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Homem simples e comum: procuro ser gentil com as pessoas, amigo dos meus amigos e bondoso com a minha família. Sou apaixonado por filmes, internet, livros, futebol e música. Estou tentando sempre equilibrar corpo e mente, manter-me informado das notícias a nível mundial, ministrar aulas de geografia em paralelo às pesquisas acadêmicas que desenvolvo e, no meio de tudo isso, tento achar tempo para o lazer e o namoro. Profissionalmente,sou geógrafo e professor de Geografia no Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Instituto Federal do Maranhão (IFMA ­ Campus Avançado Porto Franco) e Doutorando em Geografia Humana na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Membro do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA) e do Núcleo de Estudos do Pensamento Socialista Pesquisa do Sindicalismo (NEPS), ambos da UFMA. Participo da Rede Justiça nos Trilhos.

domingo, 9 de junho de 2013

ESBOÇO SINTÉTICO PARA UMA CRÍTICA ONTOLÓGICA: LÉA ANASTASIOU E A DIALÉTICA DOS PROCESSOS DE ENSINAGEM

José Arnaldo dos Santos Ribeiro Junior[1]

Para Saulo Pinto Silva, pelas aulas.

O trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens”.
(Demerval Saviani, A pedagogia histórico-crítica).

A premissa supracitada de Demerval Saviani nos revela o quanto o trabalho[2] educativo, ou seja, a educação como práxis criadora, como atividade prática dos homens, é direta e intencionalmente uma relação mediada e concreta, no qual cada indivíduo, dotado de características particulares, singulares e subjetivas, estabelecem um nexo teleológico-causal[3] com a Humanidade[4], compreendida aqui no sentido lato, o Homem como um Todo, nunca acabado, pois permanente em fazer-se (Homem). Esta Humanidade que se faz e ao mesmo tempo em que se faz produz historicamente e coletivamente necessidades e novas possibilidades educacionais, põe-nos a refletir objetivamente acerca daquilo que Anastasiou (2005) chamou de processo de ensinagem. Na síntese crítica por ora escrita, pretendemos buscar apresentar objetivamente as ideias centrais que constituem o foco de análise e intelecção da autora. O artigo de Anastasiou está subdividido em oito tópicos, a saber: 1) Ensinar, 2) Aprender e Apreender, 3) Processo de Ensinagem, 4) Processo de Ensinagem: o movimento necessário, 5) O movimento e o método dialético: breve incursão, 6) As operações de pensamento, 7) Dos passos aos momentos, e 8) Na busca de uma síntese possível. Todos os oito tópicos apresentam uma coerência interna (em-si) simultaneamente em que constituem um nexo histórico, causal e objetivo dotado de coesão interna e externa (em-si e para-si).
No primeiro tópico Ensinar, Anastasiou (2005, p.12) escreve que:

Um dos elementos básicos de discussão da ação docente refere-se ao ensinar, ao aprender e ao apreender. Essas ações são muitas vezes consideradas e executadas como ações disjuntas, ouvindo-se até de professores afirmações do tipo: “eu ensinei, o aluno é que não aprendeu”.
Isso decorre da ideia de que ensinar é apresentar ou explicar o conteúdo numa exposição, o que a grande maioria dos docentes procura fazer com a máxima habilidade de que dispõe; daí a busca por técnicas de exposição ou oratória como elementos essenciais para a competência docente.

A escritora vai começar a esboçar aqui uma diferença entre aprender e apreender no qual, o processo de ensino, transforma-se numa mediação entre os dois momentos supracitados. Por essa via não há disjunção, mas sim uma conexão entre o que é exposto ou explicado com a forma de apresentação e o conteúdo histórico. Entender a história[5], a gênese do ensinar, significa compreender os processos históricos objetivos que estão em permanente movimento. Daí decorre a crítica da autora ao modelo jesuítico, o Ratio Studiorum, que transformava as aulas em passos descompassados sem a preocupação do processo de humanização, mas fixando categorias eternas via técnica da memorização.
Se o insignare é um processo de mediação entre aprender e apreender (tópico dois), o que diferencia estes dois momentos do processo de ensinagem?

O apreender, do latim, apprehendere, significa segurar, prender, pegar, assimilar mentalmente, entender, compreender, agarrar.  [...] O verbo aprender, derivado de apreender por síncope, significa tomar conhecimento, reter na memória mediante estudo, receber a informação de... (ANASTASIOU, 2005, p.14)

Essa diferença que a escritora faz é de fundamental importância. Apreender é uma ação muito mais complexa que aprender posto que o sujeito do conhecimento (o aluno, p.ex.) se apropria do conteúdo e da forma que o professor leciona o mesmo, através de um processo de assimilação. O aprender, unicamente, jesuiticamente, reduz o apreender a uma memorização mediante o estudo. É claro que aprender é um momento importante do movimento de ensinagem; todavia enquanto a apreensão é uma totalização em curso[6], o aprender é uma totalidadefixada, fechada, memorizada.
Por isso tudo, é que a autora escreve no tópico três (Processo de Ensinagem) que:

Foi diante dessas reflexões que surgiu o termo ensinagem, usado então para indicar uma prática social complexa efetivada entre os sujeitos, professor e aluno, englobando tanto a ação de ensinar quanto a de apreender, em um processo contratual, de parceria deliberada e consciente para o enfrentamento na construção do conhecimento escolar, decorrente de ações efetivadas na sala de aula e fora dela (ANASTASIOU, 2005, p. 15).

O neologismo ensinagem significa justamente que ensinar, aprender e apreender são momentos do movimento educativo. Uma educação em movimento, com seus devidos sujeitos históricos (corpo docente e discente), deve estar atenta às novas práticas de ensino e aprendizagem que visem à humanização do homem pelo ato educativo. Isto posto nos revela o quanto a ação de ensinar é uma efetiva sociabilidade prática na medida em que cria mediações complexas (novos conteúdos, novas formas, novas técnicas de ensino, etc.) onde o contrato entre professor e aluno expressa que, pelo ato educativo, pela práxis criadora da educação, ambos sujeito-objeto do processo de ensinagem, tornam-se cada vez mais sociais e sociabilizados pela educação. Há, portanto, um recuo do Estado de Natureza hobbesiano rumo a uma socialização da natureza e do próprio homem, seja pelo trabalho (Marx) ou pela arte (Lukács)[7]. O homem quando se educa vai paulatinamente eliminando o poder da “miséria, da imundície, da solidão, da barbárie, da ignorância e da crueldade” (HOBBES, 2006, p.138). Como se vê a partir deste uso linguístico hobbesiano, o saber educar é conhecer a existência de novas necessidades e novas possibilidades que se abrem no constante processo elaboração de questionamentos e respostas, de formas do conteúdo e do conteúdo das formas, da aula expositiva e a exposição da aula, saber e sabor (como prega a autora) enfim, a lista é infindável. A ação de ensino pela mediação docente e a aprendizagem do estudante coagem o tempo inteiro se, e somente se, o ato teleológico-causal educativo trabalhar objetivamente as processualidades subjetivas em uma relação de objetivação que vise à compreensão, apreensão do conteúdo objetivo a ser ensinado de forma satisfatória. O desafio da educação como práxis é claramente tornar a práxis educativa, educadora e ativa.
No tópico quatro, processo de ensinagem: o movimento necessário, Anastasiou (2005, p.18) escreve que:

Para entender o movimento do pensamento, é importante retomar  os elementos da metodologia tradicional. Como a inteligência era associada à memorização, o trabalho docente se dirigia à explanação do conteúdo e à manutenção da atenção do aluno. A exposição era o centro do processo, acompanhado da anotação e memorização: a estratégia predominante era a da aula expositiva tradicional.

É salutar entender que a autora não abdica totalmente da metodologia tradicional. Claramente isso seria um equívoco porque a preleção do docente, as dúvidas dos alunos, a feitura de exercícios para fixação e a memorização são momentos importantes da aprendizagem. Só que eles não esgotam em si tal processo. A historicidade aqui deve ser enfatizada posto que hodiernamente o foco está na apreensão do conteúdo a ser apre(e)ndido. O aprender e o apreender levam dialeticamente a produção de uma nova forma-conteúdo: o processo de ensinagem.
É justamente essa dialética, presente o tempo inteiro no texto de Anastasiou, que ela vai enfatizar no tópico cinco intitulado: o movimento e o método dialético: breve incursão. O foco da autora está na defesa da lógica dialética perante a lógica formal no que tange a apropriação do conhecimento e de como esse conhecer (saber da existência) deve se tornar próprio e propriedade de indivíduos-sociais. Bebendo em autores como Georges Politzer, Vieira Pinto, Wachowicz, a filósofa brasileira Marilena Chauí, o filósofo marxista/lukacsiano Leandro Konder e Karel Kosik, Anastasiou insistirá na superioridade epistemológica da lógica dialética sobre a lógica formal, como um processo espiráleo de totalização. De fato, a lógica formal (presente em autores como Michel Foucault[8]) suprime o conflito, a contradição. Quando a educação, a ação de educar, se torna apenas uma análise formal, não-dialética, qualquer autor que adote esse percurso epistemológico deixa de se preocupar com as contradições objetivas da realidade social (no nosso caso, a sala de aula, p.ex.). Ou como escreveram dois velhos filósofos alemães:

Não é a consciência que determina a vida, mas a vida é que determina a consciência”.
(Marx & Engels, A Ideologia Alemã).

Apesar de a compreensão metodológica remeter a uma subjetividade (a escolha pessoal do método), o modo como uma determinada sociedade se reproduz materialmente põe a questão para o plano da objetividade. A objetividade, portanto, implica no estudo efetivo da realidade que independe das representações, das vontades[9] humanas. Deste modo, voltando à citação de Marx e Engels, não se explica a vida material pela consciência, mas sim se explica a consciência pelas contradições da vida material. Para o nosso caso, não se explica o processo de ensinagem pela consciência[10], mas sim pelas contradições da vida material.
Nos termos da dialética, destaque especial merece ser dado ao filósofo alemão George W. F. Hegel (1770-1831). A dialética é em Hegel idealista posto que concebe a realidade como manifestação do Espírito a partir dos movimentos de exteriorização (manifestação nas obras produzidas) e interiorização (sabedoria, reconhecimento e compreensão de que as obras são produto do Espírito). Além disso, a filosofia da história de Hegel apresenta como motor interno a contradição, bem como essa mesma história é, na verdade, a história do Espírito[11].
Todavia, Marx e Engels vão opor-se a esse entendimento da história partindo de concepções basilares do seu pensamento: 1) a contradição, que em Hegel é do Espírito consigo mesmo, aparece em Marx e Engels concretamente como luta de classes; 2) a dialética, que em Hegel é idealista, em Marx e Engels torna-se materialista.

Meu método dialético, por seu fundamento, difere do método hegeliano, sendo a ele, inteiramente oposto. Para Hegel, o processo do pensamento - que ele transforma em sujeito autônomo sob o nome de ideia - é o criador do real, e o real é apenas sua manifestação externa. Para mim, ao contrário, o ideal não é mais do que o material transposto para a cabeça do ser humano e por ela interpretado[12].

Como se vê, é a dialética materialista e a cosmovisão materialista que nos permite criticar o entendimento da história como desenvolvimento progressivo da Ideia e a filosofia “celestial” de Hegel.
Nos termos do materialismo histórico fundado por Marx e Engels n’A Ideologia Alemã, a análise de determinada realidade deve ter como foco as relações sociais de produção, posto que, justamente, permite a satisfação das necessidades básicas dos homens (comer, beber, vestir-se). Na mesma linha, pontuo a importância de se considerar a luta de classes como fundamento de uma totalização em curso e, simultaneamente, de apreensão das relações sociais concretas. Possibilita-se dessa maneira enxergar a unidade na diversidade como um processo de síntese de várias determinações, ou seja, permite conceber o pensamento como resultado do real[13].
Assim, uma verdadeira e autêntica educação dialética, toma como base a realidade, busca compreender nas contradições sociais da vida a concretude do seu fazer educativo. Uma educação ativa, dialética, concreta, visa em última instância sempre a emancipação do Homem, fazer do homem sujeito e objeto de si mesmo: é uma educação reflexiva, atenta aos problemas da sala de aula, da escola, da cidade, do estado, do país, do mundo, ao mesmo tempo em que partindo da realidade problematiza questões e fornece respostas, sempre parciais, sempre provisórias, mas cada vez mais próximas da realidade.
Feito isto, todo este pequeno excurso metodológico em diálogo com a autora, Anastasiou nos apresenta no tópico seis as operações de pensamento: comparação, resumo, observação, classificação, interpretação, crítica, busca de suposições, imaginação, obtenção e organização dos dados, levantamento de hipóteses, aplicação de fatos e princípios a novas situações, decisão e, por fim, planejamento de projetos e pesquisas. Nas palavras da própria autora:

Essas operações estão também presentes nas ações que operacionalizamos com os alunos, nos três momentos propostos na metodologia dialética: mobilização, construção e elaboração da síntese do conhecimento, visando ao conhecimento da visão inicial ou sincrética, à efetivação da análise e à busca de uma síntese qualitativamente superior (ANASTASIOU, 2005, p. 27).

Todas estas operações se apropriam da memorização, mas indo além dela. Esse ir além é ir além da “decoreba”, do conteúdo aprendido pelas regras formais da linguagem. Ir além é buscar uma educação e uma escola que encarne valores democráticos, ou, melhor ainda, que esteja em constante processo de democratização[14]. O alunado e o professorado devem saborear o saber, para fazer um jogo de palavras da autora, a fim de que suas vivências pessoais e sua relação contratual visem à humanização de si mesmo e dos outros.
No penúltimo tópico, de número 7, a autora vai tratar dos passos aos momentos. Isso significa que preparação, aplicação, generalização, simbolização e abstração (os passos), são momentos importantes do movimento educativo que deve relacionar a sociabilidade prática do discente e do docente, a fim de que ambos reelaborem suas práticas sociais. Metodologicamente, Anastasiou nos escreve que isso passa por três momentos do método dialético: a mobilização para o conhecimento, a construção do conhecimento  e a elaboração da síntese do conhecimento. Dessa forma, conhecer (saber da existência) nos impulsiona para a constituição objetiva do conhecimento prático, porque teórico. Teórico, pois problematiza, critica, historiciza pela práxis numa busca de totalização desvendar a realidade, identificar a essência da relação pedagógica: “a interação intencional, planejada e responsável entre aluno, professor e objeto de conhecimento” (ANASTASIOU, 2005, p. 34).
Por fim, no último tópico, na busca de uma síntese possível, a autora faz uma balanço fundamental do que expôs e confrontou com o processo de ensinagem, a saber: a visão de conhecimento, a consideração dos limites e possibilidades dos sujeitos atuantes no processo, a superação da alienação, a construção contínua da metodologia dialética, a busca dos percursos e a formação profissional continuada. Assim o processo de ensinagem se direciona para um fazer solidário e como um “desafio a uma ação docente inovadora e comprometida” (idem, p. 36).

REFERÊNCIAS

ANASTASIOU, Léa das Graças Camargos. Ensinar, aprender, apreender e processos de ensinagem. In: ANASTASIOU, Léa das Graças Camargos; ALVES, Leonir Pessate (orgs.). Processos de ensinagem na universidade: pressupostos de trabalho em aula. 5.ed. Joinville, SC: UNIVILLE, 2005. p.11-36.
COUTINHO, Carlos Nelson. O estruturalismo e a miséria da razão. 2ªed. São Paulo: Expressão Popular, 2010.
HOBBES, Thomas. Do Cidadão. TRAD. Fransmar Costa LIMA. São Paulo: Martin Claret, 2006.
LUKÁCS, György. Socialismo e democratização: escritos políticos 1956-1971. Organização, introdução e tradução de Carlos Nelson Coutinho e José Paulo Netto. 2ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2011.260p.
LUKÁCS, Georg. As Bases Ontológicas do Pensamento e da Atividade do Homem. Tradução de Carlos Nelson COUTINHO. Cf.<http://sergiolessa.com/BibliotecaLukacs.html>. Acesso em 01 set.2012a. p.1-20.
LUKÁCS, G. O trabalho. In Per una Ontologia dell’Essere Sociale. Trad. Ivo Tonet. Disponível em < http://sergiolessa.com/BibliotecaLukacs.html>. Acesso em 01 set. 2012b.
NETTO, José Paulo. Marxismo Impenitente: contribuição à história das ideias marxistas. São Paulo: Cortez, 2004.
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política: livro I. Trad. Reginaldo SANT’ANNA. 27ªed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira: 2010.
RODRIGUES, Mavi. MICHEL FOUCAULT SEM ESPELHOS: um pensador proto pós-moderno. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: UFRJ/ESS, 2006.
SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. 4ªEd. 2ª Reimpr. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 15ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2008.
SARTRE, Jean Paul. Questão de Método. São Paulo: Nova Cultural, 1987.



[1] Geógrafo e Professor de Geografia do Programa de Educação Pré-Vestibular para Jovens Afrodescendentes “Agadá”.  Mestrando em Geografia Humana na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP).  Membro do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA) e do Núcleo de Estudos e Pesquisas do Sindicalismo (NEPS) ambos da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Integrante da Rede Justiça nos Trilhos. E-mail: aj_ramone@hotmail.com
[2] “O processo de trabalho, que descrevemos em seus elementos simples e abstratos, é atividade dirigida com o fim de criar valores-de-uso [sic], de apropriar os elementos naturais às necessidades humanas; é a condição necessária do intercâmbio material entre o homem e a natureza; é condição natural e eterna da vida humana, sem depender, portanto, de qualquer forma dessa vida, sendo antes comum a todas as suas formas sociais” (MARX, 2010, p.218). O filósofo marxista húngaro György Lukács, na trilha deixada por Marx, atentou para a centralidade ontológica do trabalho: “A essência do trabalho consiste precisamente em ir além dessa fixação dos seres vivos na competição biológica com seu mundo ambiente. O momento essencialmente separatório é constituído não pela fabricação de produtos, mas pelo papel da consciência, a qual, precisamente aqui, deixa de ser mero epifenômeno da reprodução biológica: o produto, diz Marx, é um resultado que no início do processo existia "já na representação do trabalhador", isto é, de modo ideal” (LUKÁCS, 2012a, p.5).
[3] É bom deixar claro, como faz Mavi Rodrigues (2006, p.84) que “A teleologia limita-se a ação humana singular. Além disso, devemos ter em conta que mesmo reduzida ao agir humano singular, a teleologia abre alternativas; portanto, ela está associada a efeitos que independem das intenções conscientes”. Isso significa que a teleologia não pode ser concebida como algo fechado, um fim da história, mas sim de uma projeção ideal subjetiva no plano do mundo objetivo, mundo este que independe da consciência subjetiva/singular/individual do sujeito que realiza o movimento da prévia-ideação. O filósofo brasileiro Carlos Nelson Coutinho (1943-2012) assim dissertou sobre a relação entre teleologia e causalidade: “Com a vida social, introduziu-se no ser dos processos uma realidade nova, uma nova categoria ontológica: o ato teleológico. Enquanto na realidade natural ocorre apenas causalidade, na sociedade a causalidade relaciona-se estreita e organicamente com a teleologia. O ato teleológico primário, sobre o qual se organiza uma rede de complexos teleológicos de nível superior, verdadeiras objetividades teleológicas, é o trabalho econômico” (COUTINHO, 2010, p.87).
[4] Que na visão do geógrafo Milton Santos (2008) nunca houve, apenas está começando os primeiros ensaios. Quando analisamos tal observação vemos que Milton pôs a discussão sobre humanidade em seu sentido mais amplo, no plano da totalidade do homem.
[5] A História, sob o ponto de vista lukacsiano, é a produção e a reprodução das objetivações humanas ao longo do tempo (NETTO, 2004). Nesse sentido a história da educação deve ser vista pelo prisma da objetivação, ou seja, de como o ser humano em seu processo de humanização se apropria de objetos naturais para trazê-los para o campo das significações objetivas do seu próprio ser. Nessa linha, a educação, enquanto processo de humanização, faz do homem um “ser educado”. Traduzindo: um ser que ontologicamente busca se educar na exata medida em que se educa para continuar se fazendo homem.
[6] “[...] totalização como processo de revelação dialética, como movimento da Historia e como esforço teórico e prático para ‘situar’ um acontecimento, um grupo, um homem” (SARTRE, 1987, p.158). Na Geografia, foi Milton Santos (2006, p.76-77) que, baseando-se em Sartre, atentou para o espaço geográfico como uma totalização, um processo: “A Totalidade está sempre em movimento, num incessante processo de totalização, nos diz Sartre. Assim, toda totalidade é incompleta, porque está sempre buscando totalizar-se. Não é isso mesmo o que vemos na cidade no campo ou em qualquer outro recorte geográfico? Tal evolução retrata o movimento permanente que interessa à análise geográfica: a totalização já perfeita, representada pela paisagem e pela configuração territorial e a totalização que se está fazendo, significada pelo que chamamos de espaço”.
[7] Nesse sentido, ouso escrever que o processo de ensinagem pode ser pensado como uma crescente socialização do homem, mas também como um progresso na sociabilidade e nas formas de objetivação desta sociabilidade, seja pelo trabalho (como atestou primariamente Marx) ou pela arte (como enriqueceu Lukács). A sociabilidade em questão, na qual a educação é mediação indelével, põe-se como uma característica ineliminável do próprio ser humano em seu processo de humanização que é, por seu turno, um processo espaço-temporal (da escola, da sala de aula, dos horários, etc.) na medida em que os seres humanos travam relações sociais em espaços-tempos determinados não importando se tais relações ou processos de ensinagem (para o nosso caso) se dão no campo ou na cidade, na comunidade rural ou no bairro, na universidade ou na escola. É justamente este processo amplo de desenvolvimento educativo que relaciona sociabilidades espaços-temporais com formas de objetivações que conformam o conteúdo do próprio ser humano.
[8] De modo contrário posicionou-se o estruturalista francês Michel Foucault (1926-1984) em relação à dialética. Nos Ditos e Escritos IV – Estratégia, Poder-Saber Foucault foi claro: “Não aceito essa palavra dialética. Não e não! É preciso que as coisas estejam bem claras. Desde que se pronuncia a palavra 'dialética', se começa a aceitar, mesmo que não se diga, o esquema hegeliano de tese e da antítese e, com ele, uma forma de lógica que me parece inadequada, se quisermos dar uma descrição verdadeiramente concreta desses problemas. Uma relação recíproca não é uma relação dialética [...] Veja, a palavra 'contradição' tem, em lógica, um sentido particular. Sabemos bem o que é uma contradição na lógica das proposições. Mas quando se considera a realidade e se procura descrever e analisar um número importante de processos, descobre-se que essas zonas de realidade estão isentas de contradições [...] Tomemos o domínio biológico. Nele encontramos um número importante de processos recíprocos antagonistas, mas isso não quer dizer que se trate de contradições. Isso não quer dizer que haja, de um lado do processo antagonista, um aspecto positivo e, do outro, um aspecto negativo. Penso que é muito importante compreender que a luta, os processos antagonistas não constituem, tal como o ponto de vista dialético pressupõe, uma contradição no sentido lógico do termo [...] Se repito, de modo permanente, que existem processos como a luta, o combate, os mecanismos antagonistas, é porque encontramos esses processos na realidade. E não são processos dialéticos” (apud RODRIGUES, Mavi. MICHEL FOUCAULT SEM ESPELHOS: um pensador proto pós-moderno. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: UFRJ/ESS, 2006. p. 154).
Contra Foucault, trago a bela explanação do filósofo brasileiro Leandro Konder: “Durante séculos, a hegemonia do pensamento metafísico nos acostumou a reconhecermos somente um tipo de contradição: a contradição lógica. A lógica, como toda ciência, ocupa-se da realidade apenas em um determinado nível; para alcançar resultados rigorosos, ela limita o seu campo e trata de uma parte da realidade. [...] Existem, porém, dimensões da realidade humana que não se esgotam na disciplina das leis lógicas. Existem aspectos da realidade humana que não podem ser compreendidos isoladamente: se queremos começar a entendê-los, precisamos observar a conexão íntima que existe entre eles e aquilo que eles não são. [...] As conexões íntimas que existem entre realidades diferentes criam unidades contraditórias. Em tais unidades, a contradição é essencial: não é um mero defeito do raciocínio. Num sentido amplo, filosófico, que não se confunde com o sentido que a lógica confere ao termo, a contradição é reconhecida pela dialética como princípio básico do movimento pelo qual os seres existem. A dialética não se contrapõe à lógica, mas vai além da lógica, desbravando um espaço que a lógica não consegue ocupar” (KONDER, Leandro. O que é dialética. São Paulo: Brasiliense, 2008. p.46-47).
[9] Faço alusão aqui ao filósofo irracionalista, anti-dialético e anti-humanista Arthur Schopenhauer: “O mundo é minha representação. Esta proposição é uma verdade para todo ser vivo pensante, embora só o homem chegue a se transformar em conhecimento abstrato e refletido. A partir do momento em que é capaz de o levar a este estado, pode-se dizer que nasceu nele o espírito filosófico. Possui então a inteira certeza de não conhecer nem um sol nem uma Terra, mas apenas olhos que veem este sol, mão que tocam esta Terra, em uma palavra, sabe que o mundo que o cerca existe apenas como representação, em sua relação com um ser que percebe, que é o próprio homem. Se existe uma verdade que se possa afirmar a priori é esta, pois exprime o modo de toda experiência possível e imaginável, conceito muito mais geral que os de tempo, espaço e causalidade que o implicam” (SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e representação. Trad. M. F. Sá CORREIA. Rio de Janeiro: Contraponto, 2001. p.9).
[10] Isso não quer dizer que a consciência, por ser abstrata, não tenha implicações reais. Ora, quando Lukács (2012b) diz que a consciência deixa de ser um epifenômeno biológico está justamente alertando-nos para o papel da consciência em servir ao homem, ao ser social. O ser social progride, pelo desenvolvimento do trabalho, a consciência progride, ou seja, o homem torna-se cada vez mais consciente de suas realizações. Esse tornar real é produto do ato teleológico humano-singular mediado pelo trabalho (a práxis criadora).
[11] CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. 2ªed. São Paulo: Brasiliense, 2008.
[12] MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política: livro I. Trad. Reginaldo SANT’ANNA. 27ªed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira: 2010.p.28.
[13] MARX, Karl. Contribuição à crítica da economia política. 2ªed. Lisboa: Editorial Estampa, 1973.
[14] Lukács (2011, p.85) entendia a democratização como um processo ontológico, pois para o mestre húngaro “trata-se sobretudo de um processo e não de uma situação estática”. Mais a frente (idem, p.111) o filósofo marxista nos escreve que a democracia socialista é “o órgão desta auto-educação do homem (na perspectiva histórico-universal, ou seja, da auto-educação para ser efetivamente homem no sentido de Marx)”. Ademais, na página 117, Lukács anota: “a tarefa da democracia socialista é penetrar realmente na inteira vida material de todos os homens, desde a cotidianidade, até as questões decisivas da sociedade; é dar expressão à sua sociabilidade enquanto produto da atividade pessoal de todos os homens”. E quando fala de educação mesmo, o mestre húngaro não é menos brilhante: “a educação pode deixar de ser uma superestrutura produzida automaticamente em certo grau de desenvolvimento econômico para transformar-se assim em fator de ampliação e aprofundamento da vida individual de cada indivíduo, em força social criada pelo homem consciente, força que, em sua real sociabilidade, faz com que a redução do tempo de trabalho necessário para própria reprodução torne cada pessoa capaz de produzir o que Marx chamava de ‘supérfluo’ e de se apropriar deste ‘supérfluo’ para construir e aperfeiçoar a si mesmo” (idem, p. 142).

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