14
Romaria caminhou pelas ruas da cidade de Balsas, que recebeu também o
Encontro Nacional do Cerrado
Rute Pina, Brasil de Fato
Cerca de 2 mil pessoas paralisaram, na manhã deste sábado (30), a
rodovia Transamazônica, na altura do município de Balsas, região Sul do estado
do Maranhão. A via ficou bloqueada por duas horas, e o ato marcou o início
da primeira edição da Romaria Nacional do Cerrado, que reúne
representantes de povos de pelo menos nove estados para denunciar os impactos
do agronegócio no bioma.
A caminhada teve início às 7h, mas, desde a madrugada, os romeiros se
concentravam na Praça da Liberdade, onde ocorreu uma feira de economia
solidária e troca de sementes.
Maria Conceição Barbosa da Silva, presidenta do Sindicato das
Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais de Sítio Novo, é do extremo norte do
estado do Tocantins. Ela levou confecções próprias de tapetes e turbantes para
vender. Para ela, a feira da economia solidária foi o espaço de visibilidade da
produção camponesa, indígena e de povos tradicionais:
“É uma forma de angariar algum fundo, mas é também um jeito de mostrar e
valorizar aquilo que a gente faz”.
No evento, havia frutas, legumes e ervas típicas do cerrado, como o
cajuí (um caju menor, que só dá neste bioma), o timbó (planta usada para ajudar
a atordoar os peixes e facilitar a pesca), o baru (legume que amadurece nesta
época de setembro a novembro) e o jatobá (fruto da árvore de mesmo nome,
que nasce em quase todos os biomas brasileiros). Também se vendeu doce de
leite, cachaça, plantas e raízes medicinais, artesanatos e outros produtos.
Por volta das 23h, os romeiros acenderam tochas em memória das vítimas
dos conflitos nos campo. Durante a madrugada, houve manifestações culturais
regionais, como o forró e o tambor de crioula.
Denúncias
No início da manhã, os romeiros e as romeiras iniciaram a caminhada
pelas principais ruas da cidade de Balsas. O tom político e ecumênico
permaneceu do início ao fim da romaria. Uma cruz feita de buriti abria os
caminhos do ato. Usada pela primeira vez na Bahia há quatro anos, o objeto foi
confeccionado por geraizeiros, que são criadores de gado livre e orgânico.
A quilombola maranhense Fátima Barros anunciava no microfone: “Nós
também invocamos os orixás e nossos encantados contra a força do agronegócio e
do capital”.
Miguel Souza, assentado da reforma agrária no município de Riachão das
Neves, oeste da Bahia, foi um dos participantes que permaneceu em vigília até o
nascer do sol. Segurando um cartaz em uma mão e uma pistola antiga em outra,
ele denunciava a falta de segurança no campo:
“A polícia é paga e usa todo o aparato do Estado para defender o
agronegócio, e o pobre não tem como se defender”.
Em frente à empresa Agromaranhão, o ato fez uma parada para denunciar ao
subsídio do Estado aos grandes proprietários de terra e o descaso com os
pequenos produtores.
“Estamos no centro do agronegócio. Quem é considerado aqui nesta cidade
são apenas os fazendeiros. Estamos aqui para mostrar que Balsas também tem um
povo lutador, e que aqui existem povos tradicionais”, disse Isolete
Wichinieski, coordenadora da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e da Campanha
Nacional em Defesa do Cerrado.
Líderes comunitários usaram o espaço do carro de som para divulgar a
situação específicas de suas comunidades. Os moradores de Riachão e São
Raimundo das Mangabeiras (MA), por exemplo, denunciaram a seca dos rios da
região por conta de açudes para criação de peixes. Eles calculam que 3 mil
pessoas estão sendo impactadas pela prática.
Já o povo indígena Krenyê, da Aldeia São Francisco, localizada a seis
quilômetros da cidade de Barra do Corda (MA), pediu a solução para um
conflito que já dura dois anos: que a Fundação Nacional do Índio (Funai)
cumpra o acordo de compra das terras. O indígena Antônio Carlos contou que a
aldeia ficou restrita a uma área “do tamanho de um campo de futebol”, e
que diversos indígenas tiveram que migrar para as periferias de outras cidades.
Hoje, apenas dez famílias vivem no local.
Além das situações específicas, os povos também se posicionaram contra a
reforma da Previdência e contra os cortes em programas do governo federal.
A romaria, que ocorreu em seguida do Encontro dos Povos do Cerrado, se
encerrou na Igreja da Matriz de Balsas, por volta das 9h da manhã.
Edição: Camila Rodrigues da Silva.
Nenhum comentário:
Postar um comentário