamente a independência da USP em relação ao mercado —não precisar vender serviços de educação e pesquisa “customizados” para quem pode pagar— o que viabiliza este importante papel.
Se a qualidade e eficiência do nosso setor público são um clamor da sociedade, a USP deve mostrar que isso é possível. Reconstruindo dentro de casa o sentido do que é “público”.
*Texto originalmente publicado na Folha de S. Paulo

Mobilização cresce, mas docentes apontam não ser o momento de greve nas IFE


Rodada de assembleias gerais nas universidades respondem que o cenário não é favorável para deflagração de greve em junho

Após analisar que ainda não está configurado um quadro para deflagração da greve nacional por tempo indeterminado dos docentes das Instituições Federais de Ensino (IFE), os representantes das seções sindicais do Setor das Ifes reunidos em Brasília no último final de semana (7 e 8) com base nas indicações das assembleias gerais realizadas em todo o país, decidiram por retirar o indicativo de greve em junho, e continuar insistindo na retomada de negociações com o Ministério da Educação (MEC), em torno da pauta de reivindicações protocolada no início do ano.



"A reunião e o resultado dela foi mais uma demonstração da prática democrática deste Sindicato Nacional e expressou a seriedade do movimento docente na construção da luta em defesa dos seus direitos”, comentou Marina Barbosa Pinto, 1ª secretária do ANDES-SN e da coordenação do Setor das Ifes.

Durante o debate e nos encaminhamentos da reunião ficou destacada a solidariedade com as Seções Sindicais que já deflagraram ou estão em processo de deflagração de greve local, em decorrência da precarização nas condições de trabalho, como a Federal de Sergipe (UFS) e o Campus de Serra Talhada da Federal Rural de Pernambuco (Uferpe). Na Federal do Pará, os docentes deliberaram por fazer três dias de paralisação.

A orientação do Setor é também intensificar mobilização frente às reitorias pela negociação das pautas locais, a ação conjunta com os demais servidores públicos federais em torno da pauta unificada dos SPF e dar seguimento à luta contra a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) e o fundo de pensão para os servidores públicos (Funpresp).

Os participantes da reunião indicaram ainda que as seções sindicais participem da organização dos eventos programados para o período da Copa do Mundo, dentre eles os da Jornada “Na Copa Vai Ter Luta” em todos os estados.


"Os desafios centrais daqui para frente serão a ampliação da mobilização e o ritmo de atividades das seções sindicais na defesa de nossas reivindicações, com ênfase para a reestruturação da carreira, valorização salarial dos ativos e aposentados, condições de trabalho e defesa da autonomia, mantida a perspectiva de construção da greve nacional como importante instrumento de luta para avançar nestas conquistas”, avaliou Josevaldo Cunha, 1º vice-presidente da Regional NE2 do Sindicato Nacional e também da coordenação do Setor.

De acordo com o diretor do ANDES-SN, é preciso seguir pressionando o governo para negociar, lutar para que as reitorias negociem as pautas locais, mas também atuar junto com os movimentos gerais que pautam a defesa dos direitos dos trabalhadores. “Esses movimentos certamente crescerão no período da Copa”, ressaltou Cunha, lembrando o importante papel que as Seções Sindicais têm também na construção do Encontro Nacional de Educação, previsto para o início de agosto.

A reunião do Setor das Ifes contou com a presença de sete diretores nacionais e 60 representantes de 39 seções sindicais, totalizando 67 presentes. Uma nova reunião foi apontada para os dias 26 e 27 de junho.

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Assembleia indica o dia 10 para início da greve


A Assembleia Geral dos docentes da Universidade Federal do Maranhão, realizada nesta quarta-feira, 04, aprovou o dia 10 de junho, como data para o início da greve nacional dos docentes das Instituições Federais de Ensino Superior. A data será apresentada em reunião do setor das federais que acontecerá no sábado, dia 7 de junho, em Brasília.
O Setor das Ifes aprovou, na ultima reunião indicativo de greve dos professores federais, por tempo indeterminado para junho. A data para deflagração da greve será com base nas manifestações das assembleias.
O professor Claudio Anselmo e Antonio Gonçalves respectivamente secretário e presidente da Apruma, participarão da reunião.
A mobilização e os resultados das assembleias da base da categoria vêm sinalizando a disposição dos professores de lutar pela reestruturação da carreira, pela valorização salarial dos ativos e aposentados, por melhoria das condições de trabalho e em defesa da autonomia universitária, os quatro eixos centrais da pauta de reivindicações dos docentes, protocolada junto ao MEC no início do ano. ASSEMBLEIA – Os professores da UFMA, definiram também que a próxima Assembleia da categoria será dia 10, às 16h, na Área de Vivência – Campus do Bacanga / UFMA, para encaminhar as ações decorrentes das deliberações da reunião do setor das federais.

Categoria: Noticias / Apruma Informa

Atingidos pela Vale se mobilizam para lutar por direitos


Por CombateRacismoAmbiental, 05/06/2014 15:32
Após seis anos sendo monitorados pela mineradora Vale, moradores do bairro Alzira Mutran resolveram se reorganizar e reivindicar seus direitos. O Bairro fica no município de Marabá-PA, às margens da Estrada de Ferro Carajás. Em uma reunião articulada pelo Coletivo de Famílias Moradoras do Bairro Alzira Mutran Atingidas pela Vale, realizada último 23 de maio, foi aprovado um documento para ser encaminhado para a mineradora e ao poder público.
A animação estava nos rostos das pessoas, que se agradaram da iniciativa, pois há muito tempo a comunidade não se reunia sem a presença da Vale. Depois da reunião, era possível ouvir frases como: ‘Agora é a nossa vez!’, ‘a hora é de lutar!’, ‘agora nós vamos pra cima e colocar nossas propostas!’. Veja abaixo o documento na íntegra.
O impacto da ferrovia sobre as populações
São 25 municípios, 127 cidades, vilas e povoados, dos estados do Pará e Maranhão brutalmente atingidas pela construção e operação da Ferrovia Carajás/Ponta da Madeira. São populações urbanas e rurais, formadas por povos indígenas, não indígenas (agricultores, pescadores, extrativistas, comerciários, autônomos e outras categorias). Dentre os não indígenas também inclui-se os quilombolas.
Em várias comunidades e cidades, como os casos de Marabá (Pará) e Alto Alegre (Maranhão), a ferrovia atravessa parte dos territórios das populações. Principais transtornos vividos desde o inicio da operação da ferrovia, no ano de 1985, são: atropelamentos freqüentes de animais e pessoas, com mortes; isolamento de comunidades; interrupção de tráfegos; alagamentos de áreas; poluição sonora pelo atrito das rodas, do motor das locomotivas e do apito; trepidação que atinge até 300 m do eixo da ferrovia.
As populações que vivem à margem da ferrovia, quando dos momentos das passagens do trem, sofrem com interferência em seus aparelhos de televisão e telefones. São mais de cinco horas por dia somados os momentos das 24 horas que trafega o trem. A trepidação provoca enormes rachaduras nas casas, e até destruição.
O caso do bairro Alzira Mutran
Desde o ano de 2008 que nós, moradores do bairro Alzira Mutran, temos recebido visitas freqüentes de funcionários da Vale. Na primeira visita, no ano de 2008, nos avisaram que iria ser feita uma duplicação da ferrovia e que a partir daquele momento nós não poderíamos mais efetuar melhorias em nossos imóveis porque em breve seriamos indenizados e removidos da área.
Agindo de forma ingênua e com medo do poder repressivo da empresa, as famílias deixaram de investir em seus imóveis, esperando que a Vale viesse cumprir o que havia dito. Do ano de 2008 até os dias de hoje, muitas visitas foram feitas para verificar se as famílias estariam cumprindo as ordens que lhes foram dadas.
Para disfarçar que estavam tomando algumas providências, e não apenas fiscalizando as famílias, realizaram centenas de reuniões, vários levantamentos e cadastros das famílias.
Em 2008, a empresa anunciou o Programa de Revitalização de Áreas Urbanas – Remoção Involuntária, em 2009 apresentou uma readequação do projeto, em 2010 apresentou uma nova caracterização da área, em 2011 iniciou a construção do muro de proteção, e em 2012, a Vale anunciou a revisão do projeto de construção do muro, apresentou um projeto de reurbanização e ampliação do projeto de remoção das famílias para o entorno da faixa de domínio. Até então a faixa de domínio era de apenas 28 metros do eixo da ferrovia.
No ano de 2013, realizaram reuniões em diversos bairros que seriam atingidos pela duplicação da ferrovia: Araguaia, Coca Cola, Alzira Mutran, Km 07, Folha 19, Folha 05 e São Félix. O objetivo era impor um calendário de atividades para ser desenvolvidas pela Vale, no sentido de fazer a remoção das famílias que estivessem na faixa de até 55 metros do eixo da ferrovia, sendo que primeiro seria as famílias que estivessem até 40 metros e posteriormente até os 55 metros.
No caso do bairro Alzira Mutran foi imposto o seguinte cronograma:
Em reunião realizada no dia 1º de março de 2013, na sede da Associação de Moradores do Bairro Alzira Mutran, ocorreu uma reunião com os moradores convocada pela Vale, representada por Renata e Leandro. Na oportunidade foi apresentada a empresa SYNERGIA, como responsável pelos trabalhos com as famílias.
O ponto de pauta foi a REMOÇÃO DAS FAMÍLIAS moradoras da área considerada pela empresa como faixa de segurança, considerando 40 metros de cada lado do eixo da ferrovia. Para tanto deveria ser feita, mais uma vez (a terceira), uma pesquisa socioeconômica, que significaria: pesquisa de campo para identificação e avaliação socioeconômica; elaboração de laudos de avaliação; e elaboração de plano de atendimento.
O trabalho seria desenvolvido em duas etapas: a primeira etapa removeria as famílias que estão na faixa de até 40 metros do eixo da ferrovia, na segunda etapa seriam removidas as famílias que estão na faixa entre os 40m e 55 metros.
Cronograma de atividades: Para a primeira etapa seria o seguinte: março/2013, estudo; junho/2013, negociação; e outubro/2013, a remoção. Para a segunda etapa: agosto a outubro/2013, estudo; novembro/2013, negociação; abril/2014, remoção. Até agora uma família foi removida, e esta mesma está muito insatisfeita.
Pontos que nós famílias atingidas reclamamos e queremos providências:
1. A Vale impôs que a negociação será residência por residência, ou seja, a empresa avalia o valor da residência da família, e a família procura uma residência para ser comprada pela empresa até o valor de que foi avaliada a sua. Caso a residência encontrada pela família seja de valor inferior ao valor que foi avaliada a sua, a empresa não repassará para a família o valor restante. Nós não aceitamos e queremos o restante, para cobrir outras despesas, como compra de móveis e eletrodomésticos.
2. Nós plantamos verdadeiros sítios com diversas fruteiras nos nossos quintais ou na frente de nossas residências e a empresa não reconhece como benfeitorias a serem indenizadas. Nós queremos que sejam reconhecidos como benfeitorias e sermos bem indenizados.
3. Exigimos indenização pelo custo social: por seis anos sendo monitoradas pela empresa sem poder fazer melhoria em nossos imóveis; o custo por ter que sair de nosso convívio construído durante muitos anos e pelas condições que oferecem a nossa localização, de proximidade ao ponto de várias linhas de ônibus, de hospital, supermercado e escolas; e pelo tempo de moradia sofrendo os transtornos causados pela operação da ferrovia.
4. Exigimos a reparação de todos os prejuízos causados para as famílias durante os anos de operação da ferrovia: o campinho de futebol que foi destruído pela empresa, rachadura das casas, poluição sonora, desmoronamento de poços, alagamento de residências, isolamento e constrangimentos.
5. Exigimos reparação dos danos para as famílias que irão continuar morando no bairro com asfaltamento das ruas e implantação de rede de água e esgoto, pelos transtornos que serão causados com a operação da ferrovia duplicada(mais de onze horas por dia de ruídos e trepidações).
É hora de lutar por nossos direitos!
Coletivo de Famílias Moradoras do Bairro Alzira Mutran Atingidas pela Vale

quinta-feira, 5 de junho de 2014

David Harvey quer, além dos protestos, um projeto

Por CombateRacismoAmbiental, 04/06/2014 09:53
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Ao apresentar seu livro mais recente, geógrafo alerta: mera denúncia do capitalismo é ineficaz – e pode favorecer saídas de ultra-direita
Entrevista a Jonathan Derbyshire, da Prospect Magazine | Tradução: Vila Vudu – Outras Palavras
A onda de protestos de rua que se espalha pelo mundo desde janeiro de 2011 tem produzido, em seu rastro, um debate revelador. No Brasil, por exemplo, o primeiro aniversário das “jornadas de junho” será lembrado pelo lançamento de livros e filmes. O mais estrepitoso deles é o de um documentário produzido pela “Folha de S.Paulo” – o mesmo jornal que recomendou à prefeitura da cidade e à Polícia Militar, em 13 de junho de 2013, vetar1 manifestações na avenida Paulista, para o bom fluxo do tráfego de automóveis… Se a mesma Folha tenta agora celebrar o movimento é porque procura “capturá-lo”, conduzindo-o para pautas opostas à reivindicação de direitos sociais e igualdade – que tanto incomodava seus editorialistas há um ano.
140603-HarveyLivroMas há espaço para esta captura? O geógrafo e antropólogo David Harvey pensa que sim – e está empenhado em articular uma contra-ofensiva. Lançada no início de abril, em inglês, sua obra mais recente – “17 Contradições e o fim do Capital” – parece dedicada a isso. Harvey falou sobre o livro em entrevista ao jornalista inglês Jonathan Derbyshiere. Vale a pena seguir o raciocínio deste marxista heterodoxo, formulador histórico de reivindicações, propostas e conceitos relacionados ao Direito à Cidade.
Um dos traços surpreendentes do cenário internacional, começa Harvey, é a “miséria de pensamento novo e novas políticas”. Confrontadas pela crise econômica – que já entrou no sexto ano e para a qual não há saída à vista –, as classes dominantes não parecem preocupadas em buscar opções. Seu discurso de aparente preocupação em face da desigualdade não se materializa em ações concretas: parece mera peça de retórica. Por que tal paralisia?
É evidente, diz o geógrafo, que as elites globais sentem-se seguras de seu poder. Percebem que faltam alternativas. Há, é certo, muitos protestos. Mas não parecem a ponto de passar de uma fase primitiva – a da crítica ao sistema – e evoluir para o que pode de fato ameaçá-lo: a proposição de projetos pós-capitalistas.
Harvey teme, aliás, que os protestos sejam capturados por forças retrógradas e mesmo fascistas, caso não evoluam. Somadas, crise e a falta de perspectivas geram, frisa ele, um ambiente de desesperança mórbida. Nos EUA, por exemplo, “70% da população ou odeia trabalhar, ou é totalmente indiferente ao trabalho que faz”. As respostas são múltiplas. Certos grupos buscam um futuro “distante da cultura da mercadoria”. Mas outros, ao contrário, refugiam-se no consumismo ou na negação completa da política. Estes podem ser mobilizados para sentimentos e saídas retrógradas – como buscar de uma autoridade salvadora, ou atirar sobre o estrangeiro (o “outro”) o peso de suas frustrações.
A nova obra de Harvey é, tudo indica, a maneira concreta que o autor encontrou de encarar este risco sem resvalar para o pessimismo. “Há muita ebulição nos campos da dissidência cultural; há algo em movimento e é fonte de alguma esperança”, diz ele em certo ponto da entrevista a Derbyshire. Mas esta esperança não se realizará por si mesma. Para tanto, é preciso “resistir contra um retrocesso de direita, atrais parte significativa do descontentamento que está nas ruas e empurrá-lo numa direção progressista, não em direção neofascista”. Por isso mesmo, o livro propõe, em sua parte final, dezessete ideias para a prática política – mais especificamente, para “o novo modo de fazer política”, que, segundo Harvey, está emergindo diante de nossos olhos.
No diálogo com Derbyshire, Harvey aborda ainda a polêmica em torno da institucionalização dos novos movimentos (ele defende a construção de híbridos de movimentos e partidos, como o Syriza grego); a presença de um setor anti-Estado nas manifestações; a relação entre determinismo e marxismo (Marx, diz Harvey, nunca afirmou que o capitalismo desabaria sobre si próprio inevitavelmente); o pepel do Occupy (e de Thomas Piketty) na denúncia da desigualdade; o divórcio cada vez maior profundo entre capitalismo e democracia. Eis, a seguir, a entrevista (A.M.)
david harvey
No início do livro, o senhor observa, como outros também observaram, que há algo de diferente na mais recente crise do capitalismo, a crise financeira global de 2008. “Seria de esperar que todos” – o senhor escreveu lá – “tivessem diagnósticos concorrentes a oferecer sobre o que está errado, e que houvesse uma proliferação de propostas de o que fazer para corrigir tudo. O que mais surpreende hoje é a miséria de pensamento novo e de novas políticas.” Por que não há nem diagnósticos nem propostas nem ideias novas? 
Uma hipótese é que a concentração de poder de classe que se vê hoje é de tal modo gigantesca, que não há por que a classe capitalista precise ou queira ver qualquer tipo de pensamento novo. A situação, por mais que seja disruptiva para a economia, não é necessariamente disruptiva para a capacidade de os ricos acumularem mais riqueza e mais poder. Assim sendo, há claro interesse em manter as coisas como estão. O que é curioso é que havia também, é claro, muito interesse em manter as coisas como estavam nos anos 1930s, mas ele foi atropelado por Roosevelt, pelo pensamento keynesiano etc.
Isso posto, o senhor aceita, no livro, que há elementos na classe capitalista, na classe intelectual, que reconhecem a ameaça – isso que o senhor chama de “contradições” do capitalismo. Exemplo notável é a discussão da desigualdade. 
Credito ao movimento Occupy ter lançado e posto em circulação essa nova narrativa. O fato de que temos em Nova York um prefeito completamente diferente do que havia antes e que disse que vai fazer tudo que puder para reduzir a desigualdade, a própria possibilidade dessa discussão é coisa que brotou diretamente do movimento Occupy. É interessante que todos sabem do que você está falando, sempre que se fala do “1%”. A questão do 1% foi afinal posta na agenda e se tornou objeto de estudos em profundidade, como, por exemplo, o livro de Thomas Piketty, O Capital no século 21. Joseph Sitglitz também tem um livro sobre desigualdade e vários outros economistas estão falando do assunto. Até o FMI já está dizendo que há um perigo específico que surge quando a desigualdade alcança determinado nível.
Até Obama já anda dizendo isso!
Mas Obama nada diria sobre isso se o movimento Occupy não tivesse aberto a trilha. E quem está oferecendo alguma resposta ao problema? De que modo alguma coisa está sendo realmente mudada? Se se consideram as políticas reais, vê-se que as desigualdades continuam a se aprofundar. Há reconhecimento apenas retórico do problema, mas não há reconhecimento político, em termos de políticas ativas e redistribuição ativa.
O senhor falou de Occupy. No livro, o senhor critica muito duramente os setores dos novos movimentos que vê como, predominantemente, ultra-liberais e anti-Estado.
Tenho uma regra que por definição nunca falha: o modo de produção dominante, seja qual for, e sua articulação política, criam a forma de oposição contra eles. Assim, as grandes fábricas e grandes corporações – General Motors, Ford etc., – criaram uma oposição baseada no movimento trabalhista e nos partidos da social-democracia. O rompimento dessa ordem – e vivemos hoje precisamente o momento desta – criou um tipo de oposição dispersa que precisa usar algumas linguagens específicas para suas reivindicações.
Parte da esquerda não dá sinais de perceber que muito do que diz é consistente com a ética neoliberal, ao invés de lhe fazer oposição… Parte do anti-estatismo que se encontra hoje na esquerda casa-se perfeitamente com o anti-estatismo do capital empresarial corporativista.
Preocupa-me muito que não se ouça pensamento da esquerda que diga “Vamos nos afastar dessas narrativas e observar o quadro completo.” Espero que meu livro contribua para que tenhamos isso.
O livro conclui num lugar interessante – com algo como um programa, 17 “ideias para a prática política”. Mas não aparece a pergunta (embora possa estar implícita no que o senhor acabou de dizer), sobre qual é a organização apropriada para realizar aquele programa. Não se sabe onde encontrá-lo. Não é óbvio que o encontraremos.
Uma das coisas que temos de aceitar é que está emergindo um  novo modo de fazer política. No presente, ainda é muito espontaneísta, efêmero, voluntarista, com alguma relutância a deixar-se institucionalizar. Como poderá ser institucionalizado é, creio eu, questão aberta. E não tenho resposta para isso. Mas é claro que, de algum modo, terá de institucionalizar-se ou ser institucionalizado. Há novos partidos começando a emergir – o Syriza na Grécia, por exemplo. O que me preocupa é o que comento no livro como um estado de alienação em massa, que está sendo capitalizado amplamente pela direita. Há sim, portanto, alguma urgência em tratar da questão de como nós nos institucionalizaremos como força política, para resistir contra um retrocesso de direita e atrair parte significativa do descontentamento que está nas ruas e empurrá-lo numa direção progressista, não em direção neofascista.
O senhor descreve seu livro como uma tentativa para expor as contradições, não do “capitalismo”, mas do “capital”. O senhor pode explicar essa diferença?
Essa diferença vem de minha leitura de Marx. Pensa-se quase sempre que Marx teria criado alguma espécie de compreensão totalizante do capitalismo, mas ele não fez nada disso. Marx não arredou pé da economia política e manteve seus argumentos sempre na linha de como opera o motor econômico de uma economia capitalista. Se você isola o motor econômico, você consegue ver quais serão os problemas daquela economia.
Não implica dizer que não haverá outros tipos de problemas numa sociedade capitalista – é claro que há racismo, discriminação por gênero, problemas geopolíticos.  Mas a questão que me preocupava ao escrever esse livro era outra, mais limitada: como funciona o motor da acumulação de capital?
Já estava bem claro desde o estouro da crise, em 2007/8 que havia alguma coisa errada com o próprio motor. E dissecar o que esteja errado com o motor já será um passo na direção de política mais ampla. Esse motor econômico é muito complicado. E Marx criou um meio para compreender o motor econômico, servindo-se de ideias como “contradição” e “formação-de-crises”.
Mais uma questão de definição: o que é capital?
Capital é o processo pelo qual o dinheiro é posto em ação para que se obtenha mais dinheiro. Mas é preciso muito cuidado, se só se fala de dinheiro, porque em Marx há uma relação muito complexa, como aponto no livro, entre “valor” e “dinheiro”. O processo é de busca de valor para criar e apropriar-se de mais valor. Mas esse processo assume diferentes formas – a forma dinheiro, de bens e mercadorias, processos de produção, terra… Ele tem manifestações físicas mas, no fundamento, não é coisa: é um processo.
Voltemos à noção de “contradição”, que é a categoria analítica central no livro. O senhor fez uma distinção entre os choques externos pelos quais pode passar uma economia capitalista (guerras, por exemplo) e contradições, no seu sentido da palavra. Assim, por definição, contradições são internas ao sistema capitalista?
Sim. Se você quiser redesenhar o modo de produção, é preciso, então, responder as questões postas pelas contradições internas.
O senhor identifica três classes de contradições, que o senhor chama de “fundacionais”, “mutantes” e “perigosas”. Comecemos pela primeira categoria: o que torna certas contradições “fundacionais”?
Não importa onde esteja o capitalismo e o modo de produção capitalista, você sempre encontrará essas contradições em operação. Em qualquer economia – seja a China contemporânea, o Chile ou os EUA – a questão do valor de uso e do valor de troca, por exemplo, lá estará, sempre. Há algumas contradições que são traços permanentes de como o motor econômico está montado. E há outras que mudam constantemente ao longo do tempo. Eu quis distinguir as que são relativamente permanentes e as outras, que são muito mais dinâmicas.
Algumas contradições fundacionais são mais fundacionais que outras? Um dos traços que mais chamam a atenção no livro é que tudo, no seu modelo analítico, parece derivar, no fundo, da diferença entre valor de troca e valor de uso. 
Ora… esse é o ponto inicial da análise. Sempre me chamou a atenção que Marx dedicou muito tempo para demarcar o ponto no qual sua análise começaria. E decidiu começar por aí, porque é o ponto de partida mais universal. Mas o que mais me impressiona – e trabalho com Marx há muito, muito tempo – é o quanto as suas contradições são intimamente interligadas. Você percebe que essa distinção entre valor de uso e valor de troca pressupõe alguma coisa sobre propriedade privada e o Estado, por exemplo.
Outra das suas contradições fundacionais é entre “propriedade privada e o Estado capitalista”. Quer dizer: a tensão ou a contradição entre os direitos individuais de propriedade e o poder coercivo do Estado. Agora, imaginemos alguém como Robert Nozick, criado na tradição liberal, lockeana, que chega e diz que não há aí qualquer contradição. Ao contrário: o papel do estado “mínimo” é proteger a propriedade privada.
Uma das coisas que digo sobre contradições é que elas estão sempre latentes. Por isso, a existência de uma contradição não gera, necessariamente, uma crise. Gerará sob certas circunstâncias. Portanto, é possível construir teoricamente a ideia de que tudo que um Estado “guarda-noturno” faz é proteger a propriedade privada. Mas sabemos que esse Estado “guarda-noturno” tem muito mais a fazer. Há externalidades no mercado que têm de ser controladas; há bens públicos que têm de ser fornecidos – e assim, muito rapidamente, o Estado acaba por se envolver em todos os tipos de atividades, muito além de apenas cuidar do quadro legal dos contratos e dos direitos à propriedade privada.
O senhor nega que haja qualquer conexão necessária entre capitalismo e democracia. Pode explicar por quê? 
A questão da democracia depende muito de definições. Supostamente haveria democracia nos EUA, mas é claro que não há. É uma espécie de farsa, de engodo – é a democracia do poder do dinheiro, não do poder do povo. Em minha avaliação, desde os anos 1970, a Suprema Corte legalizou o processo pelo qual o poder do dinheiro corrompe o processo político.
Há um aspecto do poder do Estado que avançou para o centro do palco na crise recente e imediatamente depois, sobretudo durante a crise da dívida na zona do euro: falo do poder dos bancos centrais. O senhor acha que a função dos bancos centrais mudou de modo significativo durante a era dos “resgates”?
Evidentemente mudou. A história dos bancos centrais é, ela própria, terrivelmente interessante. Não tenho certeza de que o que o Federal Reserve fez durante a crise tenha tido qualquer base legal. O Banco Central Europeu, por sua vez, é caso clássico do que Marx disse, quando comentou a Lei dos Bancos de 1844, a qual, para ele, teve o efeito de estender e aprofundar a crise de 1847-8 na Grã-Bretanha.
Há um conceito ao qual o senhor volta várias vezes no livro: o conceito de “conversão em mercadoria”, ou mercantilização. 
O capital trata, sempre, da produção de mercadorias. Se há terreno não-mercadorizado, ali o capital não entra nem circula. Um dos meios mais fáceis para o capital conseguir penetrar aquele espaço é o Estado impor ali um sistema de privatização – ainda que privatize algo que é só ficcional. Os créditos de carbono, por exemplo – trocar direitos de poluir é excelente exemplo de mercadoria criada por processo ficcional, que tem efeitos muito reais sobre o volume de dióxido de carbono na atmosfera, e assim por diante. Criar mercados onde antes não havia é um dos meios pelos quais, historicamente, o capital expandiu-se.
O senhor foi pesadamente influenciado pelo trabalho de Karl Polanyi nessa área, não? Especificamente a obra prima dele, A Grande Transformação. [2]
Polanyi não era marxista, mas compreendia, como Marx também compreendeu, que terra, trabalho e capital não são mercadorias no sentido ordinário, mas que assumem uma forma de mercadoria.
Um dos aspectos mais impressionantes e mobilizadores do livro é o relato que o senhor faz dos custos humanos da conversão em mercadoria – especificamente a conversão em mercadoria daquelas áreas da experiência humana que antes não eram parte do “nexo dinheiro”. Há aí uma conexão com o que o senhor chama de “alienação universal”. O que é isso? 
Vivemos há tempos num mundo no qual o capital lutou sem parar para diminuir o trabalho, o poder do trabalho, aumentando a produtividade, removendo o aspecto mental dos serviços e empregos. Quando você vive em sociedade desse tipo, surge a questão de como alguém pode encontrar algum significado na própria vida, dado o que se faz como trabalho, no local de trabalho. Por exemplo, 70% da população dos EUA ou odeia trabalhar, ou é totalmente indiferente ao trabalho que faz. Em mundo desse tipo, as pessoas têm de encontrar alguma identidade para elas mesmas que não seja baseada na experiência do trabalho.
Sendo assim, surge a questão do tipo de identidade que as pessoas podem assumir. Uma das respostas é o consumo. E temos um tipo de consumismo irrefletido que tenta compensar a falta de significação de um mundo no qual há bem poucos trabalhos com algum significado. Irrita-me muito ouvir políticos dizer que “vamos criar mais empregos”… Mas que tipo de empregos?
A alienação brota, entendo eu, de um sentimento de que temos capacidade e poder para ser alguém muito diferente do que é definido por nossas possibilidades. Daí surge a questão de até que ponto o poder político é sensível à criação de outras possibilidades? As pessoas olham os partidos políticos e dizem “Aqui, não há nada que preste.” Há, pois, a alienação que empurra para longe do processo político, que se manifesta em comparecimento declinante nas eleições; há a alienação para longe da cultura da mercadoria, também, que cria uma carência e o correspondente desejo por um outro tipo de liberdade. As irrupções periódicas que foram vistas pelo mundo – parque Gezi em Istanbul, manifestações no Brasil, quebra-quebra em Londres em 2011 – obrigam a perguntar se a alienação pode vir a ser uma força política positiva. E a resposta é sim, pode, mas não se vê nada parecido nos partidos ou movimentos políticos. Viram-se alguns elementos disso no modo como o movimento Occupy ou os Indignados na Espanha tentaram mobilizar pessoas, mas foi coisa efêmera e não amadureceu em ação mais substancial. Mesmo assim, há muita ebulição nos campos da dissidência cultural; há algo em movimento, e é fonte de alguma esperança.
Quando o senhor discute as contradições “perigosas”, o senhor oferece o que me parece ser uma versão do materialismo histórico de Marx. Quero dizer: o senhor pensa, como Marx, que o presente está grávido de futuro, embora o senhor não pense de modo determinista… Acho também que o senhor não vê nada de determinismo, tampouco, no próprio Marx. Estou certo? 
Não vejo, não, nada de determinismo em Marx. Há quem diga que Marx teria dito que o capital desabará sob o peso de suas próprias contradições, e que Marx teria uma teoria mecanicista das crises das crises capitalistas. Mas jamais encontrei uma linha em que Marx tenha escrito coisa semelhante! O que Marx, sim, disse é que as contradições do capitalismo estão no coração das crises e que crises são momentos de oportunidade.
Marx também disse que os seres humanos podem criar a própria história, mas que não escolhem as condições sob as quais criarão a própria história. Para mim, portanto, há um Marx que, embora não seja liberal, diz que os seres humanos são capazes de decidir coletivamente, de empurrar as coisas mais para uma direção, que para outra. Marx criticou o socialismo utópico, porque entendia que o socialismo utópico não lidava com o onde estamos. Marx disse que é preciso analisar onde se está, ver o que é viável para nós e, na sequência, tentar construir algo radicalmente diferente.
1 Em editorial, a Folha propunha que as autoridades proibissem qualquer protesto em via pública que não fosse anunciado com 30 dias de antecedência; e que simplesmente banissem as manifestações “potencialmente mais perturbadoras”