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São Luís, Maranhão, Brazil
Homem simples e comum: procuro ser gentil com as pessoas, amigo dos meus amigos e bondoso com a minha família. Sou apaixonado por filmes, internet, livros, futebol e música. Estou tentando sempre equilibrar corpo e mente, manter-me informado das notícias a nível mundial, ministrar aulas de geografia em paralelo às pesquisas acadêmicas que desenvolvo e, no meio de tudo isso, tento achar tempo para o lazer e o namoro. Profissionalmente,sou geógrafo e professor de Geografia no Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Instituto Federal do Maranhão (IFMA ­ Campus Avançado Porto Franco) e Doutorando em Geografia Humana na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Membro do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA) e do Núcleo de Estudos do Pensamento Socialista Pesquisa do Sindicalismo (NEPS), ambos da UFMA. Participo da Rede Justiça nos Trilhos.

segunda-feira, 16 de julho de 2018

Primeiro foi a heroína, agora a pornografia





Primeiro foi a heroína, agora Pornô. Se em Trainspotting Irvine Welsh operou com os psicoativos a trama de seu instigante romance, a crítica da sociedade burguesa toma a forma agora de crítica da pornografia.
Estão de volta Francis “Franco” Begbie, Daniel “Spud” Murphy, Mark Renton e Sick Boy – mais conhecido agora como Simon David Williamson, sem dúvida o principal personagem desse romance. Begbie continua o mesmo psicopata inveterado em sua missão de matar Mark Renton – proprietário de um clube em Amsterdã; Spud continua scruffy (esfarrapado); e é de Simon Williamson a ideia de fazer um filme pornô intitulado “Sete ninfas para sente irmãos”. Ah! E temos agora a companhia de Nikki, uma estudante luxuriosa...
Mas o que haveria ocorrido para que houvesse a substituição dos psicoativos pela pornografia? Spud diz que “ficar sem drogas, pra mim, significa ficar sem autoconfiança” (p.174). Renton aponta:

As drogas eram a opção mais fácil. E logo começaram a cobrar seu preço, a corroer os sonhos que antes cultivavam, alimentavam e fortificavam, fazendo desmoronar a vida à qual nos tinham permitido o acesso. E tudo começou a ficar parecido demais com um trabalho pesado qualquer, e trabalho pesado era algo que nós dois [Sick Boy e Renton] fazíamos de tudo para evitar (p.428).

Sick Boy, por sua vez:

Cocaína me entendia, entendia todos nós. Somos um bando de viados com o saco cheio, envolvidos com uma rotina que odiamos, em uma cidade que odiamos, fingindo estar no centro do universo, nos detonando com drogas de quinta categoria pra destruir essa sensação de que a vida real está acontecendo em outro lugar, conscientes de que tamos apenas alimentando a paranoia e o desencanto, mas ainda assim apáticos demais pra conseguirmos parar (p.15).

Vocalizando Spud, Renton e Sick Boy, Welsh captura uma determinação da bürgerliche Gesellschaft: o tédio. Causado pela repetição monótona, pela rotina odienta na qual o estímulo criador é destruído cotidianamente em cidades misantropas – espaços urbanos anti-antropocêntricos, diríamos – é de tal magnitude que nem mesmo o estimulante-anestésico famoso é capaz de contrarrestar. A “vida real” acontece em “outro lugar”, em outros espaços que não sejam aqueles em que “uma viagem de trem, que antes levava quatro horas e meia, agora leva sete” (p.60). E Simon prossegue em sua crítica ao progresso e modernização burgueses: “E a porra do preço sobe em relação direta com o aumento da duração da viagem” (idem). Se substituirmos os trens pelos automóveis, parecerá que Sick Boy está falando de Los Angeles, ou até mesmo São Paulo! De qualquer forma, esses momentos inelimináveis dos espaços urbanos anti-antropocêntricos, como ousei conceituar, fazem parte desse movimento mais amplo da vida burguesa: uma “longa tentativa-de-suicídio-em-prestações” (p.109).
A crítica ao individualismo burguês também não escapa à pena do escritor escocês. Dando voz à Sick Boy:

Renton. Quem é ele? O que ele é? É um traidor, um delator, um viado, um aproveitador, um egoísta interesseiro, ele é tudo que um indivíduo da classe trabalhadora precisa ser para se dar bem na nova ordem capitalista global. [...] Invejo pra caralho esse canalha porque ele realmente não dá a mínima pra ninguém a não ser ele mesmo (p.204)

Quem leu Trainspotting, ou ainda assistiu ao filme homônimo de Danny Boyle, sabe que Mark roubou 16 mil libras de seus comparsas. Por isso a acusação de traidor impetrada por Simon. Welsh também deseja criticar isso: Renton é o espírito burguês em pessoa, o “egoísta interesseiro” que “não dá a mínima pra ninguém a não ser ele mesmo”. Welsh apreendeu uma determinação que Hobbes, anteriormente, havia apreendido: na sociedade burguesa “o homem é o lobo do próprio homem”. Aos olhos de Sick Boy, mas também de Begbie, Renton é mesquinho e egoísta – duas característica do ser burguês, mas não do ser humano.
Em uma passagem inolvidável, pela voz de Simon, Welsh escreve:

As pessoas querem sexo, violência, comida, animais de estimação, lazer utilitário e humilhação. Vamos dar tudo que pedem. Pensa na humilhação em programas de televisão, nos jornais e revistas, olha o sistema de classes, o ciúme, a amargura que transborda em nossa cultura: na Grã-Bretanha, queremos ver as pessoas se fuderem (p.215).

Olhando por esse prisma, a pornografia faz todo sentido existencial numa sociedade vilipendiada pela luta de classes, na qual amor é propriedade e não relação. Sexo (pornografia), violência e humilhação se imiscuem na sociedade que impera o modo burguês de produção. Eros é fetichizado, o ser humano humilhado e violentado – numa palavra, fudido.
Mesmo a questão das expectativas sociais foram traduzidas com perfeição. Em uma conversa com Curtis – um dos “irmãos” para as sete ninfas – Sick Boy questiona-o: “quem é que vai ter casa bacana, o emprego, a empresa, o dinheiro, o carro e quem é que vai tá preso numa favela dependendo do seguro-desemprego?” (p.394). Simon pergunta a Curtis por que essa desigualdade e este responde “– Porque eles tiveram a educação e tal?”. Simon concorda, mas sabe que a resposta integral é a dele:

– Expectativa. Eles vão ter essas coisas porque esperam ter ela. Como podiam esperar qualquer outra coisa? Pessoas como eu e você não esperam coisas desse tipo. Sabemos que precisamos penar pra caralho pra conseguir isso. Agora, pra mim, um homem hipereducado porém subqualificado, não faz muito sentido entrar numa vida desse tipo (p.395).

Welsh sabe que as expectativas são condicionadas pela sociedade e sua relação contraditória com o indivíduo. Ou seja, as probabilidades de ocorrer algo – como no caso de Simon e Curtis – são sócio-individuais. O futuro que se vislumbra na sociedade burguesa, e atinge mesmo indivíduos não-burgueses, não remete a um progresso. Melhor dizendo – para não eliminar a contradição – esse progresso futuro está sendo dinamizado por contrafações. Daí os fingimentos sociais, a inautenticidade do indivíduo, a fraude erótica, a fetichização do amor – da relação à propriedade. “O conteúdo costumava ser o que importava [...]. Agora tudo é farsa” (p.438), sentencia a luxuriosa Nikki. Ou ainda Daniel Murphy: “Cigarros, álcool, heroína, cocaína, anfetamina, pobreza e lavagem cerebral midiática: as armas de destruição do capitalismo são mais sutis e eficazes que as do nazismo, e diante delas Spud é impotente” (p.449).
Também os psicoativos, perceberá Renton, foram aprisionados pelo capitalismo: “É ingênuo esperar que as drogas fiquem imunes às leis do capitalismo consumista moderno. Principalmente por serem elas os produtos que o definem melhor” (p.477). O “capitalismo consumista moderno” será, ainda, objeto de crítica de Sick Boy:

MAS QUE MONTE DE MERDA, PORRA! Não precisamos de peitos e bundas porque eles precisam estar à nossa disposição; pra serem apalpados, penetrados, pra inspirarem nossas punhetas. Por que somos homens? Não. Porque somos consumidores. Porque gostamos dessas coisas, coisas que achamos ou que formos induzidos a acreditar que nos trarão mérito, liberação, satisfação. Damos valor a elas, portanto necessitamos pelo menos da ilusão de sua disponibilidade. Porque peito e bunda são como Coca-Cola, cereais matinais, lanchas, carros, casas, computadores, grifes, camisetas estampadas. É por isso que a publicidade e a pornografia são similares; elas vendem a ilusão da disponibilidade e o consumo sem consequências (p.524-525).

Consumidores, cidadãos não. A publicidade induz a acreditar que tendo carros, máquinas de lavar, hipotecas a juros fixos, dentre outras coisas, nos tornaremos livres e satisfeitos. Contudo, a sociedade burguesa drena essas satisfações e liberações parciais/relativas. Somos embalados no sonho da mercadoria mais próxima, disponível e passível de ser consumida.
Pornô(grafia) é sobre tudo isso...



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