Por Estêvão Bertoni, na Folha de São
Paulo
A barragem da mineradora Samarco que ruiu em 5 de novembro, em Mariana
(MG), causando ao menos 17 mortes, começou a apresentar problemas apenas quatro
meses após o início de sua operação, em dezembro de 2008.
Segundo o último relatório de inspeção, elaborado a pedido da Samarco em
julho de 2015 pela empresa Vogbr, a estrutura tinha histórico de infiltrações e
de entupimentos no sistema de drenagem.
Essas vistorias precisam ser realizadas todo ano, pois a barragem era
classificada como de alto potencial de dano ambiental -presidida por Ricardo
Vescovi, a Samarco é controlada pela Vale e pela anglo-australiana BHP
Billiton.
Segundo o documento, ao qual a Folha teve acesso, em
abril de 2009 um dos diques da barragem de Fundão apresentou “forte percolação”
(infiltração) de um metro de diâmetro, causando processo erosivo interno na
estrutura.
Chamada de “piping”, a erosão interna é um dos problemas mais
preocupantes, porque pode causar ruptura.
Os técnicos da empresa decidiram interromper o lançamento de rejeitos e
esvaziar, emergencialmente, o reservatório. Um aterro foi construído para
controlar a erosão, segundo o documento.
No mesmo ano, a empresa constatou que os drenos estavam entupidos. Eles
acabaram sendo retirados, e a Samarco teve de fazer um projeto de recuperação
do dique.
No ano seguinte, os problemas continuaram, mas no sistema que escoa
eventual excesso de água. Em 2010, a galeria principal foi tomada por areia.
Juntas de dilatação se abriram, e um trecho do terreno afundou. Na galeria
secundária, surgiram trincas.
Para reparar o problema, em 2011 foi aplicado concreto para reforçar o
solo. Novo sistema de escoamento foi construído em 2012. As galerias antigas
foram vedadas.
Naquele ano, porém, a Samarco, segundo o relatório, percebeu que um
descarte de minério da Vale, vizinha a Fundão, impactava a lateral esquerda do
reservatório.
A mineradora teve de preparar um projeto para drenar o pé da pilha da
Vale, onde havia se formado um lago, e reduzir o lançamento de rejeitos em seu
reservatório.
De 2013 a 2015, foram encontradas quatro surgências (espécie de bica
d’água), que foram tratadas com drenos.
Ao mesmo tempo, a Samarco havia aumentado em 2014 sua capacidade
produtiva em 37% e, como aFolha revelou, fazia obras para ampliar e
unificar Fundão com uma barragem vizinha.
Na última vistoria, em julho de 2015, verificou-se uma surgência próxima
à ombreira direita que estava sendo tratada com dreno de areia e brita. Na
esquerda, os “drenos funcionavam em carga” (com grande saída de água). A
provável causa era uma “percolação no maciço [estrutura da barragem]”.
Os dois problemas deveriam ser monitorados, segundo os auditores, que
registraram ainda nível de emergência, atenção e alerta nos piezômetros
(instrumentos que medem a pressão da água).
A Vogbr vistoriava Fundão desde 2013 e sempre garantiu a estabilidade da
barragem. Na última visita, quatro meses antes do rompimento, o técnico
responsável não foi o mesmo das inspeções anteriores. Procurada, a empresa não
explicou a mudança.
As causas da tragédia ainda estão sendo investigadas.
Para o geólogo Jehovah Nogueira Jr., que viu o relatório a pedido da Folha,
as medidas de reparo estavam dentro da normalidade. Mas, para ele, piezômetros
com nível de emergência e ocorrência de “piping” indicavam problemas de infiltração.
OUTRO LADO
A mineradora Samarco, que pertence à Vale e à anglo-australiana BHP
Billiton, afirmou em nota que todos os laudos emitidos pelo escritório Vogbr
atestavam a estabilidade da barragem de Fundão, que se rompeu quatro meses após
a última vistoria.
Sobre a interferência da pilha da Vale no reservatório, detectada em
2012, a empresa diz que uma obra foi realizada entre 2013 e 2014 para drenar a
água da pilha vizinha e que as duas estruturas não tinham mais contato.
Em entrevista à Folha, publicada em 26 de dezembro, o diretor-presidente
da mineradora, Ricardo Vescovi, afirmou ser improvável a hipótese de que a
pilha da Vale tenha desestabilizado a barragem de Fundão. Ele afirmou também
que os rejeitos da Vale jogados no reservatório da mineradora estavam dentro do
planejamento realizado.
A Samarco afirma que entregou estudos aos órgãos responsáveis e que
possuía licença para executar as obras que estavam em andamento à época da
tragédia.
A empresa Vogbr disse, também por meio de nota, que “segue rigorosamente
as normas técnicas, as boas práticas de engenharia e a legislação vigente”.
Afirmou ainda que as inspeções foram feitas por “profissionais capacitados” e
que cumpriu “todas as etapas previstas” e apresentou “todas as informações
necessárias”.
Procurada, a assessoria de imprensa da Vale afirmou que as questões
técnicas relativas a interferência de sua pilha na barragem de Fundão deveriam
ser respondidas pela mineradora Samarco.
–
Foto de Avener Prado, FolhaPress
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