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Homem simples e comum: procuro ser gentil com as pessoas, amigo dos meus amigos e bondoso com a minha família. Sou apaixonado por filmes, internet, livros, futebol e música. Estou tentando sempre equilibrar corpo e mente, manter-me informado das notícias a nível mundial, ministrar aulas de geografia em paralelo às pesquisas acadêmicas que desenvolvo e, no meio de tudo isso, tento achar tempo para o lazer e o namoro. Profissionalmente,sou geógrafo e professor de Geografia no Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Instituto Federal do Maranhão (IFMA ­ Campus Avançado Porto Franco) e Doutorando em Geografia Humana na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Membro do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA) e do Núcleo de Estudos do Pensamento Socialista Pesquisa do Sindicalismo (NEPS), ambos da UFMA. Participo da Rede Justiça nos Trilhos.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Leandro Konder: Os ditadores

É conhecida a história da chamada colonização. Nos Estados Unidos, ela foi feita por ingleses protestantes que planejavam enriquecer. Na América do Sul, especialmente no Brasil, proliferaram aventureiros portugueses e espanhóis, em busca de ouro, com o objetivo de enriquecer e retornar à Europa o mais rapidamente possível.
O filósofo alemão Hegel previu que um contraste entre as duas Américas resultaria, inevitavelmente, numa guerra entre ambas. Mesmo sem a guerra (o filósofo se enganou), os Estados Unidos assumiram agressões militares a seus vizinhos do sul. Ao longo de décadas e de séculos, os estadunidenses impuseram seus critérios aos sul-americanos. E a imposição se deu por meio de setores das classes dominantes, que se reuniram organizadamente para exercer o poder de cima para baixo: os ditadores “modernos”.
No mesmo período Garcia Marques publicou o Outono do Patriarca; Augusto Roas Bastos publicou Eu, o Supremo; e Alejo Carpentier publicou O recurso do método. Todos por volta de 1975. Esses ditadores criados pelos três escritores nos ajudavam a compreender porque os personagens dos romancistas eram tão abomináveis. E mentiam e matavam sem qualquer escrúpulo. Mas não eram burros. Não lhes faltava cultura. O leitor, ao lê-los, podia ter dúvida quanto à competência dessa galeria dos ditadores.
O ditador paraguaio de Roas Bastos ameaçava punir severamente seu chefe de polícia se não identificasse e prendesse imediatamente quem, de madrugada, havia afixado no portão da catedral um manifesto contra o governo (isto é, ele mesmo).
O patriarca de Garcia Marques zela pelo cumprimento de suas ordens: para liquidar um bando de crianças que sabiam como o governo roubava na Loteria, mandou colocá-las em um navio e fazê-lo explodir e afundar. O coronel incumbido de matar as crianças cumpre a ordem recebida, mas também se mata, fazendo explodir uma banana de dinamite enfiada em seu próprio corpo.
O ditador justificou o castigo dizendo: “Há ordens que não podem ser acatadas. No entanto, também não podem deixar de ser cumpridas”.
O ditador, que é o principal personagem de O recurso do método, criado por Alejo Carpentier, lê muito. Não tem nenhuma vergonha de repetir ideias liberais e mesmo pensamentos libertários. Confessa-se admirador de um dos seus assessores, que era considerado de “esquerda”. Citava sempre Bakunin, Kropotkin e Proudhon.
Em seu cinismo drástico e em sua brutalidade assumida, os ditadores dos três escritores lembrados (há outros) rivalizavam com o estilo doentio que os tiranos mostravam no início do século 20, na vida real. Nas atuais condições, a classe dominante cobra de seus líderes políticos que eles sejam pragmáticos e não se exponham com demasiada facilidade, ao ódio popular ou ao sarcasmo da classe média.
Mudou a situação histórico-política. Isso não significa que as velhas formas de autoritarismo, prepotência, crueldade e intimidação não existem mais. Ao contrário, elas ainda são fortíssimas. Os hábitos que pautam a vida cultural, as fantasias e os critérios usuais das pessoas, os sentimentos formados diante da televisão, os compromissos com a preservação dos princípios democráticos (mesmo quando são proclamados hipocritamente), tudo isso contribui para que a burguesia fale de valores a serem preservados e reivindique para ela certa respeitabilidade não merecida.
A ficção não se limita a refletir a realidade: ela a recria. Os ditadores na literatura chegam a ser tão monstruosos como os da vida real. Um pouco da Colômbia, bem como um pouco de Cuba e do Paraguai, só passaram a existir depois que os escritores, sobre os quais acabamos de falar, escreveram seus romances brilhantes e expuseram seus criminosos ditadores.
Leandro Konder é colunista semanal do Brasil de Fato.

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