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Por Fabiano César e Indinayara Gouveia, no CAA NM
O Norte de Minas vem recebendo, nos últimos anos, diversas investidas do
setor minerário internacional. Contudo, essa não é uma realidade exclusiva, nem
da região, nem do Brasil. A América Latina vem sendo explorada por várias
multinacionais, que extraem desde ouro a minério de ferro. No país, a mineração
vem sendo tratada como um assunto que se refere diretamente à soberania
nacional. Para entender mais sobre as consequências da entrada desses
investimentos financeiros entrevistamos Márcio Zonta, coordenador Nacional do
Movimento dos Atingidos por Mineração – MAM. A entrevista relata um pouco a
forma como os empreendimentos chegam às regiões, a mudança na vida das
comunidades atingidas e a relação do Estado com os empreendimentos.
CAA/NM: Márcio, o que é o MAM e qual o seu objetivo?
Márcio Zonta: O MAM surge de uma acumulação da experiência de espoliação
histórica da mineração no Brasil, alinhada às últimas lutas amazônicas em torno
da expansão da mineração na região de Carajás e outros pontos da Amazônia. É no
Pará, sobretudo, que camponeses, nas suas mais vertentes faces: quilombola,
indígena, ribeirinha, cabocla, camponês de fronteira (que já migrou de outros
espaços), rivalizam com maior intensidade contra os projetos de exploração e
escoamento da mineração. São eles, e principalmente na Amazônia, que serão
prejudicados pelo desapossamento territorial de um capital em crise estrutural,
que encontra na natureza (terra, água, minério) uma acumulação extraordinária
para manutenção de seus lucros.
O objetivo do MAM é ser um movimento social não conjuntural, mas que
incida perenemente no processo político brasileiro, no que tange às destinações
e apoderações dos recursos naturais desse país. Somos um movimento que, ao
empoderar as massas espoliadas, poderemos discutir ritmo de
extração mineral, e onde se pode ou não minerar. Mais do que isso,
influenciar o ideário da classe trabalhadora para além da reivindicação
economicista. Temos que debater, no seio dessa classe mineira, o anseio por uma
indústria de mineração que se desenvolva por intermédio da pesquisa e
tecnologia, e não somente no produtivismo desvairado, que tem vitimado de
maneira exorbitante os trabalhadores da mineração.
CAA/NM: Atualmente existe uma grande preocupação com a votação do Novo
Código Minerário. Qual o problema desse novo Código Minerário? No que ele pode
prejudicar as comunidades?
Márcio Zonta: O código da mineração é mais um acordo entre Estado e
capital para aumentar a espoliação mineral no país. O Estado enquanto um
coletivo capitalista tem dado todas as benesses para o capital avançar sobre a
natureza através de leis de barragens, código florestal, e agora o código da
mineração. Para se ter uma ideia, se aprovado hoje o novo código da mineração,
teríamos a aprovação pelo Departamento Nacional de Produção Mineral
(DNPM) de 4,3 mil requerimentos. Serão 10,3 milhões de hectares do
território nacional. Na prática, estão sob embargo 10,3 milhões de hectares do
território nacional, área equivalente ao Estado de Santa Catarina.
Se no campo do trabalhador a mineração é atividade empregatícia que mais
mata, mutila e enlouquece, para as comunidades qualquer atividade de mineração
traz consigo a militarização do espaço, a espionagem, a criminalização, a
violência entre os jovens, a judicialização contra lideranças comunitárias e o
fim de muitas perspectivas econômicas, por exemplo, a agricultura.
CAA/NM: Qual o problema desse Código dentro da realidade brasileira?
Márcio Zonta: Na realidade brasileira é o aprofundamento da
reprimarização da economia e de um
pensamento socioeconômico neocolonial. Ou seja, tanto em nível
nacional ou internacional o avanço de uma mineração, cujo metabolismo parece
ensandecido, deve agudizar os conflitos pela disputa de território. A pensar
pela exploração de minério de ferro, o ouro negro nesse segundo ciclo histórico
de espoliação mineral no Brasil. Nossa capacidade de exportação é de 35 milhões
de toneladas métricas anuais de minério de ferro. Porém, chegamos ao incoerente
e absurdo recorde de 400 milhões de toneladas métricas ao ano, o que desabilita
qualquer forma de soberania nacional sobre esse bem natural finito.
CAA/NM: Os empreendimentos minerários, mesmo com diversas
irregularidades, conseguem licenças de operação, como é o caso
da Carpathian Gold em Riacho dos Machados – MG. Como as comunidades
devem se mobilizar diante dessa situação?
Márcio Zonta: A correlação de forças pelo poder político, judiciário e
econômico das transnacionais mineradoras tem dificultado muito a organização e
mobilização das comunidades. Entretanto, mineração é luta de classes, há um
capital estrangeiro, sobretudo financeirizado, alinhado à burguesia nacional
brasileira, que historicamente nunca teve um projeto nacional e sempre foi
vassala dos interesses internacionais, que coloca às comunidades somente uma
saída: a mobilização de massas, a formação política de seus moradores e a
aliança solidária e de classe com outras comunidades atingidas a nível
nacional. O capital nos ataca em bloco, teremos que responder à altura, e fazer
luta isoladamente, uma comunidade aqui, outra acolá, dificilmente esbarrará o
anseio acumulativo dessa fase histórica do capital.
CAA/NM: Porque a América Latina vem recebendo grandes investimentos do
setor minerário? E quando essas empresas chegam, como é a relação delas com as
comunidades?
Márcio Zonta: O roteiro de espoliação de um país para o outro na América
Latina sofre poucas variações. Por exemplo, no México as transnacionais
mineiras conseguem licença para minerar em apenas quatro dias. O que não difere
de outros países, que tem assegurado e garantido soberania de territórios pela
mobilização social, como no caso do Peru. Mas o capital sempre transfere suas
crises dos países do norte para os países do sul. O que acontece agora com a
mineração não é diferente.
Aponte uma cidade mais acumulativa no cone sul para o
capital estrangeiro se recuperar, que Parauapebas, no sudeste paraense,
onde está localizada a maior e melhor mina de ferro do mundo (67% de pureza).
Lá, o capital nacional e estrangeiro fizeram um acordo: os
acionistas da Vale (como, por exemplo, o maior banco financiador dos Estados
Unidos, JP. Morgan), se deliciam com a rentabilidade da exploração de
minério, mais de um milhão mensal embolsado. Tudo isso à custa de muita máquina
e pouca mão de obra. Enquanto as grandes construtoras brasileiras, entre
elas, a Ordebrecht e a Camargo Correa, embolsam a mais valia de uma massa de
trabalhadores na construção civil que constrói uma não cidade, mas um amontoado
de prédios sem sociabilidade alguma.
Dias atrás, os bancos chineses fecharam um acordo milionário com a Vale
para ter exclusividade no minério de ferro do maior empreendimento mineral do
mundo, o S11D, em Carajás. Serão 90 milhões de toneladas métricas de minério
espoliado anualmente e enviado à China. Ademais, em tempos de espionagem dos
Estados Unidos e Canadá ao Ministério de Minas e Energia (MME), o S11D, seria
inclusive uma das preocupações dos concorrentes, pois demarcaria ainda mais a
liderança do mercado global da Vale frente a Rio Tinto e BHP Billinton.
A Rio Tinto, com os custos operacionais abaixo de US$20/t, já se achava
no topo da pirâmide e a BHP estava fazendo de tudo para também chegar lá.
Todos sabiam, mas negligenciavam, da entrada no mercado, em menos de um ano, do
minério de 67% de Ferro do S11D que tem custos operacionais estimados em
US$11/t. Entende porque a América Latina é tão lucrativa para o capital? Nessa
dinâmica as comunidades sofreram o que já citei acima.
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