Por Francisco
Góes | De Moatize (Moçambique)
Gutemberg, diretor global de carvão da Vale:
“Moçambique não reúne as melhores condições em função dos custos de insumos e
da logística no atual cenário de preços”
O "El Dorado" de Tete está em xeque.
Na lenda, o "El Dorado" era uma cidadela tão rica que o imperador
tinha o hábito de deitar-se no ouro em pó para ficar com a pele dourada. A
província de Tete, no norte de Moçambique, também passou a ser percebida como
um "El Dorado". Mas ao invés do ouro, Tete abriga uma das últimas
reservas inexploradas de carvão do mundo. Parte desses recursos está em poder
da Vale, que tem a concessão do governo moçambicano para explorar o carvão das
minas de Moatize, em Tete, por 25 anos, renováveis por igual período.
Desde 2007, quando assinou os contratos de
concessão de Moatize, a Vale investiu em Moçambique US$ 4,5 bilhões em projeto
integrado de mina, ferrovia e porto. É o projeto de produção de carvão de
Moatize, em fase de duplicação, ligado a uma ferrovia de 912 quilômetros - o
Corredor Nacala - e a um porto de águas profundas na localidade de
Nacala-à-Velha, província de Nampula. Quando a expansão de Moatize for
concluída, no fim de 2015, a Vale e seus parceiros terão desembolsado, no
total, algo como US$ 8,3 bilhões.
Mas agora, perto da fase final de implantação
desse grande empreendimento a Vale passou a questionar a posição competitiva de
Moçambique na indústria de carvão. A discussão foi motivada pela queda nos
preços da commodity, cujas cotações estão em um dos menores níveis dos últimos
anos. E também pelos custos de produção em Moçambique em relação à Austrália,
concorrente e maior exportador mundial de carvão. Nesse cenário, a Vale abriu
um debate com o governo moçambicano e com fornecedores sobre o que denomina
"competitividade da cadeia de valor do carvão". O objetivo é reduzir
custos e tornar viáveis suas operações no país, nas quais vem perdendo
dinheiro. Só no primeiro trimestre de 2014, a empresa registrou prejuízo de US$
44 milhões em Moçambique.
"Moçambique não reúne as melhores condições
para a produção de carvão em função dos custos de insumos e da localização
logística no atual cenário de preços", disse Pedro Gutemberg, diretor
global de carvão da Vale e executivo responsável pela operação da mineradora em
Moçambique. Ele está no país há mais de dois meses. Nesse período, Gutemberg se
envolveu em uma "cruzada" pela redução de custos, essencial para
salvaguardar o negócio da Vale a longo prazo. O executivo tem se reunindo com
ministros, fornecedores e parceiros, como é o caso da estatal Portos e Caminhos
de Ferro de Moçambique (CFM). Ele surpreendeu os moçambicanos ao questionar a
capacidade competitiva do país no carvão.
Desde que ganhou a concessão para explorar as
minas de Moatize, em 2005, a Vale não havia levantado essa discussão. E não
ocorreu antes, segundo Gutemberg, porque não havia um sentido de urgência, o
que foi acelerado com a queda nos preços do carvão. Nos últimos anos, o governo
difundiu a ideia de que o carvão de Tete vai representar uma nova riqueza para
o país. Mas, para observadores, as metas e os prazos fixados foram ambiciosos
demais. Moçambique mantém a aspiração de ser um grande produtor mundial de
carvão com a produção atingindo 100 milhões de toneladas por ano em um prazo de
cinco anos, disse Eduardo Alexandre, diretor nacional de minas do Ministério
dos Recursos Minerais de Moçambique.
Hoje, a capacidade instalada em Tete é de 40
milhões de toneladas por ano, considerando a Vale e outras empresas, como a Rio
Tinto e a indiana Jindal. O acréscimo de produção em Tete será feito via
expansões e novos entrantes, disse Alexandre. Há dúvidas no mercado se a meta
de 100 milhões de toneladas por ano será atingida.
Na visão de analistas, enquanto o governo
alimentou expectativas "irreais" em relação à velocidade de
crescimento da exploração do carvão, a Vale aceitou a ideia do "El
Dorado" representada pelos grandes volumes e pela qualidade do carvão de
Tete. A mineradora brasileira procurou destacar os aspectos positivos do
projeto: uma reserva de "classe mundial", com volume em escala; a
qualidade do carvão, entre os cinco melhores do mundo; e a oportunidade de
operar uma logística integrada entre Moatize e o porto de Nacala-à-Velha, na
província de Nampula. A competitividade da cadeia de valor não parecia estar em
jogo.
A queda nos preços do carvão fez a Vale mudar o
discurso e antecipou a discussão. A mineradora propôs uma análise sobre a carga
tributária incidente sobre toda sua base de custos. Além de royalties e imposto
de renda, a empresa está analisando as taxas e impostos que encarecem os custos
de insumos e serviços. A discussão com o governo passa pela redução de impostos
cobrados sobre insumos como explosivos e óleo diesel e pela renegociação de
tarifas com a estatal CFM com quem a Vale tem contrato para usar a Linha do
Sena, ferrovia por onde a mineradora escoa hoje o carvão até o porto da Beira,
na província de Sofala.
Os resultados da negociação ainda não estão
claros. O governo estaria disposto a reduzir a curto prazo o imposto sobre
explosivos, custo importante na mineração. Outras reduções de tributos também
poderão ocorrer uma vez que a Vale e o governo de Moçambique têm mantido uma
posição alinhada desde a chegada da empresa brasileira ao país, em 2004.
O Centro de Integridade Pública (CIP),
organização não governamental especializada em temas de governança e
transparência pública, acredita que o governo deverá ceder às pressões da Vale.
Mas teme que o caso abra precedente para outras empresas também pedirem
reduções de impostos. Na visão da Vale, se outros setores seguirem o mesmo
processo poderão melhorar sua competitividade e, como resultado, também a
posição competitiva de Moçambique em termos globais.
"Este caso [da Vale] traz um debate sobre
como Moçambique está estruturado para lidar com o setor extrativo
mineral", disse Fátima Mimbire, pesquisadora do CIP. Ela afirmou que,
apesar de a Vale estar certa de reclamar dos custos em Moçambique, a mineradora
conta com uma série de incentivos fiscais do governo. Neste momento, no
entanto, o governo pode ter dificuldades em conceder reduções tributárias para
a Vale.
Moçambique está em período pré-eleitoral, com
eleições presidenciais marcadas para outubro. O calendário torna difícil a
concessão de benefícios fiscais, uma vez que o governo criou a expectativa
sobre a riqueza a ser gerada com a exploração de recursos naturais. Mas até
agora os efeitos econômicos dessa exploração não se fizeram sentir em todo o
seu potencial, diz Fátima. Moçambique continua a ser um dos países com pior
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do mundo.
Outro elemento de dificuldade para a redução de
custos está na aprovação de novas medidas fiscais. Discute-se um regime fiscal
para o setor de mineração e petróleo segundo o qual o governo tem interesse em
participar de ganhos extras que sejam obtidos pelas mineradoras. "Houve
proposta de se colocar uma taxação extra a partir de determinada taxa de
retorno", disse um executivo. A indústria mineral está preocupada ainda
com a regulamentação de regras de conteúdo local para fornecedores. Uma das
propostas faria com que as empresas tivessem de comprar de fornecedores locais
desde que o preço seja até 10% mais caro que a cotação internacional.
"Estaria se introduzindo 10% de ineficiência", disse a fonte. Há dois
anos o governo obrigou fornecedores estrangeiros a se associar a empresas
locais para atender demandas de companhias mineradoras.
"O governo tem sido visto, até
recentemente, como um 'otário' em que as multinacionais levam tudo e não fica
nada para o país, o que não é verdade. Mas essa imagem deixou o governo
preocupado e o levou a mostrar às pessoas que cobra impostos, que há
moçambicanos trabalhando nos grandes projetos de infraestrutura e que ele
[governo] vai buscar a cobrança de mais valias [receitas extras]", disse
Fernando Lima, presidente do conselho de administração da Medicoop, um grupo de
comunicação com sede em Maputo.
Lima avaliou que as primeiras reações do governo
ao pleito da Vale não foram positivas. Houve, segundo ele, sinais do governo de
que a empresa tinha de olhar para os seus problemas internos. É isso que a Vale
vem fazendo, segundo o diretor da empresa no país. Na semana em que o Valor visitou
as minas de Moatize, no começo do mês, havia técnicos da consultora australiana
Partners in Performance (PIP) avaliando os ganhos que podem ser obtidos a
partir de mudanças e ajustes. Gutemberg disse que a Vale levou para Moçambique
especialistas em carvão da empresa na Austrália para ajudar nas operações.
Parte dessas pessoas foi aproveitada em Tete depois que a Vale paralisou
algumas de suas minas australianas.
Em debate em uma tevê de Maputo este mês,
Gutemberg respondeu à pergunta se a Vale poderia fechar ou vender uma parte do
negócio de carvão em Moçambique. "Temos esperança de conduzir essa
discussão de forma madura. E ter a colaboração e o entendimento de todos os
interlocutores, de quem tivemos boa receptividade. Acredito que vamos achar
solução conjuntamente. Não é interesse da Vale vir para Moçambique, com um
projeto de expansão em andamento, e considerar hipóteses extremas." Mas
seja qual for a saída para o dilema da Vale, o "El Dorado" de Tete
foi posto em xeque.
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