Quando Hugh demonstrou uma aptidão acadêmica
notável, o pai incentivou-o a cogitar a carreira de advogado. Hugh, entretanto,
não tinha qualquer interesse em perucas brancas e livros mofados de direito.
Mas tinha uma paixão – a geografia.
A geografia como paixão de Hugh Glass (1780-1833) foi uma das minhas
mais gratas surpresas ao terminar de ler o romance O regresso do embaixador dos EUA na OMC, Michael Punke. Cheguei ao
livro mais de 13 meses depois do lançamento do filme dirigido por Alejandro
González Iñarritú e que rendeu o Oscar de melhor ator para Leonardo DiCaprio.
Antes de iniciar o romance
propriamente dito, o livro conta com um mapa
intitulado Cenário de O REGRESSO
1823-1824, no qual, a partir de uma escala pequena – ideal para áreas
extensas – mostra dois caminhos: (1) o caminho percorrido pelo Capitão
Henry/Fitzgerald-Bridger; e (2) o caminho do lendário explorador estadunidense
Hugh Glass.
Longe de ser apenas um detalhe ao livro, ou ainda uma informação
acessória ao romance de vingança, o
mapa posicionado da forma que está – logo após a dedicatória e antes da
epígrafe – nos dá uma clara dimensão espacial
da saga de Hugh Glass. Algo que, diga-se de passagem, no livro torna-se mais
evidente do que no filme.
Não sei ao certo se o mérito de
colocar uma representação espacial do
cenário de O regresso é do próprio
Michael Punke ou ainda das editoras Carroll
& Graf e Intrínseca. De
qualquer forma, o mapa de Jeffrey Ward, posto da forma que está, acerta para
mim em um ponto fundamental: a precedência
em relação à forma escrita.
O fato do mapa praticamente
inaugurar o romance significa que antes mesmo de lermos a escrita em si, a sua representação cartográfica nos oferta um
registro emocional da aventura glassiana.
Lá no mapa estão os símbolos da jornada de Hugh: estamos no rio Grand onde nosso explorador é atacado pela famigerada ursa-cinzenta; de lá, capitão Henry e,
posteriormente, Fitzgerald e Bridger, seguem o rio Little Missouri até o Forte
Union e daí até o Forte no Bighorn
passando pelo rio Yellowstone. Nosso apaixonado pela Geografia, por sua vez,
depois de ser abandonado por Fitzgerald e Bridger, segue o rio Missouri até o Forte Brazeau – aqui Glass retrocede
550 km, parte deles rastejando!
Sobe o rio Missouri até o Forte Talbot, atravessando as aldeias dos Arikaras – onde é atacado – e a dos Mandans; Forte Union e Forte no Bighorn estão além e, depois de passar pelos rios Powder e Platte Norte – onde sofre o
segundo ataque dos Arikaras – alcança, via rio Platte, o Forte Atkinson
– cenário final da vingança.
A meu ver, o mapa de Jeffrey
Ward pode ser encarado mesmo dessa forma: um mapa de vingança. Um mapa de vingança, na medida em que representa
a busca de Glass contra aqueles que o abandonaram. Não obstante, é um mapa da luta: da luta entre os
comerciantes de peles e os indígenas (a exemplo dos Arikaras); dos indígenas
entre si (pawnees versus sioux, por
exemplo); da luta de Hugh contra a natureza, seja para encontrar um local para acampar, ou ainda para sobreviver – como na luta contra o lobo branco.
Mas também é um mapa da solidariedade: do curandeiro sioux que
trata dos ferimentos de Glass a partir de seus conhecimentos indígenas; de Cavalo Amarelo, outro sioux, que leva Hugh a cavalo, rumo ao
sul, na confluência do Missouri com o
White, até o Forte Brazeau.
Não é possível dizer se Hugh
Glass era, de fato, um apaixonado pela Geografia – enquanto reprodução científica particular do processo
relacional homem/natureza – ou se o objeto de sua paixão era uma das
múltiplas faces do estudo geográfico: a particularidade
dos lugares, das terras incógnitas, que ele ajudou a conhecer e mapear. De
qualquer forma, seja na sua dimensão real-objetiva,
na transposição dessa objetividade pela subjetividade
de Michael Punke, ou ainda no mapa de
Jeffrey Ward, a leitura de O regresso – mesclando
realidade e ficção – evidencia o drama
humano em sua jornada de lutas e representações.
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