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Para
o geógrafo britânico David Harvey, que escreve sobre urbanização a partir do
marxismo, os problemas das cidades criam novas formas de fazer política / O
geógrafo esteve no Brasil para lançar livro publicado nos Estados Unidos em
1982
Os
problemas urbanos criam um espaço onde novas formas de fazer política podem
acontecer. Para o geógrafo britânico David Harvey, 78 anos, é possível
constatar isso ao olhar os protestos que ocorreram ao redor do mundo nos
últimos anos. “Não vejo as instituições políticas respondendo ativamente a este
novo jeito de fazer política. Mas também não acho que esses movimentos
saibam o que fazer”, diz Harvey.
Professor
da Universidade da Cidade de Nova York, Harvey falou com a reportagem de
CartaCapital em São Paulo, antes de lançar o livro Os limites do
capital (Editora Boitempo), publicado originalmente em 1982 e agora
traduzido para o português. No livro, Harvey aborda a dinâmica da urbanização a
partir de uma interpretação minuciosa do legado do filósofo alemão Karl Marx.
Harvey
é um dos principais estudiosos de Marx na atualidade. Suas aulas sobre o
primeiro volume d’O capital de Marx, disponíveis na internet, foram
vistas mais de um milhão de vezes. Para o geógrafo, a onda de neoliberalismo
iniciada nos anos 1980 faz com que a obra do alemão esteja mais atual do que
nunca. Leia abaixo a entrevista, feita nesta semana em São Paulo:
Na
nova introdução de Os limites do capital, o senhor escreve que o
livro é mais relevante hoje do que ao ser lançado, há trinta anos. Por quê?
Porque
a ascensão do neoliberalismo nos trouxe de volta ao tipo de mundo que Marx
descreveu. Marx, e seu livro O capital, consideravam um mercado
funcionando perfeitamente, como [o economista liberal] Adam Smith havia
sugerido. Em 1970, nós não tínhamos mercados que funcionassem perfeitamente.
Havia muita intervenção estatal, medidas de redistribuição de renda e um
sistema forte de impostos, e a Europa tinha o estado de bem-estar social.
Quando chegamos aos anos 1990, o que estava acontecendo era familiar e tinha um
paralelo com O capital de Marx.
O
interesse na obra de Marx tem crescido junto com sua relevância?
Sim.
Desde 2008, todo mundo percebeu que o capitalismo não é um sistema perfeito, e
que não é a prova de crises. Marx é o principal teórico que explica como e onde
a crise irrompeu, por isso há tanto interesse nele.
O
senhor se refere ao “direito à cidade” como o poder coletivo das pessoas nos
processos de urbanização, conforme definido pelo sociólogo francês Henri
Lefebvre na década de 1960. Como a ideia de direito à cidade tem sido
usada hoje em dia?
Acho
que o direito à cidade é um conceito genérico, e todo mundo tenta
reivindicá-lo. Agentes imobiliários, financeiros e pessoas ricas têm feito
isso. A questão é: quem consegue preencher esse conceito com seu significado
particular? Para o direito à cidade ser parte de um movimento social efetivo,
as populações marginalizadas e oprimidas têm de tratar desse tema como elas
próprias o visualizam, para assim tomar controle do processo de urbanização.
Em
muitas partes do mundo o movimento dos trabalhadores tem se enfraquecido, e as
revoltas urbanas emergiram como uma das arenas de luta anticapitalista. As
pessoas estão buscando um jeito de olhar para essas lutas, e a ideia do direito
à cidade agora é mais aceita como parte do que a esquerda deve fazer.
Os
protestos no Brasil começaram com o aumento na tarifa de ônibus em São Paulo. O
senhor vê paralelo com o começo de outras revoltas ao redor do mundo?
Há
um grande descontentamento pelo mundo. O capital está indo bem, mas as pessoas
estão indo mal. E essa diferença é vista de forma mais clara na qualidade da
vida urbana. As pessoas estão vendo recursos enormes gastos em obras e projetos
espetaculares, mas que não são gastos para melhorar a vida da maioria da população.
Por
isso, há uma raiva dissipada que é alavancada por um motivo particular. Aqui,
foi a questão das tarifas. Em Istambul, o governo queria colocar um shopping no
lugar de um parque tradicional. Nestes e outros casos, é uma insatisfação com a
qualidade de vida urbana. E a insatisfação com a vida urbana é construída pelo
capitalismo.
Os
protestos de junho no Brasil foram iniciados pelo Movimento Passe Livre, um
movimento horizontal e sem líderes. Por que esse tipo de organização tem tido
mais predominância nas revoltas dentro da cidade, em vez de partidos de
esquerda e sindicatos?
Os
problemas urbanos criam um espaço onde novas formas de fazer políticas podem
acontecer, como foi no caso das passagens de ônibus aqui no Brasil. Todas as
organizações que tenho visto buscando a mudança na qualidade de vida urbana não
usam as mesmas estratégias dos sindicatos e partidos políticos de esquerda,
porque os problemas de organizar uma cidade são muito diferentes dos problemas
de organizar um sindicato em uma fábrica. Então há uma forma nova de fazer
política que está emergindo. E a esquerda convencional tem quer lidar com essas
novas formas.
O
que faz esses grupos terem apoio do resto da população e gerarem revoltas
urbanas?
O
que transforma o ativismo desses grupos em algo maior é a resposta policial, é
o poder público usando a violência para responder a manifestações legítimas. E
aí, claro, as pessoas vão às ruas contra a violência policial e movimento ganha
uma nova escala. Isso aconteceu na Turquia e no Brasil.
Há
ainda uma tendência de militarizar a vida urbana cotidiana. E isso não acontece
somente em manifestações, mas no dia a dia. Em Nova York, por exemplo, a
polícia pode parar qualquer negro na rua e revistá-lo. Isso cria um grande
ressentimento com as chamadas autoridades. Começam conversas sobre quem
controla a cidade e porque estão a controlando desta forma. Isso se transforma
numa questão geral, que passa pela classe média e às vezes até pessoas ricas se
envolvem, porque nem eles querem viver numa sociedade tão autoritária.
No
Chile, líderes de revoltas por uma educação pública foram eleitos para o
Parlamento. Outros países não tiveram essa migração das ruas para os gabinetes.
Como você vê a relação entre esses movimentos e a política institucional?
Não
vejo as instituições políticas respondendo ativamente a este novo jeito de
fazer política. Mas também não acho que esses movimentos saibam o que fazer. A
resposta à eleição de pessoas como Camila Vallejo, por parte de alguns
estudantes do Chile, foi dizer que os eleitos não seriam capazes de fazer nada
no parlamento, e a mudança de verdade teria de vir das ruas.
Mas
acho que sair totalmente do Parlamento não seria bom. Há certo cinismo na
esquerda. Além disso, há também uma concepção ideológica de anarquistas e
autonomistas de que se candidatar a uma vaga seria uma traição do seu modo de
fazer política. Acho isso uma pena, porque nós precisamos de todas as
possibilidades de ativismo agora.
Mas,
com as atuais limitações dos sistemas políticos, para que serviria a ação
dentro da institucionalidade?
Acho
importante que a ação direta seja sempre acompanhada por gente próxima às
entranhas do poder estatal. Assim, por exemplo, seria possível mitigar o uso
arbitrário de força estatal contra esses movimentos. Ou, ainda mais
positivamente, o Estado possa ser reorientado para tomar ações efetivas contra
a acumulação de capital por meio da urbanização.
O
senhor tem falado, nos últimos anos, da necessidade de unificar a esquerda e o
ativismo descentralizado que têm surgido ao redor do mundo. O Senhor tem visto
esse movimento acontecer? Como isso poderia ser feito?
Lamento
o fato de que a esquerda está ficando mais fragmentada do que unificada, porque
há problemas que necessitam de ações globais, como o aquecimento global e
outras arenas onde a política está sendo trabalhada mundialmente.
Atualmente
há uma grande receptividade a novas ideias, mas nós não temos uma boa forma
organizacional para formar uma estratégia compreensiva e global. Acho que isso
é algo que precisaríamos, mas como fazemos isso? Se eu tivesse a resposta, não
estaria aqui falando contigo
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