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São Luís, Maranhão, Brazil
Homem simples e comum: procuro ser gentil com as pessoas, amigo dos meus amigos e bondoso com a minha família. Sou apaixonado por filmes, internet, livros, futebol e música. Estou tentando sempre equilibrar corpo e mente, manter-me informado das notícias a nível mundial, ministrar aulas de geografia em paralelo às pesquisas acadêmicas que desenvolvo e, no meio de tudo isso, tento achar tempo para o lazer e o namoro. Profissionalmente,sou geógrafo e professor de Geografia no Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Instituto Federal do Maranhão (IFMA ­ Campus Avançado Porto Franco) e Doutorando em Geografia Humana na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Membro do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA) e do Núcleo de Estudos do Pensamento Socialista Pesquisa do Sindicalismo (NEPS), ambos da UFMA. Participo da Rede Justiça nos Trilhos.

sábado, 3 de fevereiro de 2018

Trainspotting: a negação prática da vida burguesa


A leitura de Trainspotting, romance do escritor escocês Irvine Welsh, me conduziu a refletir sobre o tema da negação prática da vida burguesa que é – em minha análise – o aspecto central da trama que tem como fio condutor a experiência com a heroína.
O psicoativo adentra a vida de Mark Renton, Sick Boy, Spud e Begbie como um “elixir que tira a vida pra depois devolver”. Mas o que haveria ocorrido para que estes jovens escoceses encontrassem na heroína “o seu melhor orgasmo”?
A resposta é uma crítica à segurança que a vida burguesa oferece. Em determinada passagem Renton profere:

O meu problema é que sempre que sinto a possibilidade, ou percebo o momento, de alcançar alguma coisa que eu achava que queria, seja uma namorada, um apartamento, um emprego, uma educação, dinheiro e por aí vai, ela simplesmente parece tão aborrecida e estéril que não consigo mais dar valor a ela (p.98).

Dinheiro, educação de qualidade, emprego fixo, moradia adequada, relacionamento duradouro: todos estes itens fazem parte do rol de caracteres que determinadas pessoas consideram componentes apropriados à sociabilidade burguesa cotidiana. São elementos que ao mesmo tempo ofertam-nos segurança diante do mundo burguês e fazem nos resignar diante deste mesmo mundo. Em uma passagem memorável expressa-se Renton:

A sociedade inventa uma intrincada lógica falsa pra absorver e mudar as pessoas que têm um comportamento fora do normal. Suponhamos que eu conheça todos os prós e contras, que saiba que terei uma vida curta, que tenha uma cabeça no lugar etc. etc., mas que ainda assim queira usar heroína. Eles não vão deixar. Não vão deixar porque isso é visto como um sinal de seu próprio fracasso. O fato de você simplesmente escolher rejeitar o que eles oferecem. Nos escolha. Escolha a vida. Escolha pagamentos de hipoteca. Escolha máquinas de lavar. Escolha carros. Escolha ficar sentado num sofá assistindo a programas de auditório que atrofiam a mente e esmagam o espírito, enfiando uma merda de junk food goela abaixo. Escolha apodrecer mijando e se cagando em casa, um constrangimento total pros pirralhos egoístas e fudidos que você gerou. Escolha a vida.
Bem, eu escolho não escolher a vida (p.191).

Renton nega na sua cotidianidade a vida escolhida. Longe da estabilidade e da segurança oferecidas pela sociabilidade burguesa, ele encontra na heroína o remédio existencial para enfrentar o sufocamento capitalista cotidiano. Welsh apreendeu isso quando escreveu seu romance: jovens não podem ser definidos pelo seu emprego (seja no mercado ou no Estado). Não podem porque devem buscar desenvolver sua personalidade humana de tal modo que se tornem incapazes de uma autodefinição que não seja a de seres humanos. Como escreveram certos pensadores omnilaterais

Já na sociedade comunista, onde o indivíduo não tem uma única atividade, mas pode aprimorar-se no ramo que o satisfaça, a produção geral é regulada pela que me dá a possibilidade de hoje fazer determinada coisa, amanhã outra, caçar pela manhã, pescar à tarde, criar animais ao anoitecer, criticar depois do jantar, segundo meu desejo, sem jamais me tornar caçador, pescador, pastor ou crítico (MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. Trad. Frank Müller. São Paulo: Martin Claret, 2007, p.60).


Não quero com isso dizer que o romance aponte para uma sociedade comunista – que, obviamente, não pode ser produzida via heroína. Todavia, ao realizar uma crítica tão contumaz ao amesquinhamento da personalidade humana efetivado pela sociedade burguesa, Welsh mostra que o não-conformismo diante da estabilidade e seguranças relativas que o mundo burguês dispõe pode ser um caminho para uma cotidianidade autêntica pautada na autorrealização da personalidade humana.

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