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Homem simples e comum: procuro ser gentil com as pessoas, amigo dos meus amigos e bondoso com a minha família. Sou apaixonado por filmes, internet, livros, futebol e música. Estou tentando sempre equilibrar corpo e mente, manter-me informado das notícias a nível mundial, ministrar aulas de geografia em paralelo às pesquisas acadêmicas que desenvolvo e, no meio de tudo isso, tento achar tempo para o lazer e o namoro. Profissionalmente,sou geógrafo e professor de Geografia no Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Instituto Federal do Maranhão (IFMA ­ Campus Avançado Porto Franco) e Doutorando em Geografia Humana na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Membro do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA) e do Núcleo de Estudos do Pensamento Socialista Pesquisa do Sindicalismo (NEPS), ambos da UFMA. Participo da Rede Justiça nos Trilhos.

sexta-feira, 11 de março de 2011

DICOTOMIA ONTOLÓGICA DE UM BATERISTA COLORIDO

A primeira vez que li a matéria na qual o Baterista do Restart, Thomas, eliminou a “civilização” do Amazonas[1], eu me peguei a rir, mesmo sabendo da gravidade da afirmação. A falta de “sabedoria geográfica” mais ínfima, até a mais “decoreba” possível, pode ser percebida quando o baterista diz que a cidade que ele queria tocar era “no Amazonas”.

Mas, o que me interessa primordialmente aqui, neste pequeno aforismo, diz respeito à seguinte frase proferida pelo nosso eloqüente baterista: "imagina tocar no meio do mato, assim..." e continua “eu não sei nem como é o público de lá, se tem civilização."
Queridos leitores: não assassinemos o garoto em questão, apesar de ele ter assassinado a geografia (mas também a sociologia e a antropologia, como irão ver adiante). Desde os governos militares (pra não recuar tanto na escala temporal), tem se pensado e enxergado, não só o Amazonas, mas a Amazônia de uma maneira geral, como um vazio demográfico e cultural[2]. Notem, queridos leitores, que a Amazônia é considerada um vazio de “pessoas” (por mais absurdo que isso possa parecer), logo cultural, mas não um vazio “natural”, ou seja relativo à Natureza. Esta “pequena” observação tem, a princípio, duas grandes questões: a primeira diz respeito à maior das dicotomias que é a oposição binária natureza/cultura; e a segunda que trata a Amazônia como um rico reservatório de recursos naturais.
A oposição binária entre natureza e cultura é perceptível na fala do baterista Thomas quando ele diz “tocar no meio do mato” e “não sei nem como é o público de lá, se tem civilização”. Em ambas as orações, o entendimento é o mesmo: natureza e cultura são incompatíveis, porque natureza e homem são incompatíveis. Mas é claro que o Thomas (se bem que eu posso estar enganado), não tem conhecimento deste debate. Ele “apenas” internalizou o “discurso oficial” que negligenciou amplamente a sociodiversidade, a biodiversidade e a diversidade epistêmica[3] que povos e populações, sejam indígenas, extrativistas, ribeirinhos, quilombolas, camponeses, pescadores, quebradeiras de coco babaçu, dentre tantos outros, estabelecem com a Natureza e entre si. Isso tudo que escrevi aqui, o Thomas assinou embaixo quando, ao tentar se desculpar do seu equívoco, escreveu no twitter: "galera, eu disse que achava que não tinha ninguém lá! não desvalorizei a galera de lá, não" ou ainda "eu adoro lugar tranqüilo! ainda mais lá que só deve ter natureza! cachoeiras e tudo mais!".
O raciocínio de Thomas é um raciocínio civilizatório sem dúvida alguma. Eu sei que esta palavra, civilização, carrega consigo significados, a primeira vista, positivos, relacionados à cidade, ao ser urbano, e depois, à modernidade, o desenvolvimento e o progresso. Mas e se reorientássemos essa nossa visão, a priori positiva, da civilização?
A retórica da civilização, embutida no pensamento de Thomas, diz respeito à retórica da Modernidade (um processo, dito pelos seus defensores, racional e nascido na Europa), o discurso do Desenvolvimento[4] e da apologética do Progresso (crença no crescimento econômico infinito, na prosperidade e na utilização ilimitada de recursos naturais[5]).
Sob os auspícios estéticos da Civilização e de todos os seus congêneres acima citados, presenciamos as maiores atrocidades da história mundial[6]: a colonialidade de terras/povos/territórios, a cruz da salvação do cristianismo, a escravidão mercantil, a subtração de nações originárias, o imperialismo, as Grandes Guerras, enfim, todas estas expressões, “não existem na civilização[7]”, ou seja, “não estão fora da civilização”, mas sim, é (ao mesmo tempo) a civilização. Para ser melhor compreendido: os exemplos supracitados não são derivativos da civilização, mas sim co-constitutivos da civilização.

José Arnaldo


[2] PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. Amazônia, amazônias. 2ªed. São Paulo: Contexto, 2005.
[3] SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula G de; NUNES, João Arriscado. Introdução: para ampliar o cânone da ciência: a diversidade epistemológica do mundo. In: SANTOS, Boaventura de Sousa. Semear outras soluções: os caminhos da biodiversidade e dos conhecimentos rivais. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, pp.21-121.
[4] O discurso do desenvolvimento, ou melhor, a Era do Desenvolvimento, foi formulado nos EUA pós- Segunda Grande Guerra, internalizado e operacionalizado pelas burguesias que instituíram o subdesenvolvimento. Conforme ESTEVA, Gustavo. Desenvolvimento. In: SACHS, Wolfgang (editor). Dicionário do desenvolvimento: guia para o conhecimento como poder. Trad. Vera Lúcia M JOSCELYNE, Susana de GYALOKAY e Jaime A. CLASEN. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. pp.59-83.
[5] COSTA, H. S. M. Meio Ambiente e Desenvolvimento. In HISSA, C. E. V(org.). Saberes Ambientais: desafios para o conhecimento disciplinar. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.
[6] Mundial mesmo, não apenas uma história particular com pretensões de universalização que é o caso da Europa
[7] A palavra existir vem de ex-sistere, em outras palavras: estar de fora

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