Impera hoje no Zeitgeist dos movimentos sociais e na Academia (particularmente nas
Ciências Humanas: Sociologia, Antropologia, Geografia, etc.) um pensamento que, de maneira pretensiosa, advoga uma “igualdade” (metafísica,
diga-se de passagem) entre a ciência (o saber científico) e outras formas de saberes (como
saberes indígenas e camponeses).
Expoente
máximo desse pensamento que advoga o “igualitarismo sapiencial” é o
sociólogo pós-moderno Boaventura de Souza Santos.
Em Introdução
a uma ciência pós-moderna, Boaventura escreve: “As lutas de verdade são
travadas como discurso argumentativo e a verdade é o efeito de convencimento
dos vários discursos de verdade em presença e em conflito”.
Em
poucas palavras, o que se compreende no discurso do sociólogo em tela é que ele
julga, tal como seus acólitos seguidores (caso do geógrafo Carlos Walter
Porto-Gonçalves) que o pensamento ocidental, que separa aquilo que é científico e racional daquilo que não
é, leva a umainjustiça cognitiva, uma vez
que conhecimentos alternativos (teologia, filosofia, saberes camponeses,
indígenas) são qualificados pelo pensamento moderno ocidental como inferiores, posto que a episteme eurocêntrica (ciência) seria superior.
Ora,
mas perguntam-me: “Arnaldo, mas Boaventura não está correto em sua afirmação? A
culpa das mazelas sociais do mundo (tráfico, colonizações, misérias, favelas,
privatizações, violência, desigualdade, criminalizações, pobreza, cegueira
social, fundamentalismos) não decorre justamente de uma arrogância dos cientistas que são
brancos, europeus, ocidentais, sexistas e machistas?”.
“Em
verdade, em verdade vos digo”: Boaventura de Souza Santos está completamente equivocado.
Se
repararmos bem, na citação que extraí do seu livro supracitado, compreenderemos
que o sociólogo pós-moderno relativiza a verdade
científica, ou até mesmo a verdade em
si. Resumindo: a verdade está presente em todo conhecimento (filosofia,
teologia, saberes indígenas, camponeses), mas, simultaneamente, ela não está em
lugar algum posto que é relativa e depende de cada circunstância e método. A verdade torna-se meramente discursiva.
Ainda
em Introdução
à uma ciência pós-moderna, o maior
absurdo é o que este sociólogo escrevera acerca da objetividade: “é a
propriedade do conhecimento científico que obtém o consenso no auditório
relevante dos cientistas”.
Dessa
forma, a pretensa
objetividade científica, sua pretensa superioridade sapiencial se
esvaiu porque ela só é relevante para os cientistas (óbvio! para quem mais
seria não é Boaventura?).
Ironias
a parte, o conceito de objetividade que o sociólogo em tela nos apresenta é paupérrimo. Paupérrimo porque carece de determinações e mediações
que nos são ofertadas pela própria realidade objetiva. E aqui está o limite de
Boaventura: o primado da ontologia
cede espaço ao da epistemologia. Traduzindo: a verdadeira ontologia do
ser social é aquela
que captura a realidade
objetiva, a partir de mediações,categorias, determinações da Economia Política, independentemente das nossas representações. Quando a realidade social fica subordinada a um
pensamento que é, por sua natureza, incapaz
de dar conta da totalidade social, a
objetividade é questionada (como faz o sociólogo e toda a “sagrada família”
pós-moderna que vai de Lyotard à Bruno Latour) em detrimento de construções
cognitivas (a
realidade é aquilo que cada umpensa
dela!), representações, vontades e todo esse leque de filosofias, que se estendem de
Schopenhauer à G.Vattimo, passando por Nietzsche, Heidegger, Foucault,
Derrida, Deleuze, Guattari, Arturo Escobar, Paul Virilio, Wolfgang Sachs, cuja
função-mor destes ilustres pensadores é escotomizar a realidade
objetiva das massas camponesas e operárias.
Quando
se culpa a ciência pelas mazelas sociais
mundanas, quando se diz que a ciência é “ocidental, sexista, machista”, todo e qualquer
pensador que adere a essa corrente faz anuviar o real culpado: o modo
capitalista de produção. Quando se culpa
a ciência, o que fica obnubilado é justamente a dominação da
ordem burguesa (Cf. José Paulo Netto). Basta pensarmos se o conflito
entre a Suzano e camponeses no leste maranhense é verdadeiramente uma luta de
classes ou uma
“disputa cognitiva”.
Mas
nem tudo são trevas meus amigos. As Luzes estão vivas em alguns
ainda. Os pífios questionadores da ciência ou da “arrogância dos cientistas”
poderiam muito bem ter outra visão desse instrumento de emancipação se
compreendessem seu real significado como parte daquilo que o saudoso mestre húngaro chamou de intentio
recta: “na intentio
recta, tanto
da vida cotidiana como da ciência e da filosofia, possa acontecer que o
desenvolvimento social crie situações e direções que torcem e desviam esta intentio
recta da
compreensão do ser real”. Compreende-se que a intentio recta é um impulso ao
conhecimento do real (Cf. Sérgio Lessa). Assim, a ciência é um complexo
social e um
conhecimento que tem como função desvendar o real. Para tanto, é preciso que a própria realidade
tenda ao pensamento para que ela mesma (a realidade) seja conscientemente transformada.
O
retorno à György Lukács é a saída para a tarefa de mudar o mundo, mais do
que interpretá-lo, tal como nos foi legado pelo velho barbudo. Só com Lukács e através dele é que sairemos das
disputas epistemológicas e adentraremos ao mundo da ontologia, uma verdadeira ontologia, a ontologia do ser social: o marxismo, a insuperável ontologia do nosso zeitgeist pós-moderno.
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