Para a empresa privatizada pelo tucanato, o que vale é o minério a ser
extraído: dane-se a água, o ar, o solo e as sociedades locais.
Najar Tubino, Carta Maior
A empresa está entre as maiores mineradoras do mundo, é a número um na
extração de ferro, nas manufaturas chamadas pelotas e em níquel. Em 2014, teve
receita líquida de US$37,5 bilhões, pagou US$4,2 bilhões em dividendos,
contabilizou oito mortes por acidentes de trabalho e recebeu 3.096 reclamações
e demandas das comunidades, a maioria em Minas Gerais e Pará, embora atue em 30
países. No Relatório de Sustentabilidade 2014 da empresa também constam 44
casos de conflitos pelo uso da terra, com 33 ocupações “indevidas” e remoções
de 8.406 famílias em Moçambique e Malauí, para construção do Corredor de
Nacala, cujo objetivo é transportar carvão mineral da mina de Moatize para o
porto via ferroviária. Com 73 anos de operação, 18 deles como empresa privada,
negociada por US$3,4 bilhões em 1997, certamente a maior barbada que o mercado
mundial conheceu no século XX – uma das grandes obras do tucanato brasileiro –
criou uma ouvidoria há um ano.
É uma multinacional brasileira, e uma das quatro maiores mineradoras do mundo,
juntamente com a Rio Tinto, a BH Billiton e a Anglo American. Todas destroem o
ambiente onde atuam, provocando alterações no ar, no solo e na água,
extinguindo espécies animais, vegetais e vidas humanas. O que fazem atualmente,
nesta fase histórica do capitalismo esclerosado, são compensações pelo estrago.
A linguagem poética, lúdica e apaixonante destes relatórios de sustentabilidade
cheira a ovo podre, é uma mistura de hipocrisia com demagogia barata. O
relatório da Vale tem 119 páginas, bem ilustradas. Este ano também foi
divulgado o Relatório Insustentabilidade 2015, do Movimento dos Atingidos pela
Vale, com 32 páginas.
Hipocrisia – paixão pelas pessoas e pelo planeta
O texto é baseado nos dois, além de incluir informações do livro do
Centro de Tecnologia Mineral sobre Recursos Minerais e Comunidade.
“- Acreditamos que o relacionamento pautado pela ética e transparência
com as comunidades é fundamental para a sustentabilidade dos negócios.
Procuramos gerenciar e mitigar os riscos e os impactos sociais”, diz um trecho
do relatório da Vale, que traz a frase “para um mundo com novos valores”, como
eixo. A Vale pretende “ser a empresa de recursos naturais global número um em
criação de valor a longo prazo, com excelência, paixão pelas pessoas e pelo planeta”.
A área operacional da empresa no mundo é de 2,6 mil quilômetros
quadrados e para isso diz proteger 15 mil quilômetros quadrados, junto com
governos locais. O negócio da extração mineral, como qualquer outra atividade
do capitalismo esclerosado, é obter lucros aos seus acionistas. A Vale é
controlada pela Valepar, que por sua vez é controlada pelos fundos de pensão, a
maior fatia é da Previ, na empresa Lintel/Litela, outros 17,4% são da
Bradespar, empresa do Bradesco, 15% da Mitsui, multinacional dos EUA e 9,5% do
BNDES. Outros 39,1% estão pulverizados em ações do mercado financeiro
espalhados pelas bolsas do Brasil, Nova York, Hong Kong, Paris e Madri. O
Bradesco participou da comissão que analisou os ativos da Vale do Rio Doce, a
estatal, junto com a insuspeita Merril Lynch, que posteriormente quebrou em
2008 e foi incorporada pelo Bank of America.
Importante não é a água, mas o ferro
Correm muitas ações na justiça pedindo a anulação da privatização não
somente pela subavaliação das riquezas já conhecidas pela estatal – entre elas
a principal que é a Província Mineral de Carajás-, mas pela própria
participação do Bradesco, como avaliador e depois concorrente no leilão. Porém,
as ações no STF caíram nas mãos do ministro Gilmar Mendes, que é o relator. O
caso é que mineradora quer minério barato e precisa colocar no porto mais
próximo, também de maneira barata. Se, por acaso, o morro onde está o ferro,
fica na última reserva de transição da mata atlântica para o cerrado,
considerada como patrimônio da biosfera pela UNESCO, como é o caso da Serra do
Espinhaço, onde fica a Serra do Gandarela (MG), não tem importância alguma. O
fundamental não são as nascentes dos mananciais que inclusive abastecem Belo
Horizonte e a região metropolitana, mas sim o ferro que a China, a Índia, os
EUA, seja lá quem for, precisam para produzir aço.
O governo federal criou um parque para proteger a Serra do Gandarela,
mas com 31,2 mil ha, quando o próprio Instituto Chico Mendes recomendara 38 mil
hectares. Sete mil ficaram para a Vale operacionalizar seu projeto Apolo, vai
ocupar quase dois mil hectares. E na Floresta Nacional Tapirapé-Aquiri, área de
conservação na Amazônia, o Projeto Salobo, de extração de cobre – a maior mina
descoberta no Brasil- ocupa uma área de 190 mil hectares. Neste caso, a Vale
está associada a Anglo American, e no ano passado já extraiu 98 mil toneladas,
das 379,9 mil do total das minas. O preço do ferro caiu 47% em 2014, mas a
quantidade continua aumentando – 379,7 milhões de toneladas. A Vale também bateu
recorde na produção de ouro – 321 mil onças – e na exploração do níquel – 275
mil toneladas.
Especulação imobiliária tomou conta
A verdade é que as mineradoras não estão interessadas na vida de quem
está no caminho de suas explorações. A Estrada de Ferro Carajás, com 892 km, é
um exemplo disso, desde 1985, quando foi inaugurada. Ela corta 22 municípios,
19 deles no Maranhão e três no Pará. O corredor aberto pela ferrovia foi
totalmente desmatado, ocupado por grileiros, pecuaristas de ocasião e guseiros,
que montaram fornos de carvão terceirizados e suas siderúrgicas, para limpar o
ferro de Carajás, propriedade da Vale. A especulação imobiliária tomou conta da
região, os conflitos se acirraram, as populações se multiplicaram e a
compensação ambiental ou social atende uma ínfima parcela desse cenário
conturbado. A Vale também tem “interface” – faz parte da linguagem do
capitalismo esclerosado – com 34 comunidades tradicionais e 12 povos indígenas.
Trata-se de um número oficial. Mesmo assim com o “Método de Gestão Integrada”,
processo de diálogo social por meio de metodologias participativas, a ferrovia
foi interditada por protestos de índios e quilombolas.
Encrencas judiciais e administrativas
Também estão anotadas no Relatório de Sustentabilidade 2014 no tema
chamado “Conformidades Ambientais”, algumas encrencas judiciais ou
administrativas da Vale:
“- Auto de infração do Instituto Chico Mendes (ICMBIO) contra a Salobo
Metais S.A em consequência de um incêndio ocorrido na Floresta Nacional de
Carajás.
-Autuação do IBAMA por insumos utilizados na ampliação da Estrada de
Ferro Carajás que geraram impactos ambientais.
-Ação civil pública no Espírito Santo em razão da poluição do Complexo
de Tubarão, afetou os moradores da Baía de Camburi – são oito usinas de pelotização
no Complexo de Tubarão.
-Em Omã, em função da poluição de particulados – usina de pelotização –
aberto um processo contra a empresa.
-Pescadores de Ubu e Parati – Espírito Santo – aguardam decisão judicial
sobre indenização causada por poluição, que causou danos à pesca.
– Em Itabira (MG), onde algumas minas já encerraram atividade, duas
ações de indenização por danos sociais e ambientais.
– Quatro ações contra o licenciamento da mina Capão Xavier.
– No Maranhão, processo em fase inicial, cobra indenização pela
interferência na atividade pesqueira.
– Ação de anulação do licenciamento do Ministério Público Federal da
expansão da ferrovia de Carajás.”
A Vale pagou uma das multas do IBAMA de US$6,47 milhões.
Custos de operação transformados em preservação
A empresa divulga e faz marketing dos gastos em preservação ambiental e
ações sociais totalizando US$1,1 bilhão. Os dados são discriminados no
relatório, para quem encara a leitura. Do total citado, US$864,8 milhões foram
destinados à proteção e conservação, sendo 37% voluntários e 63% referentes a
requisitos legais – ou seja, cumpriram a legislação da área. Dos US$270,4
milhões para projetos sociais 58% foram voluntários e 42% obrigatórios,
certamente compensações pelos impactos. Vamos detalhar ainda mais: dos
dispêndios ambientais US$314,8 milhões foram para construção de barragens de
rejeitos, diques e pilhas de estéril, justamente o estrago causado pela
extração mineral e que fazem parte dos custos da empresa. Outros US$87 milhões
para tratamento de resíduos. Isso engloba quase a metade dos dispêndios
ambientais, na verdade deveriam ser enquadrados como custos de operação. No
caso dos dispêndios sociais, o maior volume de verba está no item
Desenvolvimento Humano e Econômico – de acordo com o PNUD, da ONU, “situa as
pessoas no centro do desenvolvimento, trata da promoção do potencial das
pessoas…do desfrute da liberdade de viver que valorizam” e recebeu US$102,6
milhões. O segundo maior item a receber verba foi “gestão de impacto” com
US$62,4 milhões.
Cabe registrar um tópico do relatório de sustentabilidade 2014 da Vale –
“potenciais impactos biofísicos”. São 28 tipos de estragos que a mineração
causa no ambiente onde atua, desde desmatamento, perda de solo, contaminação e
redução da disponibilidade hídrica, perda de hábitat de espécies redução de
biomassa, alteração na vida das comunidades, entre outros. Para finalizar: dos
206,4 mil empregados da Vale, a maioria no Brasil, 129,9 mil são terceirizados
e 76,5 mil são próprios, e nos últimos três anos, quase 10 mil postos fecharam
– em 2012 eram 85,3 mil funcionários
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