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Homem simples e comum: procuro ser gentil com as pessoas, amigo dos meus amigos e bondoso com a minha família. Sou apaixonado por filmes, internet, livros, futebol e música. Estou tentando sempre equilibrar corpo e mente, manter-me informado das notícias a nível mundial, ministrar aulas de geografia em paralelo às pesquisas acadêmicas que desenvolvo e, no meio de tudo isso, tento achar tempo para o lazer e o namoro. Profissionalmente,sou geógrafo e professor de Geografia no Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Instituto Federal do Maranhão (IFMA ­ Campus Avançado Porto Franco) e Doutorando em Geografia Humana na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Membro do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA) e do Núcleo de Estudos do Pensamento Socialista Pesquisa do Sindicalismo (NEPS), ambos da UFMA. Participo da Rede Justiça nos Trilhos.

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Você já respirou pó de ferro? Conheça o ar sujo de Piquiá

terça-feira 22 de julho de 2014
Quem não está acostumado sente logo a contaminação do ar. São terríveis os efeitos de se inalar o chamado pó de ferro, um incômodo composto preto de pelotas de minério de ferro com poeira de carvão que provoca dores de cabeça, coceiras na pele, no couro cabeludo e dificuldades de respirar. A rinite alérgica é um dos primeiros sintomas sentidos por quem chega ao povoado de Piquiá de Baixo, em Açailândia, município no interior do Maranhão, dentro da área da Amazônia Legal.
“É isso o que acontece com quem não está acostumado com o pó de ferro”, diz Wellem Pereira de Melo, um dos representantes da associação de moradores desta comunidade de cerca de 300 famílias e 1.100 habitantes. Aos 56 anos, Wellem teve que se mudar de Piquiá de Baixo para Piquiá de Cima, bairro vizinho distante 2 km, a mando do médico que o proibiu de respirar o ar do povoado.
A autora desta reportagem foi acolhida na casa de uma família em Piquiá de Baixo na beira da BR-222 e pôde sentir os danos da poeira metálica. Mesmo em dias chuvosos, dá para sentir a fuligem aparentemente invisível. E seus estragos.
Doenças
A exposição prolongada à poeira e vapores de ferro provenientes do processamento do mineral podem causar problemas à saúde e diminuir a resistência do organismo às infecções respiratórias. A poeira em Piquiá contém também carbono, manganês, cromo, cobre, níquel, fósforo e silício. A curto prazo, os efeitos são irritar o pulmão e a mucosa da garganta.
A longo prazo, os efeitos crônicos da inalação da poeira de ferro fundido podem gerar manchas no tórax dificultando a respiração. Segundo artigo do Jornal de Pneumologia, o pó de ferro quando inalado por longo tempo causa uma lesão mista nos pulmões denominada “siderossilicose”, e há evidências do aumento da incidência de câncer no pulmão e doenças obstrutivas das vias aéreas causadas diretamente por essa exposição.
A chamada “siderose pulmonar” é gerada pela inalação de poeiras contendo óxidos de ferro. Apesar de não ser uma patologia rara, o jornal científico informa que a siderose não é descrita com frequência na literatura brasileira. Ela pode ser evitada, mas em geral não é tratada.
Não são raros os casos que envolvem complicações pulmonares de moradores em Piquiá de Baixo, onde eles respiram este pó metálico espalhado pelo vento após emitido pelas chaminés dos 14 altos-fornos de cinco siderúrgicas ao redor.
Morte por infecção pulmonar
A morte mais recente na comunidade foi de uma mulher de 32 anos, vítima de embolia pulmonar. Deucivânia Oliveira Lima era casada e tinha três filhos, sendo um deles um bebê de seis meses. Ela faleceu em 18 de março deste ano e a causa da morte, como indica a certidão de óbito, foi sepse grave e tromboembolismo pulmonar, resultado de uma infecção bacteriana que atacou o pulmão.
“Deucivânia, estudou comigo desde criança, conheço os seus pais e seus filhos. Já na gravidez, ela sentia dificuldade respiratória e as crises foram se agravando. Depois que o bebê nasceu, ela piorou”, conta Joselma Alves de Oliveira, 37, professora nascida e criada em Piquiá. Ela acompanhou todo o período em que sua amiga esteve internada.
“O pó de ferro é preto, essas partículas entram nas nossas vias respiratórias e vão para o pulmão. Provavelmente, todo mundo tem problema pulmonar em Piquiá. Quem não tem hoje vai ter no futuro”, diz Joselma que há 10 anos sofre com intensa irritação na garganta e inflamação nos ouvidos. “É só varrer a casa para tirar o pó de ferro que fico com irritação. Tenho constante inflamação na garganta e nos ouvidos, eles ficaram mais sensíveis pelas alergias”, relatou.
Poluição vista a olho nu
As pessoas respiram pó de ferro todos os dias e estão adoecendo por problemas pulmonares, doenças de pele e de visão. “A poluição é vista a olho nu”, afirma Danilo Chammas, advogado da associação de moradores da comunidade e membro da Rede Justiça nos Trilhos, que acompanha povoados impactados ao longo de 900 km da ferrovia Carajás. Piquiá de Baixo é o caso mais grave. “Lá são as maiores incidências de doenças que estão relacionadas diretamente à poluição”, alerta Chammas.
É triste morar num local onde praticamente toda a população tem chance de ter doenças de pulmão, garganta e problemas respiratórios, lamenta Joselma ao dizer-se preocupada com a saúde de sua filha de 14 anos. “Temos muitas crianças em Piquiá e todo mundo da minha geração tem problemas respiratórios e de pele”, diz.
A Rede Justiça nos Trilhos contabiliza quatro mortes nos últimos 15 meses relacionadas a problemas pulmonares.
"É poluição demais"
Ao caminhar pelas ruas de terra batida de Piquiá de Baixo, à beira da BR-222, é fácil ver crianças brincando de carrinho e mulheres sentadas em bancos de madeira observando o movimento de caminhões da rodovia. O clima é de tranquilidade. Em um final de tarde após um dia ensolarado e quente, em que a temperatura chegou a 35°C, encontro a moradora Lucilene da Silva Assunção, de 43 anos, perto dos portões de uma das indústrias de gusa.
Ela vive numa casinha de paredes azuis com o marido e um netinho de pouco mais de um ano. Sua casa tem como vista a rodovia federal e a entrada da Companhia Siderúrgica Vale do Pindaré, do Grupo Queiroz Galvão. Ela mora há 20 anos na comunidade e diz que a vida tem se tornado cada vez mais difícil para as crianças de Piquiá.
“A poluição é demais, as crianças ficam doentes. A gente está para não aguentar. É só botar uma bacia de água no quintal que no dia seguinte ela fica preta. De noite eu fico espirrando. Vou direto ao posto de saúde levar as crianças”, diz Lucilene, mãe de quatro filhos e já avó. Na semana em que a reportagem visitou Piquiá o netinho estava com febre e gripado. Durante a conversa, a neta Lauane, de 6 anos, tossia sem parar.
Para Antônio José Ferreira Lima e Filho, integrante do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia, ONG criada em 1996, o que ocorre em Piquiá de Baixo é a demonstração de “violência, descaso do ferro gusa com o ser humano e também descaso político com as pessoas”.
“Não existe no Maranhão outro lugar onde a violação de direitos humanos aconteça com maior força do que aqui. É uma convivência impossível há mais de 20 anos. A comunidade tem que sair, apesar de ter chegado primeiro que as guseiras. E vão ter que sair pelo tipo de violência causada pelas indústrias”, comenta Antônio Filho.
Esta é a segunda reportagem da série especial Piquiá de Baixo, sobre a vida dos impactados ambientais da produção de ferro gusa no Maranhão.
Por Fabíola Ortiz
Foto: Fabíola Ortiz/O Eco

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