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São Luís, Maranhão, Brazil
Homem simples e comum: procuro ser gentil com as pessoas, amigo dos meus amigos e bondoso com a minha família. Sou apaixonado por filmes, internet, livros, futebol e música. Estou tentando sempre equilibrar corpo e mente, manter-me informado das notícias a nível mundial, ministrar aulas de geografia em paralelo às pesquisas acadêmicas que desenvolvo e, no meio de tudo isso, tento achar tempo para o lazer e o namoro. Profissionalmente,sou geógrafo e professor de Geografia no Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Instituto Federal do Maranhão (IFMA ­ Campus Avançado Porto Franco) e Doutorando em Geografia Humana na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Membro do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA) e do Núcleo de Estudos do Pensamento Socialista Pesquisa do Sindicalismo (NEPS), ambos da UFMA. Participo da Rede Justiça nos Trilhos.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Projetos de mineração da Vale pressionam territórios quilombolas no Maranhão e Pará

Projeto Serra Sul, da Vale, recebeu dos órgãos ambientais do governo federal a licença de instalação da mina e da usina de beneficiamento do minério de ferro, apesar de parte da área integrar a reserva ambiental da Floresta Nacional de Carajás. Por Rogério Almeida e Lilian Campelo, de Belém

Belém – No mês de julho o maior empreendimento da Vale, Projeto Serra Sul (S11D) recebeu dos órgãos ambientais do governo federal, o Instituto Brasileiro dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes para a Conservação da Biodiversidade (Icmbio) a licença de instalação do projeto da mina e da usina de beneficiamento do minério de ferro, apesar de parte da área integrar a reserva ambiental da Floresta Nacional de Carajás. A pressão sobre reservas ambientais e territórios das populações originárias é uma das características de tais projetos na Amazônia. 

O S11D encontra-se nos limites dos municípios a sudeste do Pará, Canaã dos Carajás e Parauapebas. Com o projeto a mineradora irá incrementar a produção de ferro em 90 milhões de toneladas por ano, mas com capacidade de dobrar a produção. O mercado asiático tem sido o destino do minério de ferro de excelente teor das terras dos Carajás, em particular a China e o Japão. A previsão é que a usina inicie as operações até 2016. A iniciativa que inclui mina, duplicação da Estrada de Ferro de Carajás (EFC), ramal ferroviário de 100km e porto está orçada em US$ 19,5 bilhões. 

Os recursos estão distribuídos da seguinte forma: a logística consumirá US$ 14, 1 bilhões; US$8,1 bilhões serão usados na mina e na usina; enquanto US$ 2 bilhões serão usados durante o ano. Como em outros empreendimentos na Amazônia, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é o responsável por parte dos recursos, ao lado do banco japonês, Japan Bank Internacional Cooperation (JBIC). O projeto é maior ou equivalente à primeira versão do Programa Grande Carajás (PGC), iniciado há quase 30 anos. 

Miséria S/A 
O extrativismo mineral é o principal item da balança comercial do estado do Pará, chegando a contribuir com 90% do Produto Interno Bruto (PIB). O mesmo minério que pesa no PIB é responsável por uma renúncia fiscal de R$ 9 bilhões por ano por conta da Lei Kandir (lei complementar federal n.º 87, de 13 de setembro de 1996), que desonera as empresas em recolher o Imposto de Circulação de Mercadoria e Serviço (ICMS) dos produtos primários e semielaborados. Dados do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) sinalizam que o setor faturou 100 bilhões de reais em 2012. Deste total o Pará responde por 23,3%, ficando atrás de Minas Gerais, que concentra 41,4% da produção. 

A desoneração em R$9 bilhões se aproxima do orçamento total do estado para o ano de 2013, estimado em R$ 13 bilhões, assim explica a dissertação de mestrado em Direito de Victor Souza, defendida da Universidade Federal do Pará (UFPA). No cenário de corporações internacionais que exploram ou reivindicam licença para prospecção mineral junto ao DNPM em solo paraense, constam a suíça Xstrata, a estadunidense Alcoa, a francesa Ymeris, a Reinarda, subsidiária da australiana Troy Resourse, a norueguesa Norsk Hidro, a chilena Codelco e a Vale, esta a de maior musculatura. 

Análises do jornalista Lúcio Flávio Pinto, um especialista em temática amazônica sinalizam que entre 1997 a 2001, a Vale contribuiu para o erário paraense com menos de R$ 6 milhões em impostos sobre minério de ferro exportado. Existe minério praticamente em todo o estado, - de seixo a ouro -, até o momento Carajás tem se constituído como o principal polo. O setor de maior peso na economia paraoara planeja investir 46 bilhões de dólares (quase 80 bilhões de reais) durante a vigência do seu plano quinquenal (2010/2014). 

“O principal efeito desses investimentos será incrementar ainda mais a especialização do Pará como estado exportador (talvez vindo a ocupar a 4ª ou mesmo a 3ª posição nacional em 2014) e gerador de saldo de divisas (já é o 2º mais importante do Brasil)”, avalia o jornalista. Os planos de desenvolvimento para a Amazônia tem consolidado a região como uma fonte exportadora de matérias primas, ou no máximo semielaborados e energia. Conforme os tratados de economia, um exportador de commodities. Uma economia de enclave, que não dinamiza as regiões ela opera. 

As quase três décadas de extrativismo mineral em Carajás não representam uma alteração da qualidade de vida das populações do Maranhão e Pará, estados impactados pelo projeto. Iguais em desgraça, ambos ocupam lugar de destaque no mapa da pobreza do país. No Maranhão 1,7 milhão da população, do total de 6,5 milhões de habitantes sobrevivem abaixo da linha da miséria, ganhando R$70,00 por mês. 

No ranking da extrema pobreza do Brasil, o Pará ocupa o quarto lugar, com uma população de 1,5 milhão de pessoas na linha da pobreza. Entre os municípios do corredor de Carajás nenhum alcança a renda per capita mês igual a um salário mínimo. Parauapebas e Marabá lideram o ranking com R$221,48 e R$188,59 respectivamente. São João do Araguaia tem o pior indicador, R$67,72, enquanto Canaã dos Carajás responde com R$167,46. O município vizinho da mina, Curionópolis tem a per capita de R$ 108,15, quase a mesma renda da pequena Palestina do Pará, R$ 106, 64. 
Os demais municípios do sudeste paraense possuem a seguinte per capita: Bom Jesus do Tocantins, R$107,80; Brejo Grande do Araguaia, R$113,77; Eldorado dos Carajás, R$106,16; Itupiranga, R$85,71; Nova Ipixuna, R$127,26; Piçarra, R$119,34; São Domingos do Araguaia. R$ 113,55 e São Geraldo do Araguaia com R$136,06, segundo dados de 2010, do Sistema de Informação Territorial (SIT), do Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA). 

Mega Empreendimentos X populações ancestrais 
Os números quase sempre estratosféricos do setor costumam ser festejados em chamadas de capas dos jornais locais, que secundam as tensões e situações de conflito que os megas projetos provocam junto à sociodiversidade amazônica, entre eles camponeses, indígenas e quilombolas. Hidrelétricas, portos, rodovias, hidrovias e ferrovias integram o quadro de empreendimentos públicos e privados que pressionam territórios ancestrais e áreas de reservas ambientais, como é o caso da EFC. 

Duplicação da EFC pressiona territórios quilombolas 
A EFC possui 892 km e corta 25 localidades, sendo 21 só no Maranhão. Diariamente passam dois tipos de trens por essa ferrovia: o trem de passageiros e o trem cargueiro, que possui 332 vagões e mais de 3.400 m de comprimento. A duplicação de parte da Ferrovia de Carajás, inaugurada em 1985, no último ano de distensão da ditadura, tem tirado o sono das populações quilombolas das comunidades de Monge Belo e Santa Rosa dos Pretos, cravadas nos municípios maranhenses de Itapecuru Mirim e Anajatuba, a 114 quilômetros de São Luís. 

O território quilombola Monge Belo é composto por oito povoados (Monge Belo, Ribeiro, Bonfim19, Santa Helena, Juçara, Frade, Teso das Taperas e Jeibará dos Rodrigues). 300 famílias vivem nele. Em Santa Rosa dos Pretos sobrevivem 600 famílias em 13 comunidades, que são: Boa Vista, Pirinã, Barreiras, Leiro, Centro de Águida, Fugido, Barreira Funda, Sítio Velho, Picos I, Picos II, Santa Rosa, Curva de Santana e Alto de São João mencionadas como habitadas e quatro comunidades (Matões, Fazenda Nova, Pindaíba e Conceição) consideradas desabitadas.

Dados do relatório da Campanha Justiça nos Trilhos (Jnt) indicam que o projeto de duplicação da EFC prevê a construção de 46 novas pontes, 5 viadutos ferroviários e 18 viadutos rodoviários. As obras estão planejadas em duas fases (2010-2012 e 2012-2015). A primeira contemplou obras em Itapecuru-Mirim sobre os territórios quilombolas, Alto Alegre do Pindaré, Bom Jesus das Selvas, Buriticupu e Açailândia, no estado do Maranhão e em Marabá, no estado do Pará. A empresa Norberto Odebrecht é a responsável pela obra. Em picos da construção, canteiros chegam a ter mais de dois mil operários. 

Defensores dos direitos da criança e do adolescente têm denunciado a prostituição infantil na EFC por conta das obras. Outro passivo social provocado pela ferrovia é o embarque clandestino de vulnerável. Por conta da situação existe uma ação pública contra a companhia na 1ª Promotoria de Justiça da Infância e Juventude de São Luís. O assunto é tema de um processo administrativo (PA 116/2005 – 1ª PIJ) em tramitação na promotoria, cujo titular é o promotor de Justiça Márcio Thadeu Silva Marques. Desde 2005 a empresa vem procrastinando em assinar um Termo de Ajuste de Conduta (TAC). 

Terras da Amazônia - Território em disputa 
A Vale incorporou uma faixa de território de 40 metros de cada lado da (EFC) dos territórios quilombolas. E para tanto chegou a pedir judicialmente a impugnação do reconhecimento das terras como de remanescente de quilombo. As comunidades buscam desde 2005 o reconhecimento do território, prestes a receberem o documento do governo federal foram surpreendidas pela ação da mineradora. 

Sob uma lógica de caos fundiário, a disputa envolve além de quilombolas e a maior empresa da economia nacional, fazendeiros e camponeses, o Ministério Público Federal (MPF), a Fundação Cultural Palmares (FCP), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e o Instituto Brasileiro de Recursos Naturais Renováveis (Ibama), e organizações de defesa de Direitos Humanos, como a Campanha Justiça nos Trilhos (Jnt). 

A duplicação da via férrea interferirá ainda em territórios indígenas, entre eles, a aldeia Mãe Maria, do povo Gavião, localizado no estado do Pará. No Maranhão poderá causar impactos nos territórios indígenas Caru (Guajajara e Awá-Guajá), Alto Turiaçu (povos Urubu Ka’apor, Timbira e grupos de awá-Guajá, nômades e isolados), Pindaré, entre Bom Jardim e Santa Inês (povo Guajajara e algumas famílias de Guaranis). Ocupar trechos da EFC tem sido a estratégia de variados grupos para abrir o diálogo com a Vale. A última ocupação ocorreu no dia 19 de julho deste ano, e reuniu 700 pessoas, em Alto Alegre do Pindaré, no Maranhão. Com vistas a enfrentar os passivos sociais e ambientais provocados pela EFC, prefeitos de 23 municípios estão organizados em torno de um consórcio municipal. 

A peleja na Justiça
Em 2011 o MPF do Maranhão moveu uma Ação Civil Pública contra a Vale e o Ibama, por conta das obras da duplicação de 2,4 quilômetros da EFC no município de Itapecuru Mirim. Os estudos realizados pela Vale omitiram uma série de dados sobre a região, e laudos realizados pela FCP e o Incra, que apontavam para necessidade de aprofundamento das pesquisas sobre os territórios quilombolas. No documento da Vale entregue ao Ibama na época, havia somente uma mera menção da existência de Monge Belo e Santa Rosa dos Pretos. 

Em julho de 2012 a obras foram suspensas. A decisão foi do juiz federal da 8ª Vara de São Luís, Ricardo Macieira, que avaliou que a licença foi obtida sem a realização do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). O desembargador Mário César Ribeiro, presidente do Tribunal Regional Federal, de Brasília revogou a liminar em setembro do mesmo ano. 

Após as tensões, a Vale firmou acordou mediado pelo MPF, em que se comprometeu a realizar estudos visando à recuperação ambiental de rios e igarapés atingidos pela via férrea; a construir viadutos e melhorar passagens de nível para assegurar a travessia de moradores e veículos; recuperar cursos de água atingidos; realizar a medição da poluição do ar e sonora, por meio de aparelhos a serem instalados. Além disso, disponibilizar 700 mil reais, no prazo de 60 dias, para serem aplicados em construção de escola de ensino médio e implantação de projeto agrícola. A Campanha Jnt acusa que a empresa não tem cumprido o acordo firmado. 

Há situações de conflito em todo o complexo que mobiliza os interesses da companhia e o projeto S11D, a exemplo do que ocorre nas ocupações Boa Esperança, Nova Esperança e a Vila Mozartinópolis (Racha Placa), que conformam parte do entorno de interesse da mina no município de Canaã dos Carajás. No Pará o MPF tem mediado os conflitos relacionados com camponeses que terão de ser removidos para a implantação do ramal ferroviário. Em outro projeto que explora níquel ao sul do estado, a tensão ocorre com o povo indígena Xkirin do Cateté. 

A omissão de informação, a insuficiência de dado e uma revisão bibliográfica limitada são características recorrentes nos estudos e relatórios de impactos ambientais apresentados pelas grandes corporações para a obtenção de licenças de seus empreendimentos em solo amazônico. Outro item apontado pelos defensores de direitos humanos é a indiferença contra a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. A convenção orienta que as comunidades tradicionais sejam consultadas sobre a interferência em seus territórios. 

Na quebra de braços entre Davi contra Golias, a Vale fracionou o pedido de licenciamento ambiental, como se a licença da mina em Carajás, a duplicação de parte da EFC, a reforma dos 57 pátios de cruzamento e a construção do quarto píer, no Porto da Ponta da Madeira, em São Luís fossem dissociados. 

Conforme a assessoria jurídica da Campanha Jnt as obras continuam a todo vapor na cidade de Itapecuru Mirim. Assim como os problemas e a falta de respeito às populações atingidas. Segundo a assessoria, as estradas vicinais estão destruídas e o trem tem ficado até três dias parados num desvio, o que impede o direito de ir e vir das pessoas. Os quilombolas indicam como passivos do projeto a destruição de igarapés, a poluição das águas, a ocorrência de atropelamentos constantes de pessoas e animais, mudança no modo de vida das comunidades quilombolas e o comprometimento da segurança alimentar pela perda do território e dos recursos hídricos. 

Outro passivo colocado pelo relatório da Campanha Jnt tem relação com o valor pago pelas benfeitorias, que não considera as perdas financeiras e a impossibilidade de continuação de algumas atividades. Alguns moradores tiveram que negociar parte de seus quintais, ficando com o espaço bastante reduzido, o que impossibilita a continuação da criação de animais de pequeno porte, como galináceos, outros moradores perderam canteiros em que cultivavam hortaliças.

A Campanha Jnt tem se constituído como uma pedra no caminho dos interesses da mineradora. Foi ela a responsável pela premiação que a Vale recebeu em 2012, “O Oscar da Vergonha”, como a pior empresa ambiental do mundo. O "Public Eye People's” existe desde 2000. As ONG´s Greenpeace e a Declaração de Bernia são os organizadores. A chancela é entregue durante o Fórum Econômico de Davos, na Suíça. A Campanha é uma das organizações alvo da arapongagem realizada pelo setor de “inteligência” da corporação, conforme declarou à imprensa ex gerente do serviço demitido no começo do ano, André Almeida. 

A expropriação no quilombo do Pará
Maria do Carmo é professora do ensino fundamental na comunidade São Bernardino. Mora desde menina no território quilombola de Jambuaçu, localizado no município de Mojú (PA). Atualmente está sendo processada pela Vale. 778 famílias moram em Jambuaçu. Elas estão distribuídas em 14 comunidades: Poacê, São Bernardino, Bom Jesus do Centro Ouro, Nossa Senhora das Graças, Sta Luzia do Traquateua, Santo Cristo, Conceição do Mirindeua; São Manoel; Jacundai; Ribeira e São Sebastião, segundo pesquisa da Nova Cartografia Social da Amazônia. 

Com 51 anos, a educadora acredita que a causa esteja vinculada as diversas ações de resistência que, assim como ela, outras lideranças realizaram no período de maior conflito entre a empresa e os moradores do território. Dentre os episódios, o momento de maior tensão foi quando um grupo composto por 300 pessoas derrubaram uma torre de linha de transmissão de energia em dezembro de 2006, e fecharam a Rodovia Quilombola durante 51 dias. 

As ações foram motivadas pelo não cumprimento do acordo, que na época era a construção da Casa Familiar Rural (CFR), escola de alternância para os jovens do território, um posto de saúde para as comunidades, a recuperação de 33 quilômetros de estrada que cortam as terras quilombolas, e a reforma de duas pontes danificadas por caminhões da Vale. Os pontos do acordo só foram cumpridos após a mobilização dos moradores. 

Assim como Maria do Carmo, outras duas pessoas estão sendo processadas, Raimunda Gomes de Moraes e Manoel Almeida. Como registra a ação do Ministério Público Federal (MPF) “a Vale levou à Justiça Estadual vários quilombolas sob o fundamento de dano em suas instalações e ainda promoveu Notificação Extrajudicial das comunidades, numa clara tentativa de intimidá-los”. 

Segundo o MPF, as fases do licenciamento ambiental foram acompanhadas pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SEMA – PA), e nele foram estabelecidas as obrigações no qual a empresa deveria realizar com o objetivo de atenuar os impactos ambientais, sociais e econômicos gerados pela instalação do mineroduto e a linha de transmissão. 

Dentre as condições que deveriam ser implementadas está o projeto de geração de renda (projeto produtivo) realizado pela Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA). De acordo com o presidente da Associação Quilombola de Jambuaçu (Bambaê), Ricardo Tavares da Silva, atualmente está sendo realizado um projeto de apoio à agricultura familiar realizado pela Norsk Hydro, empresa norueguesa, e a Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu (Camta) na Casa Familiar Rural. “Esse projeto não é o projeto de geração de renda para as famílias que foram afetadas. Até porque quem irá realizar é a UFRA. Ele [projeto] foi feito para dar sustentabilidade à escola, e também para que os alunos possam aplicar os conhecimentos que aprendem em sala de aula”. 

Os quilombolas acusam que a empresa não tem cumprido até o momento as condicionantes estipuladas em 2008. Conforme acordo firmado com o MPF do Pará, a empresa teria que apresentar programas de geração de renda e diversificação da produção agrícola para as áreas impactadas pelo empreendimento, contudo, como diz o texto apresentado pelos procuradores da República, Bruno Araújo Soares Valente e Felício Pontes Jr. “Ao invés de cumprir as condicionantes, implementando projetos para todos os quilombolas, a Vale acena com uma humilhante proposta que transforma obrigação ambiental em esmola”, criticam. 

A proposta da empresa é executar o projeto desenvolvido pela UFRA para 58 famílias identificadas pela Coordenação das Associações Quilombolas e inserir duas culturas anuais como mandioca e feijão ou mandioca e milho, e ainda uma cultura perene, cupuaçu ou açaí, para cerca de 400 famílias que concordaram com o trabalho da UFRA. 

Mediante o não cumprimento das condicionantes e como a presença do mineroduto infringe o direito e a integridade do patrimônio coletivo do território quilombola do Jambuaçu, o MPF solicita em ação judicial o pagamento no valor de cinco salários mínimos para cada uma das 788 famílias remanescentes de quilombo, e a implantação de projeto de geração de renda na comunidade. 

Jambuaçu, Mojú, norte do Pará. Do terminal rodoviário pode-se vê o rio que banha e batiza a cidade. É o “rio das cobras” em tupi. Situado na zona Guajarina, localizado no nordeste paraense, fica a 257 km da capital Belém. Moju ainda faz fronteira com oito cidades – Breu Branco, Tailândia, Barcarena, Acará, Baião, Mocajuba, Igarapé-Miri e Abaetetuba. A cidade é o ponto de partida para chegar ao território quilombola de Jambuaçu distante 25 km do centro. 

O transporte até o território quilombola é escasso. Há apenas dois horários de saída do terminal, um às 11 horas e o outro somente às 15horas, mesmo assim ainda não é certeza, e quando não sai deixa muitos moradores na mão. 

Em 2006 o território ganhou as manchetes na mídia. Lideranças das quinze comunidades que compõem o território derrubaram uma torre de linha de transmissão. Estas e outras mobilizações e ações de resistência tecem a luta que o território vem travando desde 2004, quando a Vale iniciou a instalação de parte do projeto da Mina de bauxita, localizada no município de Paragominas, sudeste paraense. Trata-se da terceira maior mina de bauxita do mundo, com capacidade de produzir 9,9 milhões de toneladas anuais. 

A ação pública ambiental movida pelo MPF explica que o empreendimento contempla uma mina de bauxita denominado de Miltônia 3; linha de transmissão de energia elétrica para suprir a demanda que o empreendimento necessita; construção de mineroduto para realizar o transporte de polpa de bauxita com 244 quilômetros de extensão, tendo inicio em Paragominas e terminando na empresa Alunorte, no município de Barcarena. O mineroduto percorre cinco municípios, Ipixuna do Pará, Tomé-Açú, Acará, Abaetetuba e Mojú. Além dos projetos do alumínio, as populações da região socializam os impactos da monocultura do dendê, incentivada pela politica federal de biodiesel, também controlada pela Vale. 

As plantas industriais da Alunorte e Albrás integram a cadeia produtiva do alumínio no Pará são consideradas as maiores do mundo. A primeira transforma a bauxita em alumina, e a segunda a alumina em alumínio. A energia elétrica é o principal insumo. A Mineração Rio do Norte, que também fez parte do portfólio da Vale, explora bauxita desde a década de 1980 na cidade de Oriximiná, no sudoeste do Pará. A cadeia do alumínio paraense tem ainda em sua composição a estadunidense Alcoa, que explora a matéria prima para a produção de alumínio no Baixo Amazonas, no município de Juriti, oeste paraense. 

Coisa de gigantes 
Em 2010 a Vale repassou o controle acionário da cadeia do alumínio para a norueguesa Norsk Hidro ASA numa operação realizada em 2010, em Oslo, Noruega. Parceira da Vale há 40 anos a Hidro já detinha 34% das ações. Informação publicada no site da empresa explica que a operação inclui a transferência do controle de Paragominas, 91% de participação na refinaria de alumina Alunorte, 51% na fábrica de alumínio Albras e 81% na futura refinaria de alumina CAP, e a Vale passa a deter 22% das ações da Hydro.

O site da Hidro esclarece que o projeto CAP é uma refinaria de alumina em implantação, com capacidade anual de produção de 1,86 milhão de toneladas e potencial de expansão de até 7,4 milhões de toneladas, abastecida principalmente por Paragominas. A Hydro já detinha 20% da CAP, e passará a controlar 81% com essa operação. A empresa existe desde o começo do século passado e opera em 40 países dos cinco continentes. 

Terras de negros – terras de engenhos de cana de açúcar
Tanto as linhas de transmissão de energia elétrica e o mineroduto atravessam o território de Jambuaçu, contudo o processo de titulação do território começou em 2001, o que garante aos remanescentes de quilombolas o direito a terra, e, por conseguinte o direito ao trabalho, à preservação da cultura, dos costumes e das tradições. 

O fator histórico é outro ponto de destaque na garantia de direitos aos remanescentes de Jambuaçu. A presença do negro na Amazônia está marcada nas obras de Vicente Salles como um importante documento historiográfico baseado na revisão de documentos oficiais e jornalísticos datados dos séculos XVII a XIX. No livro O negro no Pará – Sob o regime da escravidão relata que ao longo do rio Moju, assim como no rio Acará, Capim e Guamá, registra a ocorrência de muitos engenhos de lavoura de cana de açúcar, cultivada a partir da mão de obra escrava. A grande concentração de negros na região se deve pela importância econômica que a cidade representou na época, concentrando ali um dos maiores mocambos do estado. 

Em Jambuaçu a Convenção 169 da OIT também foi ignorada. Muitos moradores do território assinaram de forma individual o Instrumento Particular de Constituição de Servidão, Transação, Quitação e Outras Avenças para alienarem suas terras como fez Maria do Carmo 51 anos, presidente Associação da Comunidade São Bernardino. “O termo foi assinado de forma individual e sem conhecermos o que estávamos assinando. Eu falo por mim, eu sou professora, mas na época não tínhamos o conhecimento que temos hoje. Eles apenas chegavam e diziam assim: olha esse projeto é do Governo Federal, então vocês não podem fazer nada. Como nós não tínhamos a visão que temos hoje fomos obrigados a procurar quem nos orientasse”. 

Ela ainda informa que muitos moradores da comunidade souberam que seria construído o mineroduto ou as linhas de transmissão quando as máquinas já estavam trabalhando na área e derrubando a mata para limpeza do terreno. As comunidades de Jambuaçu vivem em sua grande maioria da agricultura familiar, da pesca, criação de pequenos animais e do extrativismo, como a coleta de ouriços da Castanha do Pará. 

O MPF apontou na ação pública que o acordo estabelecido de forma individual estabeleceu limites para a produção agrícola aos moradores que assinaram o termo, o que levou muitas famílias a miséria, como foi verificado pela inspeção judicial. Quanto à indenização o valor foi irrisório, e determinado de forma unilateral pela Vale. 

Durante a entrevista Maria do Carmo recorda que antes da presença da empresa a maior dificuldade para o território era o deslocamento até a cidade, porque não tinha a estrada, e o transporte era fluvial. “Mas em compensação os nossos produtos eram totalmente diferentes, tinha fartura, se conseguia viver da terra, esse era o sustento da minha família” acrescenta. 

A Comissão Pastoral da Terra da Região Guajarina (CPT) informou que houve uma perda de 20% do território das comunidades quilombolas, o que representa 2.400 hectares de terras após a implantação dos minerodutos e da linha de transmissão. 

Os impactos perduram
Os impactos ambientais causados pelo empreendimento vão desde o assoreamento, alteração da navegabilidade e modificação da qualidade de igarapés e do rio Jambuaçu. Estes e outros problemas ambientais podem ser vistos nos relatos publicados pela Nova Cartografia dos Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil – Quilombolas de Jambuaçu – Moju, coordenado pelo antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e a professora Rosa Elizabeth Acevedo Marin da Universidade Federal do Pará (UFPA). 

Maria de Nazaré Silva Rodrigues, 32 anos, presidente da Associação Quilombola de Santa Maria do Traquateua informa que a empresa reconhece como atingidos apenas 58 famílias. O fato, segundo ela, gerou uma crise interna no movimento pela exclusão da maioria da população das 14 comunidades. Assim, as 58 famílias que receberam a indenização, em nome da coletividade, decidiram pela divisão do recurso com as demais famílias afetadas, mas que não eram reconhecidas pela empresa. Por conta da decisão, as 58 famílias foram multadas e ficaram sem receber quatro salários mínimos. “Isso só enfraqueceu o território, gerou desunião e fortaleceu a Vale” avalia. 

Diante dos impactos e do processo judicial que Maria do Carmo enfrenta com a Vale, ela diz que se sente triste pela situação do território, das várias lutas que vem enfrentando e em tom de desabafo faz algumas previsões preocupantes. “Essa comunidade aqui está em extinção. Nós estamos sabemos que nesse território vai passar gasoduto, linha de trem, mais linhas de transmissão. E vai chegar um tempo que a comunidade vai sair, porque onde vai passar gás você não vai pode morar. É uma preocupação minha: aonde nós iremos? Pra cidade? O agricultor vai ter que comprar tudo, porque ele não tem como plantar indo pra cidade, tudo vai ser diferente, então isso é uma preocupação minha”. 

*Rogério Almeida é autor do livro Territorialização do campesinato no sudeste do Pará, editado pelo NAEA\UFPA\2013. Lilian Campelo é jornalista freelance.

domingo, 21 de julho de 2013

700 manifestantes bloqueiam Estrada de Ferro dos Carajás nesta sexta-feira (19)

A Estrada de Ferro Carajás foi novamente interditada na noite desta sexta-feira (19). Aproximadamente 700 pessoas começaram uma manifestação por volta das 19 h, no trecho da ferrovia localizado no município de Alto Alegre do Pindaré.
Apesar da movimentação no município, a Assessoria de Imprensa da Vale informou à redação de O Imparcial que a ferrovia está funcionando normalmente e nenhuma interdição foi registrada até o momento.
Segundo os manifestantes, entre as principais exigências estão melhorias e compensações socioambientais. Dez representantes do poder público, entre prefeitos, vereadores e deputados, também aderiram ao ato e estão presentes no local junto à população.
A concentração do protesto se formou logo após uma audiência pública realizada pelo Consórcio dos Municípios da Estrada de Ferro Carajás (COMEFC). A audiência aconteceu na quadra de uma escola do município e contou com a presença de autoridades locais, lideranças comunitárias, associações rurais e toda a comunidade em geral. Logo depois, o grupo que participava se reuniu em protesto e fecharam a Estrada de Ferro.
Esta foi apenas uma das várias audiências que a Comefc tem realizado nos municípios atingidos pela Estrada. Ao todo, são 23 os municípios que participam das ações estruturadas para alavancar o crescimento da região, com o objetivo de diminuir os impactos sociais e ambientais sofridos. Eles buscam discussões imediatas com os diretores da Vale, visando garantias no sentido de extinguir os impactos negativos deixados nas comunidades.
De acordo com informações da Comefc, neste sábado (20), outra audiência será realizada às 9h, no município de Tufilândia, na creche Primeiros Passos.

Financiamento da Vale para mostra de Sebastião Salgado é criticado

SÃO PAULO, SP, 19 de julho (Folhapress) - Ambientalistas ingleses estão em campanha contra o Museu Britânico de História Natural por causa da origem do dinheiro que financiou a mostra Gênesis, do fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado. 
A exposição retrata "a majestade da natureza e o equilíbrio das relações dos humanos com nosso frágil planeta", diz a apresentação do museu. 
Mas o patrocinador, a companhia de mineração brasileira Vale, é considerado por ecologistas ingleses como inimigo número um do ambiente. 
A fama veio do envolvimento da Vale nas obras de Belo Monte. Segundo ativistas, a usina vai inundar cerca de 500 km2 da floresta amazônica e desalojar tribos indígenas como as que aparecem nas fotos da mostra Gênesis. 
Christian Poirier, ativista da ONG Amazon Watch, disse ao jornal britânico "The Independent" que o financiamento da Vale à exposição era "lavagem verde". 
Ontem, o Museu de História Natural defendeu sua decisão de aceitar o financiamento, afirmando que, apesar da propaganda negativa de Belo Monte, a companhia está comprometida com projetos de desenvolvimento sustentável. 
Questionado sobre a polêmica, Sebastião Salgado disse entender as preocupações dos ambientalistas em relação a empresas como a Vale, mas afirmou que "O problema não são companhias de mineração ou as petrolíferas, mas sim o sistema de vida que nós criamos"

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Os confins de Buriti de Inácia Vaz

Por , 17/07/2013 17:33
Por Mayron Borges, em Combate Racismo Ambiental
Ele não se importará com esse breve comentário, mas é um comentário que magoaria muita gente. Ele não sabe ler e nem escrever. Iniciou-se no bê a bá e na tabuada sem, contudo, prosseguir nos estudos. Deslocava-se com extrema dificuldade de seu povoado, na zona rural de Buriti, à sede do município. Não havia outro jeito, senão andar muito. Vicente se lembrou, deveras, desse tempo inusitado quando visitou a moradia do Jandy e da Das Dores, na comunidade da Bacaba. Quando pisaram na varanda da casa, a Das Dores conversava com seus afilhados.
Antes de se dirigirem à Bacaba, o Vicente confirmara que trafegar pela Chapada se dificultara porque o senhor Gilson impedira que os caminhões de uma empresa de soja passassem próximo a sua propriedade à beira do riacho Feio. Definir um riacho como feio soava incongruente, mas o Vicente explicou que o riacho Feio é lugar de cobra Surucucu de larguras e comprimentos de botar medo em qualquer um. Cansei de ver essa baixa ai encher de água em uma época que os invernos irrompiam rigorosos, contou Vicente.
O Baixo Parnaíba maranhense presenciara chuvas impenetráveis, de gente se recolher cedo porque a chuva engrossava. Eles rumavam em direção à Bacaba e notaram que naquela parte da Chapada, diferente do lugar onde o Vicente reside, a chuva alagara vários trechos. Nesses trechos moravam o seu Zé Branco, o seu Manoel e seu Madalena. Sobre o seu Madalena, sabe-se que ele expulsa qualquer representante de plantador de soja assim que põe os pés em sua propriedade. Isso se deve em parte ao fato de que os plantadores de soja o puseram na cadeia por conta de disputa de terras.
A família do ex-prefeito de Buriti, Nenem Mourão, vendera cinco mil hectares sem possuir um palmo de terra na Chapada. A SLC comprou os cinco mil hectares na época e documentaram dez mil hectares. Assim que a empresa aportou em Buriti prometeu empregos para todo mundo com a clara intenção de cooptar as comunidades situadas no entorno da área grilada.  Havia comunidades dentro da área vendida pelo pai do Nenem Mourão? Segundo Vicente, não havia comunidades ou um morador que seja.
Naquela época, só uma dose de atrevimento ou de loucura empurraria alguém para morar sozinho numa Chapada desprovida de qualquer infraestrutura e afastada de Buriti, Mata Roma, de Anapurus e de Chapadinha. Era difícil, não era impossível, que alguém fincasse morada naquele pedaço solitário do mundo. Para algumas pessoas quanto mais sozinho melhor. A monocultura da soja atrapalhou o sentido dessa existência com seus defensivos e com seus fertilizantes.  Pelo que se sabe, antes de 2007, a SLC expulsara um morador ou o forçara a vender sua posse a custa de muitos litros de agrotóxicos despejados por seu avião pulverizador.Um fato como esse passa batido em razão da supremacia que uma atividade econômica como a soja inaugura.
Os agricultores que possuíam áreas na Chapada movimentavam de maneira muito primária e muito precária os recursos contidos nessas áreas. O extrativismo do bacuri auxiliava na renda da família, mas poucos podiam acondicionar a polpa em um freezer pela total falta de recursos para adquiri-lo ou até mesmo pela falta de energia elétrica. A vida de Vicente e de sua família se definia um pouco assim sobre a Chapada e com a imensa possibilidade de que um dia viesse a vender ou a trocar a sua posse para tomar outro destino ali em Carrancas, seu povoado, ou em Buriti.
A chegada da energia em sua residência modificou por completo os rumos daquela prosa de vender ou trocar a sua posse, pois ele comprou eletrodomésticos e equipamentos industriais que facilitam a criação de galinha caipira. Viver sobre aquela Chapada se tornou tão inevitável e tão irrepreensível que ele resolveu compartilhar os projetos de manejo de bacurizeiros e de criação de galinha caipira com seus vizinhos  que a indústria da soja castiga, como são os casos da Maria das Dores e do Jandy, no povoado Bacaba, e do senhor Omar, na região da Laranjeiras

Código da Mineração: a urgência é do mercado. Entrevista especial com Carlos Bittencourt

Por , 17/07/2013 11:48
mining“A única urgência na cabeça dos formuladores da proposta é captar urgentemente um pouco mais de royalties para o Estado e garantir que as empresas sigam tendo enormes lucros no setor”, adverte o pesquisador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – Ibase
IHU On-Line - A votação em regime de urgência do novo Código da Mineração demonstra a “a velha (ir-)razão patrimonialista e autoritária do Estado brasileiro”, declara Carlos Bittencourt à IHU On-Line, em entrevista concedida por e-mail. Se as propostas de alteração do Código da Mineração estão sendo debatidas “em sigilo” há quatro anos, “por que o poder Legislativo e a sociedade civil terão apenas 90 dias (45 dias em cada Casa Legislativa) para debater e chegar a conclusões?”, questiona. Para ele, o regime de urgência demonstra a postura do Estado brasileiro “contra o debate e a participação da cidadania”.
De acordo com Bittencourt, os movimentos sociais e representantes da sociedade civil não tiveram acesso à proposta do novo Código da Mineração. “O governo recebeu alguns movimentos já às vésperas da apresentação da proposta, mas não publicizou o texto e nem se comprometeu com as reivindicações que vinham da sociedade civil”, informa. Por outro lado, lamenta, “as empresas conseguiram negociar detalhes da proposta antes do seu envio ao Congresso, como, por exemplo, a questão da taxação especial e a alíquota dos royalties. Isso mostra que os interessados não foram tratados de forma equitativa, dando-se prioridade ao setor empresarial”.
Na avaliação do pesquisador, o novo Código da Mineração é “desumano”, pois não considera as condições de trabalho dos trabalhadores, nem a situação dos afetados pela mineração. “Mais uma vez fica claro que é a regulação de um negócio e não de uma atividade com todas as suas implicações”, assinala. E dispara: “O Código trata a mineração apenas como um negócio. Nem sequer considera que está regulando um bem comum natural, finito e não renovável. Nesse sentido, penso que o Código da Mineração pode ter uma dimensão mais perversa do que o Código Florestal, pois se trata de ações irreversíveis”.
Carlos Bittencourt é historiador e pesquisador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – Ibase. Confira a entrevista
IHU On-Line – Por quais razões o projeto de lei que propõe a substituição do Código da Mineração será votado em regime de urgência no Legislativo?
Carlos Bittencourt – Do ponto de vista da sociedade civil e da razão democrática, não há qualquer razão. A única (ir-)razão aparente para a apresentação da proposta em regime de urgência é a velha (ir-)razão patrimonialista e autoritária do estado brasileiro. O motivo, mais do que a razão, é o impedimento do debate público, do envolvimento da cidadania brasileira nesta decisão tão importante e que envolve a todos.
O Código atual é de 1967, o governo vem debatendo a nova proposta há quatro anos. Mas por que agora o poder Legislativo e a sociedade civil terão apenas 90 dias (45 dias em cada Casa Legislativa) para debater e chegar a conclusões? Durante os quatro anos de sua elaboração, a proposta foi mantida em sigilo. Olhando dessa perspectiva, só é possível ver o regime de urgência como um ato contra o debate e a participação da cidadania.
E a resposta à pergunta sobre a razão pela qual se quer evitar o debate me parece mais simples: para não se encarar o quanto a estratégia pública e privada da exploração mineral brasileira está baseada na dilapidação dos territórios, das reservas nacionais de minérios e na reprimarização da nossa economia. Se há urgência, ela é a urgência do mercado. A democracia exige ritmos de debates completamente distintos dos ritmos do mercado.
IHU On-Line – Qual a urgência em alterar o Código?
Carlos Bittencourt – Como disse, a alteração da lei precisa respeitar os tempos e os ritmos da democracia. Há muitas urgências envolvendo o debate da mineração no Brasil e para saná-las é necessário um amplo debate público envolvendo o conjunto da cidadania brasileira e, especialmente, aqueles e aquelas que são afetados cotidianamente pela mineração. É urgente encararmos de frente os problemas causados pela mineração.
Por exemplo, alguém sabe que a mineração consumiu em 2012, segundo dados incompletos da Agência Nacional de Águas, cerca de cinco quatrilhões de litros de água através de seus pedidos de outorgas? E que mais uma quantidade não mensurada foi consumida nos processos de drenagem das minas, que quanto mais se aprofundam mais atingem as águas subterrâneas e locais de armazenamento geo-hidrológico. E que, por fim, um sem número de rios, mananciais e águas subterrâneas foram contaminadas em níveis extraordinariamente superiores aos permitidos pela Organização Mundial de Saúde, com substâncias como o mercúrio, o cianureto e as drenagens ácidas?
O número de famílias que estão sendo direta e indiretamente afetadas pela mineração é a cada ano maior. São pessoas que têm de deixar os locais onde viviam há décadas, às vezes séculos; que sofrem com a logística da mineração; cidades que sofrem gigantescos fluxos migratórios para a instalação das minas que quando iniciam sua operação não empregam sequer a terça parte dessa mão de obra inicial, causando uma crise nos serviços públicos locais e instituindo o problema da prostituição, inclusive infantil.
Também é urgente sair desse modelo que, impulsionando irrefletidamente a extração mineral, torna nossa economia cada vez mais primária exportadora, dependente dos voláteis preços das commodities minerais, o que pode, de uma hora para a outra, fazer enormes danos econômicos às contas públicas, como agora está se verificando com o crescente déficit da balança comercial brasileira.
Nenhuma dessas preocupações foi levada a sério na proposta do novo Código da Mineração, o que me faz crer que a única urgência na cabeça dos formuladores da proposta é captar urgentemente um pouco mais de royalties para o estado e garantir que as empresas sigam tendo enormes lucros no setor. A urgência é a urgência do mercado.
IHU On-Line – Como estão ocorrendo as negociações para alterar o Código da Mineração e que setores da sociedade participam?
Carlos Bittencourt – Esse foi um processo superfechado. O professor da UFJF, Rodrigo dos  Santos, analisou os dados que o governo divulgou sobre a participação no processo de elaboração da proposta. De acordo com ele, participaram das discussões 189 representantes diferentes, sendo, em sua grande maioria, representantes ministeriais: Ministério de Minas e Energia – MME, Ministério do Meio Ambiente – MMA, Ministério da Ciência e Tecnologia – MCT e Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – MDIC. Em menor número estiveram presentes representantes da Vale S.A. e do Ibram. Já os sindicatos, movimentos sociais e ONGs setiveram praticamente ausentes nessas discussões.
Apesar de os movimentos sociais lançarem a campanha “Queremos debater o novo Código da Mineração”, até a sua apresentação ao Congresso não se teve sequer acesso à proposta. O governo recebeu alguns movimentos já às vésperas da apresentação da proposta, mas não publicizou o texto e nem se comprometeu com as reivindicações que vinham da sociedade civil.
É sabido que as empresas tiveram acesso à proposta, conforme foi divulgado na imprensa e em seminários do setor empresarial. As empresas conseguiram negociar detalhes da proposta antes do seu envio ao Congresso, como, por exemplo, a questão da taxação especial e a alíquota dos roylaties. Isso mostra que os interessados não foram tratados de forma equitativa, dando-se prioridade ao setor empresarial.
IHU On-Line – É preciso alterar o Código da Mineração, considerando que foi elaborado há 40 anos?
Carlos Bittencourt – Sim, é preciso. O Código atual foi elaborado pela ditadura e traz consigo as marcas desse período autoritário, tanto do ponto de vista da sua forma política como na maneira de entender os territórios e territorialidades.
Por exemplo, na época da elaboração do Código atual, o Brasil não era signatário da Convenção 169 da OIT, que garante às comunidades indígenas e tradicionais o direito de serem consultados previamente de forma livre e informada sobre a instalação de grandes empreendimentos em seus territórios. Hoje o Brasil é signatário e deveria obrigatoriamente levar isso em conta.
Naquela época, todo o debate sobre direitos da natureza, mudanças climáticas, bens comuns, se encontrava muito incipiente. Hoje já se sabe dos impactos potenciais de seguir desenvolvendo esse modelo de extrair mais, produzir mais, consumir mais e jogar mais coisas no lixo. Está claro que vivemos em um mundo finito, onde não é possível seguir crescendo infinitamente.
Por fim, uma mudança fundamental e necessária em um período democrático é construção de vias de acesso para a cidadania influir no planejamento do setor. É óbvio que o debate sobre se o minério de ferro brasileiro vai acabar em 80 ou 600 anos é do interesse de todos. Sob o marco da nova Constituição Federal, chamada por muitos de Constituição Cidadã, devemos construir um código da mineração mais democrático do que o apresentado pelo marechal Humberto de Alencar Castello Branco.
IHU On-Line – Quais são as propostas do atual projeto de lei que propõe alterar o Código da Mineração?
Carlos Bittencourt – Há basicamente modificações significativas em três dimensões na proposta atual frente à antiga. Uma mudança processual, uma fiscal e uma organizativa.
A primeira diz respeito ao processo de concessão dos direitos minerários e significa uma melhora com relação ao Código atual. O mecanismo de prioridade, onde quem faz o requerimento minerário primeiro (mesmo pessoas físicas) fica com a licença para pesquisas e explorar os minérios, será substituído por um sistema de emissão de licenças similar ao modelo de concessões petrolíferas, onde o governo estabelece os blocos a concessionar e as empresas concorrem para conseguir a operação nessas áreas.
Outra mudança diz respeito à arrecadação da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais – CFEM, que poderá ter alíquota máxima de 4% e incidirá sobre a receita bruta das empresas. Atualmente a CFEM incide sobre a receita líquida. Infelizmente, aqui houve um recuo importante do governo frente às empresas, pois abaixou a alíquota máxima de 6% para 4% e retirou da proposta a taxação especial para minas de alta lucratividade.
O governo propõe a extinção do Departamento Nacional de Produção Mineral e a sua substituição por uma Agência Reguladora, que se responsabilizaria pela normatização e fiscalização do setor. Cria também o Conselho Nacional da Mineração, composto apenas por ministros indicados pelo presidente da República e dá mais poderes para o Serviço Geológico Nacional – CPRM na pesquisa e gestão das informações geológicas do Brasil.
Acredito que algumas dessas mudanças apontam em um sentido positivo, de um pouco mais de controle público sobre a operação privada do setor. Mas pensando a questão da mineração em seu conjunto e mesmo comparando com as normativas de outros países, vemos que essas medidas são bastante insuficientes.
IHU On-Line – Quais são suas principais críticas ao projeto de lei que propõe alterar o Código da Mineração?
Carlos Bittencourt – O Código trata a mineração apenas como um negócio. Nem sequer considera que está regulando um bem comum natural, finito e não renovável. Nesse sentido, penso que o Código da Mineração pode ter uma dimensão mais perversa do que o Código Florestal, pois se trata de ações irreversíveis. Em certa medida, em um governo menos dominado pelos ruralistas, poder-se-iam alterar os limites de proteção das florestas para uma área maior do que a anterior às mudanças propostas no Código Florestal e, com o passar do tempo, reflorestar essas áreas. Com a mineração não. Não há segunda safra na mineração. O que se avançar sobre as reservas de minérios do país, exportando-as, será um avanço irrecuperável.
Outra crítica tão importante quanto à primeira é que não há qualquer menção a pessoas ou comunidades na proposta: é um código desumano, por assim dizer. As pessoas não aparecem nem como trabalhadores de um dos setores econômicos que mais mata, mutila e enlouquece seus operários, nem como os afetados pela mineração nos territórios que têm suas roças inviabilizadas pela contaminação das águas ou pela apropriação do solo. Mais uma vez fica claro que é a regulação de um negócio e não de uma atividade com todas as suas implicações.
Um terceiro problema, que complementa e intensifica os anteriores, é a total privatização dos bens naturais. Após a privatização do Sistema Mineral Brasileiro na década de 1990, os recursos minerais apenas formalmente são bens da União, enquanto não estão sendo explorados. Quando se inicia a exploração mineral, quem decide como, quanto e em que ritmo os minérios devem ser extraídos são as empresas privadas, levando em conta apenas as dinâmicas do mercado. Em muitos casos são empresas estrangeiras que determinam o planejamento sobre a produção mineral como, por exemplo, na extração de ouro, na qual 80% da extração é feita por empresas de fora do país. Não há um controle público sobre a extração e isso dificulta que os benefícios advindos daí retornem para a sociedade brasileira.
IHU On-Line – Quais são as reivindicações do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração?
Carlos Bittencourt – A reivindicação número 1 é a retirada do regime de urgência. Se o governo mantém a proposta tramitando nesse regime, interpretaremos como uma falta de compromisso com o diálogo e o debate. A manutenção do regime de urgência inviabiliza a participação da cidadania e das comunidades afetadas na discussão.
Até aqui elaboramos sete pontos mínimos que, acreditamos, devem ser inseridos no debate. São eles: Democracia e transparência na formulação e aplicação da política mineral brasileira; direito de consulta, consentimento e veto das comunidades locais afetadas pelas atividades mineradoras; definição de taxas e ritmos de extração, de acordo com planejamento democrático; delimitação e respeito a áreas livres de mineração; controle dos danos ambientais e estabelecimento de Planos de Fechamento de Minas com contingenciamento de recursos; respeito e proteção aos Direitos dos Trabalhadores; garantia de que a Mineração em Terras Indígenas respeite a Convenção 169 da OIT e esteja subordinada à aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas.
Essas propostas vêm dos territórios afetados, dos movimentos sociais do campo e da cidade, de pensadores de nossas universidades e ONGs, que compõem o Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração. Diz respeito a questões muito concretas envolvendo a mineração no país. Em torno delas temos debatido e apresentado emendas ao projeto na Câmara Federal. É evidente que esses são temas que não podem ficar de fora e representam muitas entidades e movimentos sociais do Brasil.