Por Mikaell Carvalho, Justiça nos
Trilhos
Na tarde da segunda-feira (14), o agricultor José
Raimundo Filho, de 75 anos, foi atropelado por um dos trens de carga da
mineradora Vale S.A. O acidente ocorreu num ponto da Estrada de Ferro Carajás
(EFC), próximo ao bairro de Piquiá de Baixo, no município de Açailândia (MA).
José, também conhecido como “Zeca Pau”, estava
voltando de bicicleta da sua roça, com um saco de feijão colhido naquele dia,
quando foi atingido pelo trem. Esse era o trajeto feito diariamente pelo
agricultor, que sempre teve que passar por cima da linha férrea para chegar as
suas plantações, por falta de uma passagem segura que lhe permitisse fazer o
trajeto com a segurança necessária.
Os trens de carga da mineradora Vale que percorrem
a EFC são os maiores do mundo, com 330 vagões que percorrem os quase 900
quilômetros da ferrovia, atravessando 27 municípios no Pará e Maranhão e mais
de 100 comunidades. A falta ou precariedade de vias seguras para o
atravessamento da população obriga moradores a fazerem a travessia por cima da
linha férrea em locais perigosos.
Desde a saída das minas em Carajás, no estado do
Pará até a chegada ao porto da Ponta da Madeira, no litoral do Maranhão, o trem
traz consigo, além do minério de ferro, o barulho, a poeira, as trepidações, as
rachaduras nas casas e em muitos casos nega o direito de ir vir das pessoas que
residem nas comunidades próximas a EFC.
O ponto onde o agricultor foi encontrado fica logo
após uma curva, onde não se pode ver o trem se aproximando. Moradores locais
relataram que é de costume ouvir a buzina do trem, que deveria anunciar a sua
passagem, sendo acionada depois que é feita a curva, impossibilitando a
prevenção de acidentes.
Segundo dados da Agência Nacional de Transportes
Terrestres (ANTT), de 2004 a 2016 foram registrados oficialmente 124 acidentes
na EFC dentre abalroamentos, atropelamentos e colisões. Esses acidentes
ocasionaram a morte de 26 pessoas e deixaram 70 feridos. A maioria dos casos
foram de atropelamentos (73) e 45 desses acidentes ocorreram em passagens de
nível (quando a passagem se dá pela mesma via onde o trem passa), com 21
feridos e 8 óbitos. Esses dados são baseados em relatórios fornecidos pela
própria empresa Vale.
A ANTT não leva em consideração os relatos das
comunidades referentes a atropelamentos de pessoas e animais o que pode
significar um subdimensionamento destes números. Também, em muitos destes
casos, não é instaurado um Inquérito Policial para apurar a responsabilidade
criminal pelos fatos restando às famílias das vítimas acionar a via judicial
para garantir, ao menos, a responsabilização civil da empresa Vale S.A, que
opera a EFC.
Outros casos
O caso do agricultor Zeca Pau se soma a outros que
já ocorreram este ano e que têm sido motivo constante de reclamações, denúncias
e manifestações das comunidades ao longo da EFC. Recentemente, cinco
comunidades da zona rural de Arari (MA) interditaram por 9h a Estrada de Ferro
Carajás em protesto contra a falta de travessias seguras. No mesmo local onde
ocorreu o protesto já havia acontecido um atropelamento em 28 de janeiro.
Em 13 de março, duas pessoas se feriram quando
tentavam atravessar a ferrovia Carajás, no município de Alto Alegre do Pindaré
(MA). Um trem da empresa Vale encontrava-se estacionado nas proximidades,
quando uma mulher que carregava seu filho bebê atravessava a via por debaixo do
trem, que nesse momento deu partida, sem qualquer aviso prévio, atingindo os
dois. No acidente ocorrido entre as Vilas Fufuca e Davi, a mãe perdeu dois
dedos e a criança teve um dos braços amputado.
A Estrada de Ferro Carajás corta 24 municípios
maranhenses e causa inúmeros transtornos à população que reside ao longo da
via-férrea. Segundo um levantamento feito pela rede Justiça nos Trilhos junto
às comunidades ao longo da EFC, houve uma média de oito atropelamentos por ano,
entre 2006 e 2013. O ano de 2007 registrou o maior número de casos, no total, 23
pessoas morreram atropeladas por trens operados pela Vale, no corredor de
Carajás.
Ano passado, a empresa Vale foi condenada a
pagar indenização por danos morais à família de um homem morto em 2009 num
acidente envolvendo um dos trens da empresa, no Povoado de Olho D’água dos
Carneiros, em Santa Inês.
A rede Justiça nos Trilhos (JnT) atualmente
acompanha e assessora juridicamente vítimas e familiares de vítimas de
atropelamentos e abalroamentos na EFC, em cinco casos que apontam para a
omissão da empresa em realizar medidas de segurança aptas a garantir o
atravessamento seguro das pessoas que residem próximo a linha férrea. Os casos
se referem a quatro municípios distintos, mas com a mesma problemática e o
objetivo é buscar a reparação dos danos materiais e morais causados pela
empresa em virtude de suas operações e a sua devida responsabilização. Há ainda
desde 2015, uma Ação Civil Pública, proposta pela JnT e o Ministério Público
Federal, contra Vale e a ANTT que tem como objetivo obrigar a empresa a tomar
todas as medidas de prevenção em todo o estado do Maranhão
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