A Vale nos lembra diariamente o quanto ela é uma empresa descobridora. Ela descobre que a mineração é uma atividade de extrema importância para o desenvolvimento de qualquer sociedade moderna, pois fora desses moldes, dessa configuração societária apenas existiria o tradicionalismo, um estágio evolutivo anterior, e por isso inferior, à modernidade. A Vale, enquanto agente do tecnoglobalismo faz valer o seu caráter globocêntrico que, contraditoriamente tende a suprimir a dimensão local, ou quando não, incorporar esta dimensão local apenas como mais um vetor de sua globalidade econômica. Ao fazer isso ela promove um verdadeiro processo de decomposição, desintegração e desagregação das relações sociais comunitárias, posto que as reinsere (reinseriu ou vai reinserir) numa nova configuração societária. É isso que chamo de intemperismo social.
Ao decompor as relações sociais de diversas comunidades nas quais se aloja (e desaloja), a Vale fragmentou a reprodução das relações comunitárias. Fazendo isso, pode ler nos interstícios a sociabilidade desenvolvida entre os moradores e promover o seu processo de retirada do envolvimento, da autonomia que a comunidade tinha para consigo, para com as outras comunidades e para com o seu espaço comunitário e intercomunitário. Assim aconteceu, por exemplo, com o Alto da Esperança, antigo Morro Pelado, loteamento “construído” pela então Companhia Vale do Rio Doce para absorver as pessoas removidas na década de 1970, para as obras referentes à Estrada de Ferro Carajás (EFC) e o Terminal Marítimo Ponta da Madeira.
Ao desintegrar, a Vale retirou a integridade que as comunidades tinham para esquartejar suas relações socioespaciais, uma vez que pensa o espaço enquanto sociabilidade meramente crematística. Para a Vale, não só tempo é dinheiro, mas espaço também é dinheiro. A situação mais recente que exemplifica tal argumentação diz respeito à duplicação da Estrada de Ferro Carajás, em pleno andamento. No município de Itapecuru-Mirim, Estado do Maranhão, as comunidades de Santa Rosa dos Pretos e de Monge Belo, ambas reconhecidamente, remanescentes de quilombos, terão suas áreas recortadas caso as pretensões de duplicação da EFC logrem êxito. Dessa forma, o espaço aliena-se daqueles povos fazendo-os sentirem-se estranhos a si mesmo, aos outros, ao espaço intercomunitario e as relações de produção sentimental e material envolvidas com sua morada e prisão.
Finalmente, a Vale desagrega. Torna o espaço disjuntivo, por conseguinte relações sociais disjuntivas, desconexas. Consequentemente produz relações sociais sem conexões, a não ser que as conexões existentes sejam efetuadas na nova configuração societária. Tal sociabilidade desconexa com aquilo que era, antes da chegada do novo, tende a ser agregada a novos valores, mas não no sentido daquilo que empresta sentido a vida, mas a valores crematísticos. Um bom exemplo é a questão do conflito entre a Vale e os pescadores relativo às obras do Píer IV do Terminal Portuário Ponta da Madeira. Na medida em que os agentes envolvidos possuem diferentes cosmologias estas se chocam neste encontro de trajetórias e de histórias. A forma como ambos imaginam o espaço está posta: a Vale enxerga na implantação do Píer IV mais uma operação comercial e mercantil que lhe trará cada vez mais lucros; na outra ponta, os pescadores são agora segmentados em valores monetários: sua existência e sua vida estão dispostas em cifras.
Por José Arnaldo
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